sexta-feira, 15 de junho de 2012

Ensaio: As análises sociais e os prognósticos sobre a sustentabilidade. Por Juliana Capra Maia

Estamos no final de Outubro de 2011. O ano de 2012 já bate às nossas portas.

2012: “o último ano do Calendário Maia”; “o ano do fim do mundo”; o ano para o qual ocultistas anunciam a revelação do Anti-Cristo, a derrocada da economia mundial, revoluções sociais sangrentas e catástrofes ambientais sem precedentes.

O clima de Apocalipse vem reforçado por eventos marcantes, ainda datados dos anos de 2010 e 2011: EUA e Europa, motores da economia mundial, enfrentam uma grave crise econômica, além de diversas convulsões sociais; regimes autoritários em países do mundo islâmico são abalados por violentos protestos populares.

Para coroar os prenúncios de fim do mundo, o Protocolo de Kyoto deverá expirar no final de dezembro de 2012, ao que tudo indica, sem que suas metas tenham sido alcançadas e ainda sem a assinatura dos representantes políticos da principal nação emissora de gases do efeito estufa.

Subliminarmente fica a mensagem de que não há saída: se as civilizações conseguirem sobreviver à crise econômica e social, serão definitivamente enterradas pelos cataclismos ambientais, provocados pelo inexorável aquecimento global.

A expectativa pelo fim do mundo não é novidade. Antes, acompanha a Cristandade e está na raiz do poder político das instituições eclesiásticas até o século XVI. De acordo com Koselleck (KOSSELLECK, 2006), grifou-se:

A história da Cristandade até o século XVI é uma história de expectativas, ou melhor dizendo, de uma contínua expectativa do final dos tempos; por outro lado é também a história do contínuo adiamento desse mesmo fim do mundo. [...] A Igreja Romana tinha por princípio dominante manter sob seu controle todos os visionários. Segundo decisão do Concílio Lateranense (1512 a 1517), era preciso uma autorização da Igreja para o anúncio de visões do futuro. A proibição da doutrina joaquimita do Terceiro Reino, o destino de Joana D’Arc, a qual, pela firme convicção de suas visões não autorizadas, teve que subir à fogueira, ou a morte por fogo de Savonarola podem servir de exemplo de como as profecias pós-bíblicas foram dizimadas. A existência da Igreja não podia ser ameaçada, sua unidade — assim como a existência do Império — era a garantia de ordem até que sobreviesse o fim do mundo. Em conseqüência disso, o futuro do mundo, assim como seu fim, foram incorporados à própria história da Igreja, o que fez com que novas e flamejantes profecias fossem necessariamente consideradas heresias. A expectativa do fim do mundo tornou-se parte integrante da própria Igreja como instituição, de tal modo que esta pôde se estabilizar tanto sob a ameaça de um fim do mundo que poderia acontecer a qualquer momento como na esperança da parúsia [...]. O escathon desconhecido deve ser entendido como um fator de integração da Igreja, a qual pôde, dessa maneira, colocar-se temporalmente e moldar-se como instituição. A Igreja é, em si mesma, escatológica. Entretanto, no momento em que as figuras do Apocalipse de João são aplicadas sobre acontecimentos ou instâncias concretos, a escatologia tem um efeito desintegrador. O fim do mundo só é um fator de integração enquanto não permanecer determinável do ponto de vista histórico e político.


Tampouco é inédita a convivência entre “esperanças de novidades extraordinárias e angústias de catástrofes iminentes”.

Ao contrário, essa convivência incômoda caracteriza a Modernidade desde sua gênese. Como demonstrado por Paolo Rossi, mesmo durante os anos que vão de 1848 a 1916 — período considerado pela História da Filosofia como Império do Positivismo — não havia unanimidade entre os intelectuais acerca dos rumos da humanidade: a degeneração ou o progresso.

Talvez a maior novidade resida precisamente no tema, no veículo que supostamente nos levará à hecatombe ou à harmonia: o (des)equilíbrio entre a existência humana e as condições ambientais, ou simplesmente (in)sustentabilidade.

As preocupações proféticas e científicas com a (in)sustentabilidade são relativamente recentes porque os efeitos mais radicais da ação humana sobre a natureza datam do século XX. Mc Neill, por exemplo, afirma que, embora mudanças acompanhem o planeta desde sua origem, nada se assemelha ao período posterior à Segunda Grande Guerra, em termos de influência, escala e velocidade de atuação do homem sobre os ecossistemas.

Por meio de análises comparativas com dados extrapolados para outros períodos históricos, Mc Neill (MC NEIL: 2001) demonstra que não há precedentes para o crescimento econômico e populacional verificado no último século, crescimento esse incrementado pelo uso intensivo de novas fontes de energia (combustíveis fósseis). A tese central do autor reside no fato de que o homem do século XX, sem o desejar, já alterou o equilíbrio do planeta iniciando, assim, um experimento gigante e descontrolado com o meio ambiente (“algo novo sob o sol”). Leiam-se os seguintes excertos:


Environmental change on earth is as old as the planet itself, about 4 billion years. Our genus, Homo, has altered earthly environments throughout our career, about 4 million years. But there has never been anything like the twentieth century. Asteroids and volcanoes, among other astronomical and geological forces, have probably produced more radical environmental changes than we have yet witnessed in our time. But humanity has not. This is the first time in human history that we have altered ecosystems with such intensity, on such scale and with such speed. […] In environmental history, the twentieth century qualifies as a peculiar century because of the screeching acceleration of so many processes that bring ecological change. Most of these processes are not new: we have cut timber, mined ores, generated wastes, grown crops and hunted animals for a long time. In modern times we have generally done more of these things than ever before, and since 1945, in most cases, far more. Although there are a few kinds of environmental change that are genuinely new in the twentieth century, such as human-induced thinning of the ozone layer, for most part of ecological peculiarity of twentieth century is a matter of scale and intensity. […] The human species has shattered the constraints and rough stability of the old economic, demographic, and energy regimes. This is what makes our times so peculiar. In the nineteenth century the world began a long economic boom, wich climaxed in the twentieth century, when the world economy grew 14-fold. It expanded less than about fourfold in per capita terms, because world population multiplied fourfold in this century. Energy use embarked on a boom wich began with a fivefold growth in the nineteenth century. That boom climaxed (to date) in the twentieth century with a further 16-fold expansion.
Nos tempos modernos, contudo, profecias apocalípticas — religiosas ou laicas — não consistem no único ou no mais autorizado discurso acerca da (in)sustentabilidade.

Cada vez mais as ciências têm sido chamadas a fornecer respostas para o problema do (des)equilíbrio entre a existência humana e as condições ambientais e, cada vez mais, os prognósticos realizados pelos cientistas têm balizado a ação política.

Prognósticos e profecias consistem em visões ou interpretações sobre o futuro.

Sob a ótica das profecias, os eventos são lidos como preparação para um final previamente conhecido. Sob a ótica dos prognósticos, por seu turno, os eventos são tomados como cadeias causais que, dependendo das escolhas adotadas, levarão a diferentes resultados. A esse respeito, leiam-se os seguintes excertos do texto de Koselleck (KOSELLECK: 2006):  


Enquanto a profecia ultrapassa o horizonte da experiência calculável, o prognóstico, por sua vez, está associado à ação política. Essa associação se deu de forma tão íntima, que fazer um prognóstico já significava alterar uma determinada situação. O prognóstico é um momento consciente de ação política. Ele está associado a eventos cujo ineditismo ele próprio libera. O tempo passa a derivar, então, do próprio prognóstico, de uma maneira continuada e imprevisivelmente previsível. O prognóstico produz o tempo que o engendra e em direção ao qual ele se projeta, ao passo que a profecia apocalíptica destrói o tempo, de cujo fim ela se alimenta.

Assim, é lícito afirmar que, enquanto a profecia paralisa o homem, isto é, enquanto tira de suas mãos o poder de mudar o próprio futuro, o prognóstico lhe incita à ação, para que se atinjam resultados desejados. Sob os aspectos das reflexões acerca do meio ambiente, pode-se afirmar que as profecias ressaltarão nossa jornada sem volta rumo à destruição dos ecossistemas e, em conseqüência, à autodestruição.

Os prognósticos, por seu turno, baseando-se em diagnósticos (dados da experiência pretérita), sugerirão ações para alcançar o futuro desejável ou, no mínimo, o futuro menos indesejável. Leia-se:

[...] O teor de verossimilhança de um prognóstico não se baseia em primeiro lugar naquilo que alguém espera. É possível se esperar também o inverossímil. A verossimilhança de um futuro previsto decorre, em primeiro lugar, dos dados anteriores do passado, cientificamente organizados ou não. O que antecede é o diagnóstico, no qual estão contidos os dados da experiência. Visto desta maneira, o que estende o horizonte de expectativa é o espaço de experiência aberto para o futuro. As experiências liberam os prognósticos e os orientam. Mas os prognósticos também são determinados pela necessidade de se esperar mais alguma coisa. Voltada para um campo de ação mais amplo ou mais estrito, a previsão libera expectativas, a que se misturam também temor e esperança. As condições alternativas têm que ser levadas em conta, pois sempre entram em jogo possibilidades que contêm mais do que a realidade futura é capaz de cumprir. Assim, um prognóstico abre expectativas que não decorrem apenas da experiência. Fazer um prognóstico já significa modificar a situação onde ele surge. Noutras palavras: o espaço de experiência anterior nunca chega a determinar o horizonte de expectativa.
Há, aqui, um aspecto sutil a ser compreendido. Os prognósticos baseiam-se na experiência pretérita (diagnóstico). Mas, conforme consta do excerto supra transcrito, exatamente por orientarem as escolhas voltadas para o futuro, os prognósticos também interagem com o presente, modificando-o, isto é, modificando as condições em que foram enunciados.

Em outras palavras, a aplicação da ciência altera a realidade empírica que lhe deu origem.

Situação análoga à dos prognósticos ocorre com as análises sociais. Tanto quanto os prognósticos (que não necessariamente derivam de soft sciences), as análises sociais influenciam ou mesmo modificam a realidade estudada. De fato, especialmente em contexto de Modernidade, a Teoria Social constrói significados, vocabulário, conceitos socialmente compartilhados. Veja-se o que afirma Giddens (GIDDENS: 1991) acerca da temática:

[...] O desenvolvimento do conhecimento sociológico é parasítico dos conceitos dos leigos agentes; por outro lado, noções cunhadas nas metalinguagens das ciências sociais retornam rotineiramente ao universo das ações onde foram inicialmente formuladas para descrevê-lo ou explicá-lo. Mas esse conhecimento não leva de maneira direta a um mundo social transparente. O conhecimento sociológico espirala dentro e fora do universo da vida social, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como parte integral deste processo.   Nas ciências sociais, temos que acrescentar ao caráter inconstante de todo conhecimento baseado empiricamente a “subversão” que vem da reentrada do discurso científico social nos contextos que ele analisa. A reflexão da qual as ciências sociais são a versão formalizada [...] é fundamental à reflexividade da modernidade como um todo. [...] as ciências sociais estão na verdade mais profundamente implicadas na modernidade do que as ciências naturais, na medida em que a revisão crônica das práticas sociais à luz do conhecimento sobre estas práticas é parte do próprio tecido das instituições modernas.   O discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas das outras ciências sociais continuamente “circulam dentro e fora” daquilo que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam reflexivamente seu objeto, ele próprio tendo aprendido a pensar sociologicamente. A modernidade é ela mesma profunda e intrinsecamente sociológica.
Finalmente, cumpre assinalar que tal percepção, qual seja, a de que as análises sociais, tanto quanto os prognósticos ambientais, implicam mudança nas realidades estudadas, demanda do cientista a adoção de uma postura cuidadosa e ética.

Isso porque, em ambos os casos, como as pesquisas não raro abordam matérias que falam à alma dos pesquisadores (e essa afirmação vale para Teoria Social e para os estudos relativos a sustentabilidade, ainda que realizados com metodologias de hard sciences), é forte a tentação de utilizar a ciência para defender bandeiras pessoais ou de grupos de interesse.

Exemplo típico de bandeira defendida nos estudos acerca da sustentabilidade e em diversas análises sociais consiste na crença, difundida e reafirmada em trabalhos supostamente científicos, segundo a qual populações “tradicionais” (quase como parte da paisagem) não provocam impacto ambiental, mas, ao contrário, “criam e mantêm biodiversidade”.

De acordo com Olmos (OLMOS: 2009), esse argumento é rotineiramente utilizado (pró-fixação de populações “tradicionais”) em situações de conflito sócio-ambiental entre o respeito à poligonal de uma unidade de conservação (UC) de proteção integral e a fixação de populações “tradicionais” nela residentes (com severos prejuízos às unidades de conservação).  

Como bem destacou Clifford Geertz (GEERTZ: 1978), permitir que a subjetividade (o que inclui as ideologias e inclinações políticas pessoais) prevaleça em assuntos científicos, ao argumento de que a objetividade completa não pode ser alcançada é tão falacioso quanto “dizer que, como é impossível um ambiente completamente asséptico, é válido fazer uma cirurgia num esgoto”.


BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

DOWIE, Mark. Refugiados da Conservação. Tradução de Antonio Carlos Diegues (São Paulo, janeiro de 2006). 07 fls. Disponível em: www.oriononline.org


DRUMMOND, Jose Augusto e FRANCO, José Luiz de Andrade. Terras de Quilombolas e Unidades de Conservação: uma discussão conceitual e política, com ênfase nos prejuízos para a conservação da natureza. Grupo Iguaçu, 2009.


GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.


GIDDENS, Anthony. As conseqüencias da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.


GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: Unesp, 1995.


KOSELLECK, Reinhart. Passado Futuro: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC, 2006.


MCNEILL, J.R. Something New under the sun: an environmental history of the twentieth-century world. New York: Norton, 2001.


OLMOS, Fábio. Populações tradicionais e a biodiversidade. O Eco, 02/03/2009. Disponível em http://www.oeco.com.br/fabio-olmos/44-fabio-olmos/21088-populacoes-tradicionais-e-a-biodiversidade.


Brasília/DF. Outubro de 2011.

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