quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Esquema de Leitura: Por uma teoria das normas ambientais sob a ótica da natureza como sujeito de direito, por Roberto W. X. Souza.

Uniceub - Centro Universitário de Brasília
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Monografia final
Fichas de leitura
Discente: Juliana Capra Maia
 
 
Referência:
SOUZA, Roberto Wagner Xavier de. Por uma teoria das normas ambientais sob a ótica da natureza como sujeito de direito: quebra de paradigmas. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal de Sergipe: São Cristóvão/SE, 2013.
 
 
 
Introdução
 
** Divergência conceitual >>> Meio Ambiente X Natureza. Tomados normalmente como sinônimos (o que não é unânime entre os teóricos da área), envolvem os elementos bióticos e abióticos que se interrelacionam em um contexto cultural, temporal, laborativo e espacial.
 
** O homem, que estabelece relações com a natureza, também faz parte do meio ambiente em que vive. Contudo, costuma tomar a natureza como coisa, objeto, posse ou propriedade.
 
** O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido pela Constituição de 1988 como direito fundamental (Art. 225 da CF/88). Para o autor, esse, e os demais direitos fundamentais contemplados no documento político consistem estados jurídicos sem os quais não há como sustentar a liberdade, a igualdade e a vida, o que faz deles "direitos nautrais" (p. 19). 
 
** Foco da dissertação >>> A natureza como sujeito de direitos, conforme contemplado (Pacha Mama) pela nova Constituição Equatoriana (aprovada em 28/09/2008, com grande participação do movimento indígena). Por que? Porque a apropriação da natureza como "bens naturais" estaria levando ao exercício do domínio de forma descompromissada e inconsequente.
 
** Problema de pesquisa >>> É possível a ressignificação dos conceitos jurídicos de modo a permitir que a natureza seja elevada ao status de sujeito de direitos? Dentro do atual paradigma, não é possível.


Capítulo 01 - Paradigmas e Ciência
 
** A Ciência e o Senso Comum. Dupla ruptura epistemológica.
 
** Abordagem acerca da ciência paradigmática e da ciência em crise paradigmática. Thomas Kuhn e Karl Popper.
 
** Humanismo cartesiano >>> paradigma que levou ao extremo a desvalorização da natureza. Desumanização da natureza e desnaturalização do homem provocada pela distinção ontológica: Homem X Natureza.
 
** Os limites dos ecossistemas estariam impondo uma reflexão em prol da mudança de paradigmas nas ciências em geral (principalmente nas ciências humanas, sociais e sociais aplicadas). Nascimento de um novo valor, de uma nova cultura, com outro olhar sobre a natureza.




Capítulo 02 - Estado, direito, modernidade e natureza

** Crise ecológica << >> Crise paradigmática da modernidade
  • Crise Ecológica >>> Relação tumultuada entre o ser humano e o mundo (e não problemas do meio ambiente em si mesmo), que por questão de escalas, ultrapassa a dimensão local ou nacional. Incompreensão generalizada acerca do problema.
  • A modernidade implicaria risco global. "Sociedade de risco" (Giddens e Beck). As Ciências Sociais estariam sendo convocadas a fornecer respostas práticas aos riscos e perigos da modernidade.
 
** Estado nacional >>>
  • Abordagem clássica da Teoria Geral do Estado, segundo o ente político seria a agremiação dos elementos "povo", "território", "governo", "soberania" e, para alguns autores, "finalidade".
  • A principal finalidade da organização política seria alcançar a proteção aos direitos fundamentais, os quais seriam direitos inerentes à natureza humana. 
  • O Executivo afigura-se como o Poder Estatal mais adequado para a efetivação dos direitos fundamentais (o que não elimina a competência do Judiciário ou do Legislativo). 
  • Direitos fundamentais de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Gerações. Consistiriam direitos naturais, cujo cumprimento pode ser determinado pelo Estado, mediante coercitividade organizada. Devem ser tomados como valores em si mesmos.
** Direito >>>
  • Corolário e fonte do poder do Estado.
  • Instrumento para alcançar a justiça (principalmente a justiça social).
  • Constituição >>> Fundamento político de todo o ordenamento jurídico. Fundamento de validade das normas jurídicas. Contempla os direitos já reconhecidos, bem como os que se pretende reconhecer.
 
** Cultura >>> Conjunto de valores, símbolos, signos, significados compartilhados por um grupo social. Modo de ser de um grupo social. Produz o homem e é produzida por ele (checar Roque Laraia). Construção a partir da natureza, para modificá-la ou para modificar o próprio construtor (Reale).   
  • É a cultura que cria a natureza? Nossa natureza é cultural, inventada. Daí a impropriedade da dicotomia.
  • Mais adiante, o autor afirma que a natureza está na base de qualquer construção cultural, pois o dado da natureza se converte em elemento da cultura assumindo nova dimensão (p. 61). "A passagem do natural para o cultural é reflexiva". OBS.: O autor adota, aqui, a dicotomia entre "dado" X "construído", ou seja, entre "natureza" X "cultura", criticada nos capítulos anteriores?
  • Nova Constituição Equatoriana (28/09/2008), aprovada mediante plebiscito popular. Modificou a abordagem do Estado Moderno em relação à Natureza: indissociação entre o homem e a natureza. Inspiração na América pré-colombiana, momento pautado pelo "caráter indissociável entre o homem e a natureza" (pp. 60).
  • Reconhecimento de uma crise da modernidade, provocada: a) pela competição mundial pelo trabalho; b) pela pobreza e exclusão social em escala mundial; c) pela agressão ao sistema terrestre (Leonardo Boff). 
  • Ainda em Boff >>> O homem é especial em relação aos outros seres por possuir com-paixão, isto é, a compreensão de totalidade da natureza e a percepção de que tudo o que existe possui algo em comum, algo que nos aproxima. Essa percepção diferenciada da realidade implica maior responsabilidade e maior comprometimento do homem.
  • Paradigma antropocêntrico >>> Sujeito a críticas porque está atrelado aos interesses de cunho econômico. Nega a abordagem segundo a qual a natureza é munida de espírito e a reafirma como objeto, não como sujeito.
 
** Ecologia Profunda e o Desenvolvimento Sustentável: Da crise paradigmática à construção principiológica jurídica >>>   
  • Deep Ecology >>> Homem e natureza "perfazem uma relação entre parte e todo que não se aparta, seja pela impossibilidade de existência material, equilíbrio psíquico daquele, ou ainda a estreita afinidade de causa e conseqüência que ambos geram por meio dos fatos (natureza) e dos atos (humanos), desde o fenômeno natural até as relações sociais" (pp. 65).
  • Arne Naess >>> Filósofo norueguês responsável pela criação do movimento "Deep Ecology". Distingue a Ecologia Rasa ou Superficial e a Ecologia Profunda nos seguintes termos:
a) Ecologia Rasa ou Superficial >>> Antropocêntrica. Preocupação com o esgotamento dos recursos naturais. Desenvolvimento de tecnologias capazes de fornecer substitutos aos recursos naturais não renováveis. Animais, vegetais e minerais, desatrelados do homem, não possuem valor intrínseco. Pressupõe o homem "acima" ou "fora" da natureza (Capra), onde a natureza tem valor instrumental ou de uso.

b) Deep Ecology >>> Concebe o mundo como uma grande teia de fenômenos interconectados e interdependentes. Nenhum animal, vegetal ou mineral é visto apenas como recurso. Preocupação com os habitats de todas as formas de vida. Seres humanos não são separados do meio ambiente natural. Ecosofia (Ecologia + Filosofia). Os fatores bióticos e abióticos são parte de um todo.
 
  • Pontos básicos da Ecologia Profunda, conforme Arne Naess (extraído de Rothenberg, apud op. cit. pp. 67) >>> 
(a) O bem estar e o florescimento de seres vivos humanos e não-humanos têm valor intrínsceco, independente da utilidade destes para com aqueles.
 
(b) A riqueza e a diversidade das formas de vida, incluindo as culturas humanas, são valores em si mesmas.
 
(c) Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e diversidade, a não ser para satisfazer necessidades vitais.
 
(d) O florescimento da vida humana e das culturas é compatível com uma população humana substancialmente menor, pois o florescer da vida não-humana exige essa diminuição. 
 
(e) A presente interferência humana no mundo não humano é excessiva e a situação está piorando rapidamente.
 
(f) Políticas públicas precisam ser alteradas para afetar estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas básicas, modificando profundamente o estado de coisas atual. 
 
(g) A mudança ideológica em países ricos será basicamente a de apreciar a qualidade de vida em detrimento da busca por altos padrões materiais, tudo em favor do desenvolvimento sustentável.
 
(h) As mudanças necessárias devem ser implementadas, preferencialmente, por meios não violentos. 
  
    Visão de mundo predominante versus Visão de mundo conforme a ecologia profunda (Camargo, 2007, apud. op.cit. pp. 66)
     

    Visão de mundo predominante

    Visão de mundo conforme a Deep Ecology

    Domínio da natureza.

    Harmonia com a natureza.

    Ambiente natural como recursos para os seres humanos.

    Toda a natureza tem valor intrínseco.

    Seres humanos são superiores aos demais seres vivos.

    Igualdade entre as diferentes espécies.

    Crescimento econômico e material como base para o crescimento humano.

    Objetivos materiais a serviço de objetivos maiores de auto-realização.

    Crença em amplas reservas de recursos.

    Consciência de que o planeta tem recursos limitados.

    Progresso e soluções baseados em alta tecnologia.

    Tecnologia apropriada e ciência não-dominante.

    Consumismo.

    Fazendo o necessário e reciclando.

    Comunidade nacional centralizada.

    Biorregiões e reconhecimento de tradições de minorias.
     
  • Capra >>> O planeta é um grande sistema de retroalimentação que, por isso, possui uma certa autoregulação, uma certa auto-organização.  A Deep Ecology parte de valores ecocêntricos, focados na Terra e reconhece o valor intrínsceco da vida não humana. Pp. 67 e 70.
  • James Lovelock >>> Teoria de Gaia ou Hipótese de Gaia. Os componentes da Terra (águas, florestas, mares, geleiras, etc.) formam um grande sistema complexo. Equilíbrio dinâmico e cíclico. Pp. 67/68.
  • A Deep Ecology propõe uma visão de mundo holística, ecológica, sistêmica e integrada.
  • Declaração para uma Ética Global (Declaration toward a global ethic), 04/09/1993, Chicago / USA >>> Parlamento mundial das religiões. Exalta a necessidade de comunhão plena entre o homem e a natureza. Observação: fala em comunhão, mas não descarta o caráter instrumental da natureza para o homem.
  • Sachs. Ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável visa a harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos e consiste um desafio planetário. Não implica mudança paradigmática profunda, vez que a natureza permanece sendo tratada como bem ou como dirito difuso. Critérios de sustentabilidade para Sachs (pp. 74):
(a) Social. Homogeneidade social; Distribuição de renda justa; Emprego com qualidade de vida decente; Igualdade de acesso aos recursos e serviços sociais.
(b) Cultural. Equilíbrio entre a inovação e o respeito à tradição; Elaboração de projeto nacional integrado e endógeno; Autoconfiança combinada com abertura para o mundo; 
(c) Ecológica. Limitar o uso de recursos não-renováveis; Preservar o potencial do capital natural na sua produção de recursos renováveis. 
(d) Ambiental. Respeitar a capacidadade de autodepuração dos ecossistemas naturais (capacidade de suporte). 
(e) Territorial. Melhoria do ambiente urbano; Superação das disparidades interregionais; Conservação da biodiversidade pelo ecodesenvolvimento; Configurações urbanas e rurais balanceadas.
(f) Econômico. Segurança alimentar; Desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; Inserção soberana da economia nacional; Capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, com razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica.
(g) Política nacional. Democracia definida em termos de apropriação universal dos dirietos humanos; Desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores; Um nível razoável de coesão social.
(h) Política internacional. Eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e da cooperação internacional; Pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, baseado no princípio da igualdade; Sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional; Controle institucional efetivo do sistema financeiro e dos negócios; Aplicação do princípio da precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais (proteção da diversidade biológica e cultural); Gestão do patrimônio global como herança da humanidade.   
  • Interdisciplinaridade >>> Às ciências naturais compete descrever quais são as condições de um mundo sustentável. Às ciências sociais, por seu turno, compete articular as estratégias de transição. É indispensável, portanto, a sua articulação (Sachs).
  • A crise paradigmática proposta pela Ecologia Profunda é particularmente relevante porque impacta em valores sociais que constituem postulados, dogmas a partir dos quais os hermeneutas contróem princípios gerais, tais como os princípios gerais do Direito. Ela propõe uma natureza que seja sujeito de direitos.  
     
Capítulo 03 - Ressignificação jurídica ambiental: a natureza como sujeito de direito.

** O meio ambiente ecologicamente equilibrado é, a um só tempo, bem e direito. 
 
** Direito ao meio ambiente >>> Art. 225, caput. da CF/88. Ampara, em forma e conteúdo, os demais direitos basilares do Ordenamento Jurídico. Relação intrínseca e reflexiva entre o meio ambiente e os demais direitos humanos. Essa interrelação já teria sido reconhecida na Conferência de Estocolmo, em 1972. Na Constituição de 1988, o legislador reconheceu que o meio ambiente equilibrado é condição para o direito à saúde, ao bem estar e até mesmo à vida.
 
** "Bem de uso comum do povo" >>> Bem de interesse público, dotado de regime jurídico especial. Está para além da dicotomia entre bens públicos e bens privados.
 
** Dentro do paradigma antropocêntrico, os direitos ambientais (especialmente: acesso à informação, participação nos processos decisórios, remédios jurídicos na reparação de danos ambientais e devido processo legal) derivariam dos direitos humanos.
 
** Novo paradigma >>> Continuidade entre os seres humanos e o mundo. Valorização da vida em si, desde a forma de vida mais simples até a mais complexa. Para o autor, a expressão "presentes e futuras gerações", constante do Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, não se restringe às presentes e futuras gerações de seres humanos, mas de todas as formas de vida. Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 teria inaugurado um Estado Socioambiental de Direito.
 
** Natureza  >>> Direito e Sujeito de Direito (Coisa?). A partir da perspectiva dos seres humanos, a natureza é um direito. A partir da perspectiva da natureza, ela é um sujeito, um valor em si mesmo.
 
** Se o Direito atribui valor àqueles que ainda não nasceram, por que não atribuir valor às formas de vida não humanas já existentes. E como resolver os choques de valores: interesses humanos versus naturais? Resposta do autor: Ponderação.
 
** Constituição equatoriana. Reconhecimento da Natureza como sujeito de direitos, o que seria equivalente à abolição da escravatura. O meio ambiente seria um valor em si mesmo.
 
Ferry (2009) se opõe à possibilidade de personalização jurídica da natureza, uma vez que nega o melhor da cultura moderna, seja o direito conquistado contra o reino natural da força ou da herança do Iluminismo contra o império das tradições e das evidências naturais. [...]
A posição de Ferry (2009) é compactuada pelos juristas tradicionais, ao sustentarem que a atribuição de direitos é apropriada apenas na esfera da comunidade humana. Por outro lado, aponta Carvalho (2005) que os defensores dos direitos dos animais advogam que o conceito de direito deve se estender aos animais sensoriais, dentre eles as espécies domesticadas e selvagens. Esses defensores não propõem a igualdade de direitos entre o ser humano e o ser não-humano, mas igual consideração nas características compartilhadas com o humano e suas necessidades especiais. PP. 94.  

** Luc Ferry  >>>  Herança humanista, cartesiana e utilitarista que imporia dificuldades em reconhecer a natureza como sujeito de direitos, tudo diante dos seguintes fatores:
(a) A natureza não é um agente, não atua como um alter ego. É sempre por meio dos homens que exercerá os direitos que lhe forem atribuídos.
(b) A atribuição de direitos à natureza sacralizaria e divinizaria a natureza como ente, retomando-se a tradição medieval.
(c) Negação do contrato social em favor de um contrato natural. 

** Respostas  >>> 
(a) O nascituro e o incapaz também são representados por intermédio de outrem.  
(b) A pessoa jurídica tem direitos de personalidade - Artigo 52 do Código Civil. 
(c) Ao direito ao equilíbrio << >> Corresponderia o dever, cumprido pela natureza desde os primórdios, de fornecer subsídios à vida (?!?). 
(d) O reconhecimento de direitos à natureza já seria uma realidade em diversas nações: Nova Zelândia, Suíça, Alemanha, Equado, Bulgária. 
 

** Normas ambientais no contexto da transição paradigmática  >>>
(a) O Direito Ambiental Inernacional tem promovido mudança de interpretação, ao conferir enfoque ecocêntrico ou ecossistemocêntrico nos tratados que versam sobre meio ambiente. Exemplos normativos mais expressivos: Convenção da Biodiversidade, Convenção Européia para a Proteção dos Animais de Estimação, Convenção Européia de Conservação da Vida Silvestre e dos Habitats Naturais. 
(b) Normas brasileiras >>> Misto entre viés antropocêntrico e ecocêntrico. 
 

** Princípios que norteiam a tutela dos direitos da natureza >>>
(a) Princípio da Precaução. 
(b) Princípio da Prevenção.
(c) Proibição do Retrocesso Ecológico.
(d) Princípio do Mínimo Existencial Ecológico.
(e) Princípio da Ponderação.
(f) Princípio da Justiça entre as Espécies.

Artigo publicado em periódico. De naturalista a militante: a trajetória de Rachel Carson

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