terça-feira, 2 de outubro de 2012

Esquema de Leitura: Direito Internacional Sanitário e seus temas

Uniceub - Centro Universitário de Brasília
Pós-Graduação em Direito
Direitos Sociais, Direito Ambiental e Direito do Consumidor
Aluna: Juliana Capra Maia
Grupo de Pesquisa: Direito e Saúde
Ficha de Leitura:
 
SOARES, Guido F.S. O Direito Internacional Sanitário e seus temas: apresentação de sua incômoda vizinhança. Revista de Direito Sanitário, V. 01, n. 01, São Paulo, Nov/2000.
 
 
 
Introdução
 
** Liberalismo
  • Intervencionismo estatal encarado com desconfiança e deixado para períodos críticos, ocasiões excepcionais quando a iniciativa privada era inoperante ou contrária à sobrevivência da sociedade.
  • Exemplos de episódios que autorizavam a intervenção direta do Estado (por meio de normatizações, controle da produção ou do movimento de pessoas): epidemias, pós-guerras, falta de alimentos.
  • Saúde (o que inclui hospitais, previdência, higiene pública, esgotamento sanitário, fornecimento de água potável, coleta de resíduos sólidos, etc.) >>> Assunto legado à iniciativa particular e ao livre jogo das forças do mercado, onde nem sempre os incentivos capitalistas motivariam uma ação dos particulares em face das necessidades sociais.
 
** Welfare State
  • Estado com poderes regulatórios cada vez mais abrangentes, ao ponto de englobar todos os aspectos da vida em sociedade.
  • Surgimento do Direito Sanitário >>> Corpo sistematizado de regras de Direito Público. Trata-se de obrigação institucional do Estado, de modo que a atuação dos particulares fica legada a um campo residual.
 
** Novos desafios advindos da globalização 
  • Facilidades de transportes facilitam a transmissão de doenças;
  • Tecnologia industrial polui aqüíferos transfronteiriços e águas internacionais;
  • Avanços das telecomunicações internacionalizam os padrões culturais de culto à violência, ao consumismo e à superficialidade dos padrões comportamentais >>> Problemas psicossociais se alastram, com velocidade bem menor que os tratamentos disponibilizados; 
  • Assuntos privados tornam-se cada vez mais assuntos públicos; assuntos nacionais tornam-se cada vez mais assuntos internacionais.
 
 
Os antecedentes históricos e a emergência do Direito Internacional Sanitário
  • Normas internacionais de saúde pública >>> Típicas do século XX. Elaboradas após a Primeira Guerra Mundial (1914/1918), dentro das características renovadas do Direito Internacional.
  • Exemplos históricos de normas de direito sanitário, anteriores à 1ª Guerra: 
  1. Tratados bilaterais entre Veneza e seus vizinhos, no Século XIV, para impor quarentenas a navios mercantes.
  2. Criação de leprosários. 
  3. 1851: Primeira Conferência Internacional Sanitária, convocada por Louis Bonaparte >>> Resultou em uma Convenção Internacional, firmada por Estados Mediterrâneos, em 03/02/1852, para combater a peste negra, a cólera e a febre amarela.
  4. 1852: Conferência Internacional contra a Cólera, em Veneza >>> Normas sanitárias aplicáveis aos navios que trafegassem pelo Canal de Suez.
  5. 1890. Desden. Convenção Sanitária contra a Cólera.
  6. 1894. Paris. Convenção Sanitária contra a Cólera (peregrinos que se dirigiam a Meca).
  7. 1897. Veneza. Convenção Sanitária contra a Peste Negra (surto epidêmico em Bombaim).
  8. 1903. Paris. 11ª Convenção Internacional Sanitária >>> Disciplina do combate à cólera, à peste negra e à febre amarela, fundindo normas esparsas em um mesmo documento. Pretendeu redigir um Código Sanitário Internacional. Contou com a participação de países europeus, bem assim do Brasil, dos EUA, da Pérsia e do Egito. Estados ficam responsáveis pela desratização de embarcações mercantes.
  9. 1907. Acordo de Roma >>> Escritório Internacional de Higiene Pública, com sede em Paris. Mantido com contribuições dos Estados Partes da Convenção. Organização internacional embrionária, de orçamento restrito, com funções de mera difusão de conhecimentos e atuação no intercâmbio de informações.
  10. 1902. Repartição Sanitária Panamericana, com sede em Washington. Hoje,  Organização Panamericana de Saúde. Código Sanitário Panamericano - Havana, 1924.
A necessidade da cooperação diuturna entre os Estados já despontava como uma das exigências de um mundo que começava a tornar-se pequeno, com os progressos dos transportes e das telecomunicações, e a melhor forma de traduzir esforços em comum começava a aparecer, que seria na instituição de entidades internacionais especializadas, numa superação da idéia de que a saúde pública seria assunto reservado às autoridades domésticas dos Estados. Pág. 04.
 
Características das relações internacionais no século XX: novos foros de negociações e novos atores internacionais na cena internacional
  • O século XIX teria terminado em 1919, com a Paz de Versalhes >>>  Substancial diferença nas relações internacionais do século XIX e do século XX.
-- Século XIX >>> ainda era majoritária a noção de soberania ilimitada do Estado e os acordos bilaterais ainda eram mais festejados que os multilaterais. 
-- Século XX >>> Consagração de um sistema de relações internacionais, caracterizado pela instituição de organizações internacionais e intergovernamentais permanentes, com personalidade jurídica distinta daquelas dos Estados, inclusive daqueles que lhe integram. Primeira organização intergovernamental: União Panamericana (atual OEA).
  • Após a Paz de Versalhes, o Direito Internacional Europeu torna-se progressivamente o Direito Internacional Universal. O Tratado de Versalhes instituiu a Sociedade das Nações, também conhecida como Liga das Nações (de vida efêmera) e a Organização Internacional do Trabalho.
  • OBS.: As atuais normas do Regulamento Sanitário Internacional, elaboradas sob a égide da OMS, resultaram de uma experiência histórica acumulada em congressos e conferências diplomáticas do século anterior. Progressiva mudança de enfoque politico e diplomático para uma postura técnica. 
  • Final da 1ª Guerra >>> 2.000.000 de mortos por Tifo na URSS e na Europa Oriental; Países mediterrâneos sofriam surtos de cólera e epidemia de influenza >>> 1920. Motivou a criação da Organização Permanente de Higiene da Sociedade das Nações. A Organização coexistiu ao lado do Escritório Internacional de Higiene Pública, que não foi por ela absorvido.  
Com o evolver de suas atividades, foram instituídas na Organização da SdN, em Genebra, várias Comissões: a Comissão de Epidemias, instituída para tratar de uma nova epidemia que surgira após a Grande Guerra, o tifo, outras Comissões: do paludismo, sobre o câncer, sobre a lepra (na época não era utilizada sua denominação atual: hanseníase), sobre a estandardização biológica, sobre a habitação, sobre o ensino de higiene, sobre a higiene rural e, nos anos imediatos antecessores da Segunda Guerra Mundial, sobre determinadas doenças ditas sociais, em particular aquelas resultantes de falta de nutrição. No que se refere às suas funções de difusão de informações, é importante notar a continuidade da sua publicação técnica, Relevé Épidémiologique Hebdomadaire, que, mesmo após a eclosão da guerra de 1939-45, não sofreria interrupção. Pág. 07.
 
  • No final da 2ª Guerra, os dois escritórios mostraram a que vieram. Auxiliaram a coordenar ações internacionais em matéria sanitária.
  • OMS >>> Criada em 22/07/1946, mas já proposta na Convenção de São Francisco (que criou as Nações Unidas), em 1945.
  • Hoje, o cenário das organizações internacionais voltadas à saúde contempla: 
    1. Entidades inseridas numa ordem sanitária internacional, instituída dentro do sistema das Nações Unidas.
    2. Ordem sanitária instituída nas tradicionais organizações intergovernamentais do tipo OEA, Conselho da Europa, Organização da Unidade Africana (OUA), Organização Econômica de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) ou nas modernas organizações intergovernamentais de integração econômica regional, do tipo Comunidade Européia, MERCOSUL, NAFTA, Pacto Andino, ASEAN.
    3. ONGs, que, embora não possuam personalidade jurídica de Direito Internacional, atuam de forma expressiva. Ex. Médicos Sem Fronteiras ou associações científicas como a Sociedade Internacional de Radiologia (sediada em Paris). 
 
Valorização Renovada dos Conteúdos e Finalidades das Normas Internacionais no século XX: a cooperação internacional, a internacionalização dos direitos humanos e o direito à saúde
  • Peculiaridade do Século XX >>> Prevalência dos contatos multilaterais entre os Estados, levados a cabo no seio de organizações internacionais universais, regionais ou bilaterais. Fenômeno facilitado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e das telecomunicações, bem assim pela compreensão de que os principais assuntos relativos à salubridade (tais como qualidade do ar, da água, etc) não estão restritos às fronteiras dos Estados-Nação.
  • Direito Internacional >>> Dimensão da Cooperação, não somente por solidariedade pura e simples, mas porque se compreendeu que as medidas unilaterais não são eficientes.
  • A cooperação internacional pode não aparecer em campos como o da economia ou da tecnologia, mas aparece no campo da saúde pública e mesmo na proteção internacional ao meio ambiente.

Se, em séculos anteriores, a cooperação poderia ser considerada como um corolário das boas relações entre os Estados, ou, ainda, como um transbordamento de virtudes de auxiliar os Estados mais necessitados (atitude que poderia, em determinados casos, esconder, sob a máscara de ajuda, auxílio ou "cooperação", uma política de dominação colonial ou neocolonial), o século XX veio dar novos conteúdos a ela, definindo-se a cooperação como um dever nascido da necessidade de regular conjuntamente o ambiente das relações internacionais, sob pena de uma série de providências unilaterais sem eficácia na realidade dos fatos. Pág. 09.  
 


  • Cooperação Internacional >>> Aparece nos discursos e escritos políticos após a Segunda Guerra Mundial. Altera a face do Direito Internacional. Ao invés de se revestir simplesmente de normas proibtivas, o Direito Internacional passa a prever comportamentos a fim de que os Estados-Nãção providenciem uma distribuição mais equânime de benefícios sociais aos cidadãos.  

Direito Internacional Sanitário
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Direito Internacional da Pessoa Humana
 
 
  • Direito à Saúde erigido ao status de Direito Fundamental, desde 1948 (ONU) >>> O Direito Sanitário Internacional passou a se beneficiar de todo o arsenal jurídico que foi construído para a efetivação das normas protetoras dos direitos humanos, inclusive com acesso direto de indivíduos a tribunais internacionais.
 
 
A OMS e sua principal tarefa normativa
  • A Organização Mundial de Saúde (OMS) foi instituída por uma convenção internacional assinada em Nova York, a 22 de julho de 1946.
  • Foi criada por iniciativa da própria ONU.
  • Tal como outras agências especializadas, a OMS é uma autêntica organização internacional, instituída por tratados multilaterais (tratados-fundação), com membros não necessariamente idênticos aos membros da ONU.  Seu orçamento pode vir a ser examinado pela Assembléia Geral da ONU (e a ONU pode lhe fazer recomendações em matéria orçamentária).
  • O pessoal a serviço da OMS (bem como das demais agências especializadas), quando em missões em quaisquer Estados ou Territórios, possem imunidades e privilégios perante as autoridades internas. Tais privilégios destinam-se à proteção das pessoas, documentos e sigilo das telecomunicações (mesmo porque as pessoas a serviço das agências internacionais atuam, diversas vezes, como "fiscais").
  • A OMS tem uma estrutura tripartite:

      1. Assembléia Geral (Assembléia Mundial de Saúde)
      2. Conselho (Órgão deliberativo)
      3. Secretariado, chefiado por um Diretor Geral, e que contém o pessoal de apoio (funcionalismo)
  • A Constituição da OMS prevê:
  1. Na estrutura da organização, os órgãos regionais de saúde. Isso ocorreu em decorrência da preexistência, à OMS, de organizações sanitárias regionais com vasta experiência em cooperação internacional. Exemplo: Organização Panamericana de Saúde.
  2. A possibilidade de credenciar entidades (normalmente públicas) como centros de referência. Esses centros passam a contribuir com a OMS na tarefa de "elaborar, aperfeiçoar e manter, com padrões da mais alta qualidade técnica, as normas sobre vários assuntos de saúde pública". Pág. 13
  • Tarefas da OMS:
      1. Propor conveções, acordos e regulamentos. Fazer recomendações realtivas à saúde pública internacional.
      2. Estudar e difundir normas administrativas e sociais relativas à saúde pública, assistência médica preventiva e curativa (inclusive de serviços hospitalares e de segurança social).
      3. Organizar e rever a nomenclatura internacional de doenças, das causas de morte e dos métodos de higiene pública.
      4. Padronizar métodos de diagnóstico.
      5. Desenvolver, estabelecer e estimular a adoção de normas internacionais atinentes à fabricação de produtos alimentícios, biológicos, farmacêuticos, etc.
 
Na verdade, a tarefa de uniformizar, em nível internacional, as normas técnicas sobre o combate às moléstias pestilenciais foi uma das primeiras urgências que a recém-instalada OMS teve de enfrentar, sobretudo à vista da situação calamitosa em que os serviços nacionais de saúde pública se encontravam na Europa e na Ásia, continentes nos quais as principais hostilidades bélicas se tinham desenrolado.  Por outro lado, tão logo restabelecida a paz, [...],  a OMS se deparava com uma situação caótica, pois, na primeira metade do século XX, mais de 10 instrumentos internacionais, que estavam em vigor, tratavam praticamente das mesmas questões sanitárias, em diplomas normativos que não se revogavam reciprocamente, e, o que era mais embaraçoso, que não se aplicavam aos mesmos Estados, pelo fato de estes não serem partes, ao mesmo tempo, em todos aqueles diplomas internacionais. Pág. 15. 
 
 
Desafio da OMS
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Uniformizar e consolidar novas regras sanitárias
 
  • Tipos de atos que podem ser expedidos pela OMS:
      1. Convenções e acordos >>> Adotados pela Assembléia Mundial de Saúde. Não há qualquer Convenção ou Tratado, expedido pela OMS, desde 1945. São muitos, por sua vez, os acordos firmados entre a OMS e Estados ou entre organizações intergovernamentais (OMS e OIT; OMS e ONU; etc.). Quórum de 2/3. 
      2. Recomendações >>> Decisões da Assembléia Mundial de Saúde. Consistem em atos unilaterais de Direito Internacional e endereçados aos Estados Membro. Quórum: Maioria Simples. Não têm a mesma força cogente que os Tratados e Convenções Internacionais. Podem consistir: a) solicitações para que os Estados adotem certas medidas de caráter sanitário em seus ordenamentos internos ou b) transmissão de códigos de conduta inteiros.
      3. Regulamentos >>> Atos mais típicos da OMS. Também consistem atos unilaterais internacionais. A OMS expediu dois Regulamentos Sanitários Internacionais (os quais foram várias vezes emendados). O primeiro trata da Nomenclatura Internacional de Moléstias (CIM); o segundo destina-se a orientar a prevenção e o tratamento de doenças quarentenárias ("pestilenciais"). Os regulamentos entram em vigor na data da sua aprovação pela Assembléia Mundial de Saúde e não dependem de qualquer anuência dos Estados-Membro (esse dsipositivo existe tão-somente na OMS e na OIT).


Conclusões e a apresentação dos incômodos vizinhos do Direito Internacional Sanitário: a liberdade do comércio internacional e a proteção internacional ao meio ambiente 
  • Desde o auge da Veneza medieval, já se sabia que viajantes podiam vir a trazer moléstias desconhecidas. Não se tolhia o comércio porque também se sabia que o vetor de doenças também era o vetor de riquezas.
  • Também desde o auge da Veneza medieval, já se utilizavam argumentos sanitários para encobrir protecionismo ou discriminações contra determinados países.

Vetores de Doenças
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Vetores de Riquezas

 
  • Direito Internacional Econômico >>> GATT e, depois OMC >>> Neutralização da cláusula da "nação mais  favorecida" no comércio internacional. Exceções: crise aguda da economia local; observância de padrões sanitários e  fitossanitários. Mesmo assim, quando ocorrem conflitos entre bens jurídicos tutelados (saúde pública X livre comércio), não é estranho que a proteção à saúde pública seja relegada a um segundo plano.
  • Direito Internacional do Meio Ambiente >>> Conflito entre concepções filosóficas. O Direito Internacional Sanitário defende determinado tipo de vida (a vida humana), ao passo que o Direito Internacional do Meio Ambiente tem apregoado a necessidade de se proteger outras formas de vida (animais e vegetais). Ocorre que todas as medidas para sanear determinado território acabarão provocando impactos na natureza e, em alguns casos, extinguindo habitats de espécies nefastas aos homens (como os mosquitos).   
Tenha-se presente, igualmente, o fato de que qualquer ocupação humana do mundo significa uma transformação do meio ambiente, inclusive destruição ou modificações de paisagens naturais, como o saneamento de áreas insalubres ao homem, mas importantes hoje de serem preservadas, porque são hábitats de outros animais. Neste particular, os pântanos, charcos, áreas naturalmente inundadas, que são o hábitat de mosquitos portadores de doenças (os antigos romanos acreditavam que a doença que infestava os locais próximos aos pântanos era devida aos maus ares, "mala aria", que aqueles lugares exalavam!), são, igualmente, o hábitat de animais protegidos por normas internacionais. Pág. 18

2 comentários:

  1. Esse texto é uma resenha ou um resumo?

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    1. Olá, Anônimo!
      Você quer saber se esse texto possui ou não possui minhas manifestações pessoais, minhas críticas e manifestações? Não, não possui. Esse texto em específico eu não comentei. Fiz um resumo em formato de esquema... Mas nesse blog há outros em que inseri meus comentários (normalmente faço isso por meio de caixas de texto ou inserção de frases com cores diferentes)...

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