quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Esquema de Leitura: Algumas Considerações em torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde na CF/88, por Ingo W. Sarlet

Uniceub – Centro Universitário de Brasília
Pós-Graduação em Direitos Sociais, Direito Ambiental e do Consumidor
Grupo de Pesquisa Direito e Saúde
Professora: Larissa Castro
Aluna: Juliana Capra Maia

Ficha de Leitura:
SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do Direito à Saúde na Constituição de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador/BA, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, setembro/outubro/novembro de 2007. Disponível na internet: http://direitodoestado.com.br/rere. Acesso em 25/10/2012.


A saúde como direito e dever fundamental na Constituição Federal de 1988

O direito à saúde e sua fundamentalidade formal e material
 
** A CF/1988 consagrou o Direito à Saúde como Direito Fundamental à Pessoa Humana.  Isso quer dizer que Direito à Saúde é objeto de proteção jurídica diferenciada no âmbito do Ordenamento Jurídico Brasileiro.
 
** A inclusão dos Direitos Sociais (saúde, educação, assistência social) entre os Direitos Fundamentais foi bastante criticada, ao argumento de que o excesso de direitos provocaria a ingovernabilidade do Brasil (aumentando os gastos do Poder Público). Mas o fato é que a CF/88 contemplou os Direitos Sociais, de modo que:
(a) Os Direitos Sociais encontram-se no ápice hierárquico do Ordenamento Jurídico Brasileiro;
(b) Os Direitos Sociais, como Direitos Fundamentais, estão submetidos aos limites formais e materiais instituídos para as reformas constitucionais;
(c) Como os demais Direitos Fundamentais, os Direitos Sociais (e entre eles o Direito à Saúde) constituem normas auto aplicáveis e vinculam o Poder Público.
 
** O Direito à Saúde é verdadeiro complemento dos Direitos à Vida e à Integridade Física e Corporal. Sem ele, esses dois últimos direitos se esvaziam, perdem conteúdo.
 
"Na verdade, parece elementar que uma ordem jurídica constitucional que protege o direito à vida e assegura o direito à integridade física e corporal, evidentemente, também protege a saúde, já que onde esta não existe e não é assegurada, resta esvaziada a proteção para a vida e integridade física". PP. 03 


Breves notas sobre a positivação de um direito fundamental à saúde no plano internacional e no direito constitucional comparado
 
** Direito Internacional >>> Previsão expressa do Direito à Saúde no rol de Direitos Fundamentais pela Organização das Nações Unidas, em 1948 (artigos 22 e 25).
 
** O Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, ratificado pelo Brasil, dispõe, no seu artigo 12, sobre o direito de a pessoa "desfrutar do mais alto grau de saúde física e mental".
 
** Outros Instrumentos internacionais que fazem referência ao Direito à Saúde >>> Convenção dos Direitos da Criança e Convenção Americana dos Direitos Humanos.
 
** Estados que arrolam o Direito à Saúde entre os Direitos Fundamentais >>> Argentina, Paraguai, Uruguai, Grécia, Itália, França, Portugal, Espanha e Holanda, entre outros.



A saúde e sua positivação na Ordem Constitucional Brasileira como direito de todos e dever do Estado e da Sociedade

** A Constituição Federal de 1988 é a primeira Constituição Brasileira a reconhecer a Saúde como Direito Fundamental.
 
** O preceito em questão consta do Artigo 6º (que trata dos direitos sociais), bem assim dos Artigos 196 a 200 da CF/88.
>>> Observação: Como a CF/88 abraçou, em matéria de direitos humanos, tantos os explícitos (artigos 1º a 6º), como os implícitos (diluídos no texto da CF/1988), também os Artigos 196 a 200 da CF/1988 podem se revestir do caráter de Direitos Fundamentais.
 
** Para além de Direito, a Saúde também é Dever: Art. 196 da CF/1988: "a saúde é direito de todos e dever do Estado". Esse dever, para além da letra fria do Artigo 196 da CF/1988, não obriga apenas o Estado, mas toda a sociedade:
(1) Até porque ofender a integridade física de outrem é conduta passível de persecução criminal; 
(2) Obrigando cada indivíduo, de modo que não se pode alienar a própria saúde (exemplos: proibição de determinados procedimentos médicos, não obstante a vontade do paciente; arremesso de anões; transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová).
 
** Quem é o titular do Direito à Saúde? Brasileiros e estrangeiros residentes no país ou todos?
>>> Artigo 5º, caput da CF/1988 >>> Interpretação restritiva. Direito à saúde (bem como os demais direitos fundamentais) aplicar-se-iam aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país. 
>>> Doutrina e jurisprudência entendem que os direitos fundamentais se estendem a todos, inclusive aos estrangeiros em trânsito (turistas, por exemplo), em homenagem ào princípio da universalização dos direitos fundamentais.
>>> Artigo 196 da CF/88: "Direito de todos e dever do Estado".
>>> Artigo 4º da CF/88: Prevalência dos Direitos Humanos nas relações internacionais.
>>> Artigo 5º, §2º da CF/88 >>> Internalização dos direitos fundamentais estipulados em Tratados Internacionais.
>>> Como o Direito à Saúde concorre com o Direito à vida e à integridade física e corporal (os quais são direitos de todos), deve, portanto, se estender a todos.
 
 
Eficácia e efetividade do direito à saúde: algumas considerações
 
Caracterização do direito à saúde como direito social de cunho defensivo e prestacional
 
** Direito à saúde >>> Direito Fundamental de Segunda Geração (instalação do Estado Social de Direito, voltado à mitigação das distorções provocadas pela Revolução Industrial) que, ao mesmo tempo, impede ingerências indevidas por parte do Estado ou de terceiros (direito defensivo) e impõe ao Estado a realização de políticas para sua concretização (direito prestacional).


Notas sobre a eficácia e a efetividade do Direito à Saúde
 
Considerações Introdutórias: O princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais 
 
** Artigo 5º, §1º >>> As normas referentes aos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata >>> Não há mais direitos fundamentais na forma da lei, mas lei na forma dos direitos fundamentais. >>> Força cogente dos direitos e garantias fundamentais.
 
** A norma contida no Artigo 5º, §1º da CF/1988 constitui norma-princípio, configurando um mandado de otimização ao Estado. O Poder Público tem a obrigação de imprimir às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível.
 
** Doutrina e jurisprudência entendem que as normas que estatuem dirietos fundamentais não estão mais à disposição e ao alvedrio dos Estados (vinculando-as a normatização posterior), ou tampouco constituem promessas ou declaração das boas intenções do legislador.



A dimensão negativa do direito à saúde (a saúde como direito de defesa)
 
** A saúde, como bem fundamental, não está à disposição das agressões de terceiros. Noutras palavras, o Estado e os demais cidadãos devem se abster de prejudicar a saúde de alguém.



Dimensão positiva do direito à saúde: o direito à saúde como direito a prestações materiais
** 1º problema >>> a CF/1988 não diz o que vem a ser o direito à saúde e limita-se a definições genéricas. Dessa forma, direito à saúde pode significar direito ao acesso a medicamentos de alto custo, direito à internação hospitalar ou direito a aparelhos dentários >>> Cabe ao judiciário e à legislação infraconstitucional federal, estadual ou municipal a definição do direito à saúde.
 
** Como o Estado não tem conseguido atender às demandas da população por saúde, pululam ações no Judiciário para garantir aos seus autores determinadas prestações pelo Poder Público (exemplo: pedido de medicamentos para HIV).
 
** A maioria dos argumentos contrários à concessão do direito subjetivo à saúde (e o mesmo ocorre com o direito à educação, à moradia, etc.) menciona o fato de que a prestação em questão depende de alocação de recursos orçamentários e humanos, recursos que são limitados. Na linha desse raciocínio, o direito à saúde será considerado mera norma programática.
 
Com base nesta premissa e considerando que se cuida de recursos públicos, argumenta-se, ainda, que é apenas o legislador democraticamente legitimado quem possui competência para decidir sobre a afetação desses recursos, falando-se, nesse contexto, de um princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária, diretamente deduzido do princípio democrático e vinculado, por igual, ao princípio da separação dos poderes. PP. 13
 
** Relativização do direito à saúde >>> De fato, há que se considerar a reserva do possível em se tratando de direitos sociais e, portanto, do direito à saúde (limites fáticos, operacionais); bem assim limites jurídicos (reserva parlamentar em matéria legislativa). Não obstante, em havendo fundado receio de perecimento do maior bem jurídico tutelado (vida), sacrificam-se os demais bens jurídicos envolvidos.  
Tal argumento cresce em relevância em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional [...] veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela qual não se poderá sustentar [...] que, com base numa alegada (e mesmo comprovada) insuficiência de recursos se acabe virtualmente condenado à morte pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o custo do tratamento. PP. 13.
 
** Solução >>> Em cada caso concreto, promover uma compatibilização e harmonização dos bens em jogo, fazendo prevalecer os bens mais relevantes e observando o princípio da proporcionalidade >>> Implica reconhecimento do direito público subjetivo à saúde.
 
** Normalmente, a demanda judicial envolvendo direito à saúde trata de questão emergencial, impondo-se a concessão de medida liminar. Embora haja proibição legal de concessão de antecipação de tutela contra o Poder Público, o Judiciário (sobretudo, mas não somente as instâncias inferiores) tem concedido liminares observando a preservação da saúde e da vida dos postulantes >>> STF não fechou as portas do Judiciário para os postulantes.
 
 
 
Considerações finais 
 

** O direito à saúde normalmente invoca casos de situação limítrofe entre Direito e Política: o direito à saúde não se concretiza apenas com a mera vigência das normas.
 
** A efetivação do direito à saúde demanda conjunção de esforços entre os diversos entes públicos.
 
** Os direitos fundamentais encerram, em si mesmos, um projeto emancipatório. Para alcançá-lo, fazem-se necessárias políticas públicas voltadas à sua concretização nos campos econômico, político e social (para além, portanto, do campo institucional).


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