terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Resenha: Os Colapsos Maias, de Jared Diamond

Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Professora: Fernanda Cornils
Aluna: Juliana Capra Maia
Resenha:
DIAMOND, Jared. “Os colapsos maias”, in Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 5ª Edição, Editora Record, Rio de Janeiro, São Paulo: 2007, pp. 139/158.


  
Jared Diamond, biólogo, fisiologista e biogeógrafo, autor de “Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso [1]” é um respeitado professor do Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia (UCLA) dedicado a investigações em História Ambiental.
No livro “Colapso”, Diamond examina um curioso e diversificado rol de civilizações antigas com o objetivo de identificar os motivos que as levaram a perecer ou a sobreviver. Trata, entre outras sociedades (perifericamente mencionadas em cada um dos capítulos), dos povos que habitavam a Ilha de Páscoa, dos povos que habitavam as Ilhas de Pitcairn e Henderson, dos Anasazis, dos Vikings e dos Maias. Argumenta, sinteticamente, serem 05 (cinco) os principais fatores que teriam contribuído para o seu colapso ou para a sua perpetuação, citem-se:
a) Dano ambiental. A relevância dos danos ambientais de origem antrópica para o declínio das sociedades parece estar diretamente relacionada à capacidade de resiliência dos ecossistemas afetados e à extensão dos danos efetivamente provocados pela ação humana.
b) Mudanças climáticas. Alterações das características esperadas para cada uma das estações do ano, derivadas de fenômenos de alcance global (grandes terremotos, degelos, erupções vulcânicas, tempestades solares, entre outras). Essas alterações exerciam fortíssima influência (para o bem ou para o mal) nas sociedades do passado, ainda mais fortemente dependentes que as atuais dos ciclos anuais de morte e renascimento (inverno/primavera).
c) Vizinhança hostil, ou seja, conquista de uma civilização por outra, superior em armas, alimentos, tecnologia ou em número. De acordo com Diamond, deve-se avaliar esse fator com cautela. De fato, antes de uma sociedade vir a sucumbir perante seus vizinhos, podem ter ocorrido e perdurado diversas outras circunstâncias favoráveis ao seu enfraquecimento e, em conseqüência, à sua ruína. 
d) Parceiros comerciais amistosos.Basicamente, parcerias comerciais baseadas na troca de produtos essenciais a cada uma das sociedades. Daí, se um dos parceiros por qualquer motivo enfraquecer, arriscará a sobrevivência do outro.
e) Respostas da sociedade aos seus problemas.Depende das instituições políticas, econômicas e sociais, bem como dos valores de cada sociedade envolvida.

Esses mesmos fatores seriam úteis para compreender tragédias contemporâneas, tais como o genocídio em Ruanda, as degradações ambientais na Austrália, bem como as raízes das gritantes diferenças entre a República Dominicana e o Haiti, dois Estados muito diferentes construídos sobre condições ambientais bastante similares.
De acordo com Diamond, os “colapsos maias [2]” exemplificariam 04 (quatro) desses 05 (cinco) fatores, quais sejam: danos ambientais, mudanças climáticas, hostilidades entre os próprios maias e incapacidade dos reis ou nobres agirem em prol da resolução dos problemas sociais e ambientais detectados. Explica-se.
As ruínas das cidades maias abandonadas, ruínas oficialmente descobertas em 1839 por John Stephens e Frederick Catherwood, atestam que a Península de Yucatán/México foi o berço de sociedades urbanas especiais, as quais partilhavam de uma das culturas nativas pré-colombianas mais avançadas do Novo Mundo.
Abundam registros nativos e europeus acerca dessa cultura nativa pré-colombiana tão especial. A uma, porque ainda existem povos descendentes dos antigos maias, falando línguas utilizadas por seus ancestrais. A duas, porque os sítios arqueológicos da Península de Yucatán dispõem de inscrições em vasos, paredes e monumentos. A arte e a arquitetura maia sobreviveram nesses locais completamente desabitados (“sítios arqueológicos puros”, conforme Diamond). A três, porque os espanhóis observaram os Maias por praticamente 02 (dois) séculos — desde o início das guerras de conquista (1527) até a queda do último principado maia (1697) —, circunstância que possibilitou o contato e o registro escrito de diversos aspectos de sua cultura [3].
Tais registros, combinados com análises acerca dos aspectos físico-ambientais da Península de Yucatán,fornecem consistentes hipóteses acerca dos motivos que ensejaram o enfraquecimento e, finalmente, o desaparecimento da sociedade maia.  



Generalidades acerca do modo de vida maia 
Conforme assinala Jared Diamond, diversamente do que consta do imaginário popular, as terras habitadas pelos antigos maias não estão situadas em uma zona equatorial permanentemente úmida, abundante em terras férteis. Em verdade, essas terras estão a mais de 1600 quilômetros da Linha do Equador, em um habitat conhecido como "floresta tropical estacional".
A região é dividida em duas estações anuais: uma estação seca; uma estação chuvosa. Dessa forma, pode ser compreendida como uma floresta tropical sazonal ou como um deserto sazonal.
As estações das águas e das secas são mais ou menos imprevisíveis. De acordo com o autor, ainda hoje — quando dispomos de sofisticados mecanismos de previsão meteorológica —é comum acontecer de os agricultores locais plantarem esperando chuvas que acabam não vindo.
Ao norte do território maia as chuvas são mais escassas que ao sul. Não obstante, os maias do sul úmido sofriam mais com a carestia de água que os do norte seco. É que o lençol freático é mais raso ao norte e mais profundo ao sul da Península de Yucatán. Ademais, o solo típico da região (Karst) é um terreno calcário poroso assemelhado a uma esponja e pelo qual a água infiltra rapidamente. Noutras palavras, a retenção de água nas camadas superficiais do solo (mais acessíveis ao homem) da região sul da Península de Yucatán é dificultada pelo tipo de solo, extremamente poroso.
Engenharia foi a solução encontrada pelos maias para mitigar o problema da escassez de recursos hídricos. Os maias não edificavam as cidades nas proximidades dos rios, mas nas terras altas. Para isso, construíam reservatórios artificiais, engessando o fundo de depressões no relevo (depressões naturais ou escavadas). A cidade maia de Tikal, por exemplo, possuía um reservatório grande o suficiente para abastecer 10 (dez) mil pessoas por 18 (dezoito) meses.
Secas mais severas, entretanto, provocavam carestia generalizada, até porque a sociedade maia era fortemente dependente da cultura do milho (que correspondia a 70% da dieta da população) e do feijão [4]
A suscetibilidade da sociedade maia à fome provocada pelas secas era agravada pelas circunstâncias de não ser possível armazenar alimentos por longos períodos, dado que a umidade local os punha a perder. Também era agravada pelo rudimentar sistema de transportes, totalmente dependente da tração humana [5].
A estratificação social maia está intrinsecamente relacionada à sua produção agrícola. O rei era o sumo sacerdote da sociedade maia, com a função de ministrar rituais astronômicos e de calendário, propiciando ao seu povo a chuva e a prosperidade. Por outro lado, os camponeses aceitavam sustentar o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte, desde que o alegado parentesco do monarca com os deuses lhes garantisse chuva e prosperidade. De se concluir que, em tempos de seca e, portanto, de carestia, a sociedade maia passava por graves turbulências políticas [6].
Aliás, vale dizer que turbulências políticas não eram raras na sociedade maia já que, ao contrário do comumente difundido, os maias não eram povos pacíficos. Suas guerras eram, de fato, “intensas, crônicas e insolúveis” [7]. Escavações arqueológicas evidenciaram grandes fortificações cercando diversos sítios maias. Ademais, há descrições claras de guerras e prisioneiros em monumentos de pedra, em vasos, e em murais. Finalmente, a decifração da escrita maia revelou que boa parte dos textos constitui-se de inscrições de reis gabando-se de suas conquistas militares.
 
 
 
Os maias e as secas 
Dada a fragilidade da sociedade maia diante das secas, Diamond lhes atribuiu relevante papel nos colapsos maias, papel, aliás, que chega às raias do determinismo.
Estudos relativos ao macroclima da Península de Yucatán apontaram a ocorrência de 07 (sete) grandes ciclos climáticos mais úmidos ou mais secos, diretamente correspondentes à ascensão e aos colapsos dos maias.Esses ciclos envolvem grandes períodos desde 5500 a.C (úmido) até 760 d.C (início da pior seca dos últimos 7 mil anos e associada ao colapso maia clássico). Esquematicamente:
  • 5500 a.C. até 500 a.C. >>> Área maia úmida.
  • 475 a 250 a.C. >>> Período pouco anterior à ascensão da civilização maia pré-clássica. Seco.
  • 250 a.C. até 125 d.C. >>> A ascensão do pré-clássico.
  • 125 d.C. até 250 d.C. >>> Seca. Associada ao colapso pré-clássico em El Mirador e outras regiões.
  • 250 d.C. a 600 d.C. >>> Novas condições úmidas. Construção das cidades clássicas.
  • 600 d.C. >>> Seca. Declínio em Tikal e outras regiões.
  • 760 d.C., aproximadamente >>> Começou a pior seca dos últimos sete mil anos, que atingiu seu auge por volta do ano 800 d.C., e que supostamente está associada ao colapso clássico.
 
Ao longo do colapso maia clássico, isto é, entre 760 d.C e 909 d.C, as terras maias do sul, mais sensíveis às secas, perderam mais de 99% (noventa e nove por cento) de sua população, situação que teria implicado altas taxas de mortalidade e baixas taxas de natalidade, visto que não existem quaisquer indícios de realocação das populações atingidas pela seca.
Ao longo desse período, igualmente, há uma redução progressiva do número de monumentos, prédios, inscrições e objetos de cerâmica (indicadores de sociedades complexas), o que, no entendimento do autor, o autorizaria a falar em “colapso” da sociedade maia.
 
 
 
Conclusões do autor 
Os colapsos maias demonstrariam que tragédias também podem recair sobre sociedades avançadas e criativas, não se restringindo, portanto, às pequenas, ágrafas e isoladas sociedades simples que habitavam a Ilha de Páscoa, as Ilhas de Pitcairn e Henderson e aos Anasazis.
Demonstrariam, ainda, que sociedades que vivem em ecossistemas mais ou menos estáveis [8] também podem colapsar, desde que os fatores propícios ao colapso se apresentem. No caso dos maias as condições adequadas ao colapso se caracterizaram pelo seguinte:
a) Dano ambiental: Os maias danificaram o seu ambiente, especialmente por meio de desmatamento e da erosão de encostas. As práticas agrícolas voltadas ao abastecimento de uma enorme população (muito superior aos recursos ambientais disponíveis) consistiram na causa principal da degradação do meio ambiente local. Por causa da erosão, em tempos de absoluta necessidade, houve diminuição de terras cultiváveis.
b) Mudanças climáticas:As secas, provavelmente repetidas vezes, foram fundamentais para o colapso maia, quer obstando a união política das cidades sob um único império, quer provocando verdadeiras catástrofes aos agricultores de regiões maias específicas. Ademais, a seca à época do colapso clássico não foi a primeira, mas a mais intensa seca que os maias atravessaram.
c) Vizinhança hostil. As hostilidades entre os próprios maias tiveram um papel importante. Em tempos de carestia, cada vez mais gente lutava por recursos sempre mais escassos. A hostilidade entre cidades vizinhas diminuiu, também, as terras disponíveis para a agricultura, criando insegurança nos arredores dos principados (onde não era seguro cultivar).
d) Respostas da sociedade aos seus problemas.Omissão dos líderes. A atenção dos reis e dos nobres maias estava direcionada para o enriquecimento em curto prazo, para as guerras, para a construção de monumentos e para a competição mútua. Assim como muitos líderes ao longo da história, os reis e os nobres maias não prestavam atenção aos problemas de longo prazo, mesmo que os percebessem.
 
A comparação entre os maias e as sociedades ocidentais contemporâneas (especialmente a sociedade norte-americana) aparece, no texto, de forma bastante evidente.
O autor fala aos ocidentais modernos quando se preocupa em ilustrar o colapso de uma sociedade avançada e criativa esclarecendo, portanto, que a tecnologia não pode ser tomada como tábua de salvação para os limites ambientais do crescimento.
O autor fala aos ocidentais modernos quando afirma que os colapsos atingem, inclusive, os povos habitantes de áreas ambientalmente estáveis. Dessa forma, todos —não apenas os japoneses e os islandeses —devem se preocupar com a contribuição de seus modos de vida para o colapso de sua sociedade.
Finalmente, o autor fala aos ocidentais modernos quando ressalta o papel, determinante para o colapso, da omissão das elites maias, leia-se:
 
 
Assim como os chefes da ilha de Páscoa, erguendo estátuas cada vez maiores, finalmente coroadas com um pukao, e assim como a elite anasazi, que usava colares com duas mil gemas de turquesa, os reis maias procuraram superar uns aos outros construindo templos cada vez mais impressionantes, cobertos com camadas de gesso cada vez mais grossas - o que por sua vez nos faz lembrar do extravagante e conspícuo consumo dos modernos presidentes de empresa norte-americanos. A passividade dos chefes de Páscoa e reis maias diante das grandes ameaças que rondavam suas sociedades completa a nossa lista de preocupantes comparações. P. 158.

 




[1] Originalmente editado em inglês, sob o título “Colapse: How Societies Choose to Fail or Succeed”.
 
[2] Cabe a ressalva, constante do próprio texto, de que não há consenso entre historiadores e arqueólogos acerca da ocorrência de um colapso da sociedade Maia, até porque um enorme contingente populacional foi encontrado pelos espanhóis quando da conquista da América no século XVI. Ademais, há quem entenda que os tais “colapsos” seriam apenas o declínio de uma cidade e a ascensão de outras. Diamond entende que houve, sim, o colapso (na verdade, os colapsos) da sociedade Maia, sobretudo quando se observa o desaparecimento de cerca de 90% a 99% da sua população após 800 d.C. Ao longo do texto, descreve as demais razões de seu convencimento.
 
[3] Diamond refere-se, especialmente, ao Bispo Diego de Landa. Viveu na Península de Yucatán entre 1549 e 1578. Mandou queimar todos os manuscritos maias que pôde encontrar (só restam 04 nos dias atuais). Descreveu detalhadamente (e por escrito) a sociedade maia e obteve, com um informante,“dicas” para a decifração dos escritos maias.
 
[4] A pecuária maia era bastante restrita em número de animais e em fornecimento de proteína. Os maias dispunham apenas de perus, de cachorros, de patos e de abelhas sem ferrão (produção de mel). Proteína animal também era obtida, minoritariamente, por meio da caça de veados (alimento restrito à nobreza), pela pesca ou pela criação de peixes e de tartarugas.

[5] De acordo com Diamond, os maias não dispunham de animais de carga e não utilizavam a roda para transportar produtos. Também não dispunham de roldanas ou de barcos a vela. Os transportes eram realizados exclusivamente por meio de tração humana. Essa circunstância impunha severos limites às campanhas militares e acabou por perpetuar os conflitos políticos entre as cidades maias, in verbis:

 

Tais considerações sobre estoque de comida podem contribuir para explicar por que as sociedades maias continuaram politicamente divididas em pequenos reinos perpetuamente em guerra uns com os outros, e que nunca se unificariam em grandes impérios como o dos astecas do vale do México (alimentados com a ajuda de sua agricultura de chiampa e outras formas de intensificação) ou o Império Inca, nos Andes (alimentado por culturas mais diversificadas, carregadas por lhamas através de estradas bem construídas). Pp. 148.

 
[6] Elucidativo é o caso da cidade de Copán, em que os maias incendiaram o palácio e mataram o rei diante das longas secas características do colapso clássico (após 800 d.C).

[7] Crônicas dada a limitação de recursos naturais. Insolúveis porque as limitações de transporte e de fornecimento de alimentos impossibilitavam que qualquer principado dominasse os demais, unificando-os em um único império.
 
[8] Apesar das grandes secas sazonais, a Península de Yucatán era (como ainda é) ambientalmente mais estável que a Groenlândia ou a Islândia. Tal circunstância, contudo, não impediu o colapso da sociedade maia. 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Esquema de Leitura: "Os colapsos Maias", Jared Diamond

Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Professora: Fernanda Cornils
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura
Texto-base: DIAMOND, Jared. “Os colapsos maias”, in Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 5ª Edição, Editora Record, Rio de Janeiro, São Paulo: 2007.



Considerações Preliminares
 
-- De acordo com Diamond, ainda não há consenso entre os arqueólogos acerca da ocorrência de um colapso da sociedade Maia, porque:


a) Elementos diferentes variam em diferentes localidades da região ocupada pelos maias.
b) Apenas alguns sítios maias foram estudados detalhadamente.
c) Continua a ser uma incógnita a razão de a maior parte da terra maia ter continuado quase despovoada e não ter conseguido se recuperar após o colapso e a reconstituição das florestas.

-- Jared Diamond entende que houve, sim, um colapso (na verdade, alguns colapsos) da sociedade Maia. No capítulo ora resumido, descreve as razões do seu convencimento. 


      “Alguns arqueólogos se concentram nesses cinco tipos de complicações e não querem reconhecer um colapso maia clássico. Mas tal atitude deixa de lado fatos óbvios que clamam por explicação: o desaparecimento de cerca de 90 a 99% da população maia após 800 d.C., especialmente na região outrora mais densamente povoada das terras baixas do sul, e o desaparecimento de reis, calendários de conta longa e outras complexas instituições políticas e culturais. Por isso, falamos de um colapso maia clássico, um colapso tanto de população quanto de cultura, que pede explicação”. P. 153.

 
 
 
Achados Arqueológicos

-- Península de Yucatán, México >>> Berço da cultura maia, uma das culturas nativas mais avançadas do Novo Mundo antes da chegada dos europeus e a única com textos escritos decifrados.
 
-- Sociedades urbanas. As cidades maias, altamente sofisticadas em arquitetura e artes, hoje, encontram-se completamente despovoadas, ocultas por árvores no meio da floresta tropical.
 
-- As ruínas das cidades maias foram descobertas em 1839 por John Stephens (advogado norte americano) e Frederick Catherwood (projetista inglês).
 

            Algumas citações dos escritos de Stephens nos dão uma idéia do romântico apelo dos maias: "A cidade estava desolada. Ao redor das ruínas não havia remanescente da raça que ali viveu, portador de tradições passadas de pai para filho e de geração a geração. Estendia-se diante de nós como um barco despedaçado em meio ao oceano, sem mastros, o nome apagado, a tripulação morta e ninguém para dizer de onde veio, a quem pertencia, há quanto tempo viajava, ou o que provocou a sua destruição (...) Arquitetura, escultura e pintura, todas as artes que embelezam a vida, floresceram nesta densa floresta; oradores, guerreiros e estadistas, beleza, ambição e glória viveram e morreram, e ninguém soube que tais coisas existiram, ou podia falar de sua existência passada (...). Ali estavam os restos de um povo culto, educado e peculiar, que passou por todos os estados inerentes à ascensão e queda das nações; atingiu a sua era dourada, e pereceu (...) Subimos a seus templos desolados e a seus altares tombados; e para onde quer que nos voltássemos tínhamos provas de seu bom gosto, sua habilidade para as artes (...) Trouxemos de volta à vida aquela estranha gente que nos olhava com tristeza da parede; os imaginamos em belos trajes e adornados com plumas, subindo os terraços do palácio e os degraus que levavam aos templos (...) No romance da história do mundo, nada me impressionou mais do que o espetáculo desta outrora grande e encantadora cidade, derrubada, desolada e perdida (...) cercada por quilômetros de árvores, e sem nem mesmo um nome para distingui-Ia." Atualmente, os turistas atraídos às ruínas maias ainda sentem estas mesmas sensações. E por esse mesmo motivo achamos o colapso maia tão fascinante. Pp. 141.



Justificativas para estudar os colapsos maias
 
-- Os colapsos maias são mais fáceis de estudar do que aqueles que ocorreram com sociedades ágrafas da Antiguidade (tais como os anasazis e os pascoais), já que:
a) Abundam registros nativos acerca da sociedade maia >>> Inscrições em vasos, paredes e monumentos, entre outras.
b) Abundam registros europeus acerca da sociedade maia >>>  
  • O primeiro contato entre europeus e os maias ocorreu em 1502 (apenas 10 anos após a chegada de Cristóvão Colombo na América). 
  • Os espanhóis observaram os maias por praticamente 02 (dois séculos), desde o início das guerras de conquista, em 1527, até a queda do último principado maia, em 1697.    
  • Bispo Diego de Landa. Viveu na Península de Yucatán entre 1549 e 1578. Mandou queimar todos os manuscritos maias que pôde encontrar (só restam 04 nos dias atuais). Descreveu, por escrito, detalhada descrição da sociedade maia e obteve, com um informante,“dicas” para a decifração dos escritos maias.

c) Arte e arquitetura sobreviveram em "sítios puros", completamente desabitados. 
d) Ainda existem povos descendentes dos antigos Maias, falando línguas utilizadas pelos Maias

-- As tragédias ocorridas com os maias demonstram que os colapsos também podem recair sobre sociedades avançadas e criativas >>> Diversamente das sociedades tratadas nos outros capítulos do livro (pequenas, ágrafas, isoladas e desprovidas de tecnologia), a sociedade maia era uma das mais avançadas do Novo Mundo Pré-Colombiano. Ademais, não viviam em um ambiente propriamente frágil.
 
 
-- Os colapsos maias ilustram quatro dos cinco pontos utilizados pelo Autor para a compreensão dos colapsos sociais >>>
a) Os maias danificaram o seu ambiente, especialmente por meio de desmatamento e da erosão. As práticas agrícolas voltadas ao abastecimento de uma enorme população consistiram na causa principal da degradação do meio ambiente local. 
 
b) Mudanças climáticas (secas) contribuíram para o colapso maia, provavelmente repetidas vezes. 
 
c) As hostilidades entre os próprios maias tiveram um papel importante. 
 
d) A competição entre reis e nobres levou a uma ênfase crônica na guerra e na construção de monumentos ao invés do foco na solução dos problemas fundamentais. 
 
e) Comércio ou extinção de comércio com sociedades externas amistosas >>> Fator que não parece ter sido crucial para os maias e, portanto, não tem relação direta com o seu declínio. "Embora a obsidiana (sua matéria-prima preferida para fazer ferramentas), jade, ouro e conchas fossem importados, os últimos três itens eram luxos não essenciais. As ferramentas de obsidiana continuaram largamente difundidas na região maia muito depois do colapso político, portanto é evidente que a obsidiana nunca faltou" (pp. 142).

 
O modo de vida maia e seus danos ambientais

-- Caracterísiticas físicas gerais da Península de Yucatán >>>
  • As terras dos antigos maias não estão situadas em uma zona equatorial permanentemente úmida. Em verdade, distam mais de 1600 km do Equador, em um habitat conhecido como "floresta tropical estacional".
  •  
  • Divisão do ano em duas estações: seca e chuvosa.
  •  
  • Deserto sazonal ou floresta tropical sazonal.
  •  
  • Estações das águas e das secas >>> Imprevisíveis. Ainda hoje é comum os agricultores plantarem esperando chuvas que acabam não vindo. Safras ruins ainda são resultado de secas e de furacões.
  •  
  • Pluviometria >>> Norte seco (menos chuvas) e sul úmido (mais chuvas).
  • Recursos hídricos subterrâneos >>> O sul úmido tinha mais problemas com carestia de água que o norte seco. Explicação provável >> lençol freático mais raso ao norte e mais profundo ao sul da Península.
  • Solo >> Karst. Terreno de calcário poroso semelhante a uma esponja por onde a água infiltra rapidamente.  Noutras palavras, a retenção de água nas camadas superficiais do solo (mais acessíveis ao homem) da região sul da Península de Yucatán era dificultada pelo tipo de solo, extremamente poroso.

 
-- Solução encontrada pelos maias para o problema da escassez de recursos hídricos >>> Engenharia. Mesmo no sul da Península de Yucatán,  os maias não edificavam as cidades nas proximidades dos rios, mas nas terras altas. Para isso, construíam reservatórios artificiais, engessando o fundo de depressões no relevo (depressões naturais ou escavadas). A cidade maia de Tikal, por exemplo, possuía um reservatório grande o suficiente para abastecer 10 mil pessoas por 18 meses.

 
 
-- Generalidades acerca do modo de vida dos maias >>>  
  • Agricultura >>> Um dos mistérios ainda não desvendados acerca dos maias. A quantidade de pessoas nas cidades maias não seria suportada tão-somente pela agricultura itinerante. Portanto, os maias devem ter descoberto um mecanismo de aumentar a produção (como terraços de cultivo nas encostas para reter o solo e a umidade, sistemas de irrigação, redes de canais e campos drenados ou elevados). 
  •  
  • Culturas mais importantes >>> Milho (70% da dieta da população) e feijão.
  •  
  • Animais domésticos >>> Peru, cachorro, pato e abelha sem ferrão que produzia mel.
  •  
  • Caça >>> Veado (alimento restrito à nobreza maia).
  •  
  • Pesca, criação de peixes e de tartarugas em locais isolados.
  •  
  • Estratificação social >>> Pelo menos 70% dos maias eram camponeses. Um camponês maia só podia suprir duas vezes a necessidade de sua família, já que: a) a base da agricultura era pouco protéica; b) os maias dispunham de poucos animais comestíveis; c) os animais comestíveis disponíveis aos maias eram de pequeno porte e, portanto, forneciam pouca carne; d) não era possível armazenar o milho por longos períodos, dado que a região tinha clima úmido; e) o transporte de alimentos (como de todo o resto) dependia exclusivamente da  tração humana, já que os maias não dispunham de animais de carga (circunstância que impunha severas limitações às campanhas militares).   
Tais considerações sobre estoque de comida podem contribuir para explicar por que as sociedades maias continuaram politicamente divididas em pequenos reinos perpetuamente em guerra uns com os outros, e que nunca se unificariam em grandes impérios como o dos astecas do vale do México (alimentados com a ajuda de sua agricultura de chinampa e outras formas de intensificação) ou o Império Inca, nos Andes (alimentado por culturas mais diversificadas, carregadas por lhamas através de estradas bem construídas). Pp. 148.
 
  • Tal como outras sociedades mesoamericanas, os maias não possuíam instrumentos de metal, roldanas, rodas (exceto localmente, como brinquedos), barcos a vela e animais domésticos grandes o bastante para carregar cargas ou puxar um arado.
  •  
  • Toda a escrita maia antiga preservada está gravada em pedra ou em cerâmica e trata apenas de reis, nobres e suas conquistas. Plebeus não são mencionados.
  •  
  • Quando os espanhóis chegaram, os maias ainda usavam papel feito com casca de árvore coberta de gesso para escrever livros, dos quais os únicos quatro que escaparam à fogueira do bispo Landa são tratados de astronomia e o calendário. Os antigos maias também tinham livros de casca de árvore, freqüentemente retratados em sua cerâmica, mas apenas restos deteriorados destes livros sobreviveram nas tumbas.
  • O Calendário Maia de Conta Longa começa em 11 de agosto de 3114 a. C. (antedatado pois em 3000 a.C ainda não havia escrita naquela região). Esse documento nomeia as datas em unidades de dias (kin), 20 dias (uinal), 360 dias (tun), 7.200 dias, o que equivale a aproximadamente 20 anos (katunn) e 144 mil dias ou aproximadamente 400 anos (baktun). Toda a história maia transcorre entre os baktuns 8, 9 e 10.
  •  
  • Na sociedade maia, o rei era também o sumo sacerdote, com a responsabilidade (diante de seu parentesco com os deuses) de ministrar rituais astronômicos e de calendário, e assim trazer chuva e prosperidade. 
Havia um acordo tácito quid pro quo: os camponeses sustentavam o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte, alimentavam-nos com milho e carne de veado e construíam os seus palácios porque o rei lhes havia feito grandes promessas. Como veremos, os reis sempre entravam em conflito com seus camponeses no caso de seca, porque isso era equivalente à quebra de uma promessa real. P. 150.

 
 
-- Guerras >>> 

  • Ao contrário do comumente difundido, os maias não eram povos pacíficos.
  •  
  • As escavações arqueológicas evidenciaram grandes fortificações cercando diversos sítios maias. Ademais, há descrições claras de guerras e prisioneiros em monumentos de pedra, em vasos, nos murais descobertos em 1946 em Bonampak. Finalmente, a decifração da escrita maia revelou que boa parte dos textos constitui-se de inscrições de reis jactando-se de conquistas militares.
  •  
  • As guerras maias eram intensas, crônicas e insolúveis >>> Limitações de comida e transporte tornavam impossível para qualquer principado unificar toda a região em um único império.
  • Provavelmente bem mais freqüentes, eram as lutas entre plebeus por terras, à medida que a população aumentava e as terras cultiváveis escasseavam. Não, entretanto, há relatos de tais conflitos nas inscrições maias remanescentes.

 
 
-- Secas >>>
  • 5500 a.C. até 500 a.C. >>> Área maia úmida.
  •  
  • 475 a 250 a.C. >>> Período pouco anterior à ascensão da civilização maia pré-clássica. Seco.
  •  
  • 250 a.C. até 125 d.C. >>> A ascensão do pré-clássico.
  •  
  • 125 d.C. até 250 d.C. >>> Seca. Associada ao colapso pré-clássico em El Mirador e outras regiões.
  •  
  • 250 d.C. a 600 d.C. >>> Novas condições úmidas. Construção das cidades clássicas.
  •  
  • 600 d.C. >>> Seca. Declínio em Tikal e outras regiões.
  •  
  • 760 d.C., aproximadamente >>> Começou a pior seca dos últimos sete mil anos, que atingiu seu auge por volta do ano 800 d.C., e que supostamente está associada ao colapso clássico.
  •  
  • As terras baixas do sul perderam mais de 99% de sua população no curso do colapso clássico. O despovoamento envolveu uma alta taxa de mortalidade e uma baixa taxa de natalidade (não há quaisquer indícios de que a população do sul tenha sido realocada em outras regiões mais úmidas).

 
-- Apogeu da sociedade maia clássica >>> De 250 d.C. em diante, a população maia, o número de monumentos e prédios e o número de datas de conta longa em monumentos e em objetos de cerâmica aumentou quase exponencialmente, para atingir o auge no século VIII d.C. Os maiores monumentos foram erguidos perto do fim desse período clássico. 
 

 
-- Colapso da sociedade maia clássica >>> Desde o século IX até 909 d.C, período marcado pela progressiva redução no número de monumentos, prédios, inscrições e objetos de cerâmica (indicadores de sociedades complexas). 

 
-- Caso de Copán >>> Estudos dos esqueletos dos habitantesde Copán revelaram que a saúde dos habitantes dessa cidade maia (elite e plebeus) deteriorou sensivelmente entre 650 e 850 d.C. 
  • A população de Copán cidade maia situada, atualmente, em território hondurenho, cresceu rapidamente entre o século V d.C e o século IX d.C. 
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  • A maioria dos habitantes de Copán residia em bolsões planos e férteis no fundo de um vale. Com o crescimento da população, as áreas íngremes começaram a ser ocupadas e cultivadas, situação que em pouco tempo resultou em erosão de encostas  (diretamente causada pelo desmatamento) e na consequente perda de nutrientes do solo.  
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  • Com o abandono das colinas improdutivas, toda a população de Copán (agora, maior que nunca) tinha de ser alimentada com a produção obtida nas terras situadas no fundo do vale >>> Competição e conflitos pelos 26 km2 de terras férteis.  
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  • Desmatamento das encostas >>> Provável alteração do microclima, que tende a ter ficado mais seco. A redução da umidade e da fertilidade do solo explicam a insatisfação da população de Copán com seu rei, cujo palácio foi incendiado por volta de 850 d.C. 


Por que não há consenso científico acerca dos colapsos maias?
  • Não houve apenas um único e enorme colapso maia. Houve ao menos dois colapsos menores anteriores em alguns sítios, um por volta de 150 d.C., quando El Mirador e outras cidades maias entraram em colapso (o chamado colapso pré-clássico), o outro (chamado "hiato maia") em fins do século VI e início do século VII, período durante o qual nenhum monumento foi erguido no bem estudado sítio de Tikal. Houve também alguns colapsos pós-clássicos nas áreas cujas populações sobreviveram ao colapso clássico ou aumentaram depois dele - como a queda de Chichen Itzá por volta de 1250 e de Mayapán, por volta de 1450.
  • O colapso clássico obviamente não foi completo, porque havia centenas de milhares de maias que encontraram e lutaram contra os espanhóis. Esses sobreviventes se concentravam em áreas com suprimento estável de água, especialmente no norte, com seus cenotes, nas áreas costeiras, com seus poços, junto a um lago do sul e ao longo de rios e lagoas em lugares mais baixos. Contudo, a população desapareceu quase completamente no que fora o coração do território maia no sul.
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  • O colapso populacional (como medido pelo número de casas e objetos de obsidiana) era em alguns casos mais lento do que o declínio em número inscrições de datas em monumentos. O que se desintegrou mais rapidamente durante o colapso do período clássico foi a instituição da monarquia e o calendário de conta longa. Ex. Copán.
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  • Colapsos aparentes de cidades nada mais eram do que ciclos de poder, ou seja, cidades individuais tornando-se mais poderosas, depois declinando ou sendo conquistadas, para em seguida se reerguerem e conquistarem os seus vizinhos, sem mudanças na população total.
 
 
Causas dos colapsos maias, segundo Diamond

-- Crescimento populacional, muito acima dos limites dos recursos disponíveis.

-- Degradação ambiental. Efeito do esmatamento e da erosão de encostas, o que causou uma diminuição na quantidade de terras cultiváveis em um tempo em que mais terras cultiváveis se faziam necessárias (dado o crescimento populacional).
 
-- Guerra e conflitos. Cada vez mais gente lutava por recursos cada vez mais escassos. A guerra diminuiu a quantidade de terra disponível para a agricultura, criando terras de ninguém entre diversos principados maias onde, exatamente em decorrência das guerras, não era seguro cultivar.
 
-- Mudanças climáticas. De acordo com Diamond, a seca à época do colapso clássico não foi a primeira que os maias atravessaram, mas foi a mais intensa. À época do colapso clássico a região estava superlotada, não havia área desocupada útil nas redondezas onde uma família pudesse recomeçar e não era possível acomodar a população que fugia das secas nas áreas que continuavam a ter fornecimento de água seguro. 

-- Omissão dos líderes. A atenção dos reis e dos nobres estava direcionada para o auto-enriquecimento a curto prazo, para as guerras, para a construção de monumentos, para a competição e para a extração de comida dos camponeses de modo a possibilitar o sustento dessas atividades. Assim como muitos líderes ao longo da história, os reis e os nobres maias não prestavam atenção aos problemas de longo prazo, mesmo que os percebessem. 

           Assim como os chefes da ilha de Páscoa, erguendo estátuas cada vez maiores, finalmente coroadas com um pukao, e assim como a elite anasazi, que usava colares com duas mil gemas de turquesa, os reis maias procuraram superar uns aos outros construindo templos cada vez mais impressionantes, cobertos com camadas de gesso cada vez mais grossas - o que por sua vez nos faz lembrar do extravagante e conspícuo consumo dos modernos presidentes de empresa norte-americanos. A passividade dos chefes de Páscoa e reis maias diante das grandes ameaças que rondavam suas sociedades completa a nossa lista de preocupantes comparações. P. 158.

Artigo publicado em periódico. De naturalista a militante: a trajetória de Rachel Carson

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