sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Esquema de leitura: As bases teóricas da história ambiental, Pádua.

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós-Graduação
Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, volume 24 nº 68, São Paulo, 2010, páginas 81 a 101. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100009. Consulta realizada em 08/09/2016, às 16:49 horas.


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Vozes da rua e mudanças epistemológicas

** Como campo consciente de si mesmo, a História Ambiental começou a se estruturar na década de 1970: 
a) A American Society for Environmental Histoy (primeira entidade científica dedicada ao assunto) foi criada em 1977.
b) O primeiro curso de História Ambiental foi ministrado em 1972, na Universidade de Santa Bárbara, por Roderick Nash. Justificou o curso também como uma resposta ao clamor das ruas. 
** Apesar disso, análises histórico-ambientais já vinham sendo realizadas desde o século XIX.


A “voz das ruas” teve importância na formalização da história ambiental. P. 81.


** Ambientalismo como criador e criatura da globalização. A própria imagem do Planeta Terra, isto é, do globo para além das fronteiras nacionais, tem relação direta com o ambientalismo.

A emergência de um “ambientalismo complexo e multissetorial” a partir da década de 1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado como um movimento histórico, mais do que um movimento social, que repercutiu nos diferentes campos do saber (Viola & Leis, 1991, p.24). A ideia de “ecologia” rompeu os muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura. O avanço da chamada globalização, com o crescimento qualitativo e quantitativo da produção científicotecnológica e da velocidade dos meios de comunicação, catalisou uma explosão de temas da vida e do ambiente na agenda política. A discussão ambiental se tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização. A própria imagem da globalidade planetária, em grande parte, é uma construção simbólica desse campo cultural complexo. P. 82.
** As preocupações dos homens com problemas ambientais não são novidade. Elas estiveram presentes na cultura erudita europeia pelo menos desde o século XVIII e ajudaram a cunhar o pensamento moderno. As últimas décadas do século XX se diferenciariam dos períodos anteriores, fundamentalmente, pela difusão dessas preocupações entre um grupo muito maior de seres humanos. 
  • A territorialização das sociedades humanas demanda que as pessoas adquiram conhecimento básico acerca do espaço que ocupam.
  • Glacken, estudando a história das concepções intelectuais acerca da natureza no mundo ocidental, desde a Antiguidade até o século XVIII, constatou:
a)  Os maiores pensadores tiveram que enfrentar o tema e o fizeram a partir de três indagações: "a natureza, tal qual ela se apresenta na Terra, dotada de sentido e propósito? Possui essa natureza, especialmente o lugar onde cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana? Foi a realidade da Terra, em sua condição primordial, modificada pela ação histórica do homem?" P. 83.
b) Os dois primeiros questionamentos, isto é, "a natureza, tal qual ela se apresenta na Terra, dotada de sentido e propósito?" e "Possui essa natureza, especialmente o lugar onde cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana?" dominaram a discussão filosófica e científica até o século XVIII. 
c) O tema da capacidade da ação humana para degradar / destruir a natureza é essencialmente moderno.

Estabeleceu-se um movimento de mão dupla, em que as produções científicas influenciaram e foram influenciadas pelas ações públicas. P. 82.


** Além do cenário político favorável, os historiadores também foram estimulados a investir na história ambiental pelas mudanças advindas do campo científico, em especial:
  • A ideia de que a ação humana pode provocar relevantes impactos no mundo natural, inclusive a ponto de provocar degradação ambiental.
  • A revolução nos marcos cronológicos. O tempo não é mais o tempo bíblico, mas o tempo geológico ou cósmico (medido em bilhões de anos).
  • A visão da natureza como construção e reconstrução ao longo do tempo. Ou seja, a natureza também é história.   
** Condições adequadas para o surgimento da preocupação ambiental na modernidade (entenda-se "preocupação ambiental" como "colapso", ou seja, com a ideia de que a relação com o ambiente natural coloca um problema radical e inescapável para a continuidade da vida humana):
  • Expansão colonial europeia, com a incorporação de vastas regiões do globo, ou seja, de uma grande variedade de territórios e ecossistemas.
  • Observação, nas colônias ultramarinas europeias, dos efeitos da devastação das florestas, do assoreamento de rios, da erosão dos solos, decorrentes de atividades como a monocultura e a mineração. 
  • Formação de uma economia-mundo sob a dominância europeia.
  • Institucionalização da ciência como um modo privilegiado de entendimento do mundo. Construção de um saber geográfico planetário. A ciência iluminista começa a utilizar a ideia de "sistema", de harmonia entre "parte" e "todo", a ideia de que as florestas eram importantes para manter a umidade e a saúde de determinado território (p. ex., Lineu).
  • Grande transformação urbano industrial sem precedentes até os séculos XIX e XX.
** Percepção de que a mudança ambiental teria sido provocada por ações antrópicas, no Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva (1815); Tomás Pompeu de Sousa Brasil (1860).


Natureza e humanidade como movimento e transformação

** "Natureza" é um conceito amplo, historicamente polissêmico, que reúne "desde o Big Bang até o gato da casa". Desde a Grécia Antiga (physis) até os dias atuais, "natureza" foi progressivamente incorporando mais e mais realidades.
De um lado, a ideia de natureza serve como uma espécie de eixo conceitual que dá sentido ao nosso entendimento do universo. Ela fundamenta a construção conceitual da experiência de que existe coerência ontológica no mundo em que vivemos. Por sua vez, a imagem de ser humano e de história humana se construiu em grande parte por oposição à natureza: arte versus natureza; ordem social versus natureza; técnica versus natureza; espírito versus natureza etc. Em outras palavras, um conjunto de oposições que procuram demarcar, por diferenciação ou por identificação, a especificidade do fenômeno humano em relação à natureza (seja afirmando uma oposição e ruptura radical entre ambos, seja entendendo o humano como uma qualificação especial no contexto do mundo natural). P. 87.
** A partir das descobertas da Geologia e da Astrofísica, a Terra passou a ser enxergada, progressivamente, "como uma realidade antiga, poderosa e diversificada, que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória. Por ele já passaram inúmeras formas de vida, das quais a espécie humana é uma das mais recentes (Christian, 2003)". P. 87.
  • Apesar disso, o tempo da História continua sendo o "tempo bíblico", de horizonte de cerca de 6 mil anos. 
  • A descoberta do tempo geológico e do tempo cósmico provocaram os historiadores. Ela os estimulou a procurarem metodologias que dêem conta de investigar a história humana a partir de marcos temporais mais extensos.
  • A arqueologia localiza o Homo sapiens desde 200 mil anos. O fenômeno humano pode retroceder até o surgimento do Homo habilis, na África Central, há 2 milhões de anos. O termo "pré-história" não dá mais conta de tantas transformações.
** Além da explosão cronológica, há outra mudança epistemológica, fundamental para o diálogo entre as ciências sociais e as ciências naturais: a mudança na forma de enxergar o que vem a ser "natureza". De cenário dado, a priori, a natureza vem sendo compreendida como algo em permanente construção e reconstrução ao longo do tempo. Não se trata de uma realidade pronta e acabada.
  • Cada vez mais a natureza é vista como uma configuração histórica momentânea, e não como uma realidade pronta e acabada.
  • As hard sciences estão cada vez mais soft.


A difusão da visão de mundo evolucionária faz convergirem as histórias cósmica, terrestre, biológica e humana. Todas são vistas como totalidade em permanente transformação. P. 89.


  • Para tanto, a tese de Darwin foi um passo fundamental e representou um verdadeiro turn over para as ciências: leitura histórica da formação dos seres vivos; animalidade do ser humano.
  • Século XX. Astrofísica: nem mesmo o universo é fixo. Ele também está em constante movimento. 
>>> Impacto direto no determinismo físico, geográfico, climático (que pressupunha a estabilidade do mundo natural).
  • Nova relação entre as ciências humanas e naturais. Conceitos de colapso, resiliência, coevolução, construção mútua de nichos. Caos e acaso ganham papel causal nas análises.


Natureza e cultura na experiência histórica: por uma visão menos dualista

** Surgimento da história ambiental >> resposta à ausência da dimensão biofísica em boa parte da historiografia contemporânea. Enfoque "flutuante", ou seja, "como se os seres humanos não fossem animais mamíferos e primatas, seres que respiram e que precisam cotidianamente se alimentar de elementos minerais e biológicos existentes na Terra". P. 91.
  • O enfoque "flutuante" foi uma espécie de reação dos cientistas sociais ao determinismo físico, climático e geográfico característico do século XIX. Esses determinismos, como sabido, levaram a teorias racistas. 
** Obras do século XX que não fazem história a partir do enfoque "flutuante": 
  • Nordeste, de Gilberto Freyre.
  • O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II, de Fernand Braudel.
  • The great plains, de Walter Prescott Webb.
  • Caminhos e fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda.
  • The grassland of North América, de James Malin. 
  • La Terre et l’évolution humaine, de Lucien Febvre.
  • Les caracteres originaux de l’histoire rurale française, de Marc Bloch.
  • Histoire du climat depuis l’An Mil, de Emmanuel Le Roy Ladurie.
** Os historiadores ambientais têm sentido necessidade de encontrar uma solução para fugir da dicotomia natureza X cultura.
  • É verdade que a percepção da natureza pelos seres humanos é mediada pela linguagem, ou seja, pela cultura. Nesse sentido, a valoração de determinados recursos naturais em detrimento de outros, bem como de determinadas paisagens em detrimento de outras, possui uma clara historicidade. Contudo, é necessário reconhecer que os recursos e as paisagens possuem existência material autônoma e sem a qual não seriam percebidos ou valorizados culturalmente.
  • A ecologia da auto-organização postula que a tese culturalista precisa ser ampliada: em primeiro lugar, os seres humanos modificam o mundo não somente com o seu pensamento, como também com o seu corpo; em segundo lugar, cada ser constrói o seu mundo e o mundo coletivo se constrói por meio de uma trama complexa de interações e interdependências. 

Por ultrapassar o culturalismo, a história ambiental deveria ser vista não como uma redução, mas como uma ampliação da história: ela suscita novas perspectivas para antigos problemas historiográficos.


** História ambiental >>> Articulação entre ecologia, relações econômicas e cognição humana. Não se trata de tarefa fácil. Há a tendência de focalizar um nível em detrimento dos outros.

  • Ecologia: natureza propriamente dita, orgânica e inorgânica, incluindo o organismo humano em sua relação com os diferentes ecossistemas. Atentar para a transformação do mundo biofísico, a fim de reconstruir os ambientes do passado. Fundamental manter uma perspectiva interdisciplinar.
  • Constituição socioeconômica das sociedades: A cultura material, os meios tecnológicos, a “segunda natureza” produzida pela ação humana inserem-se nesse nível de análise. Por influência de Marx, Worster mencionava "modo de produção". O'Connor, por sua vez, mencionava "condições de produção" (ultrapassa as formas de propriedade e das relações de produção, incluindo as contradições presentes no movimento de mercantilização imperfeita do trabalho, da terra e da natureza).
  • Cognição Humana: dimensões cognitivas, mentais e culturais da existência humana, incluindo cosmologias, ideologias e valores. O comportamento dos seres humanos em relação ao mundo natural, assim como a própria estruturação socioeconômica da vida coletiva, passa pelas visões de natureza e dos significados da vida humana. Cuidado com o anacronismo: não se deve projetar categorias ambientais e ecológicas do presente no passado.

A questão ambiental só vai aparecer em um momento bastante recente da trajetória humana. Mas as relações ambientais já estavam presentes, sendo percebidas (ou não) segundo os padrões culturais de cada período.


- Limitação da história ambiental: Abordar sempre o "homem devastador". 


O importante é permanecer atento e aberto em cada situação de pesquisa. Em certas situações os fatores biofísicos são decisivos. Em outras a tecnologia ou as visões de mundo podem ser decisivas. Em todas as situações, no entanto, o biofísico, o social e o cultural estão presentes. [...]. No sentido mais profundo, o desafio analítico é o de superar as divisões rígidas e dualistas entre natureza e sociedade, em favor de uma leitura dinâmica e integrativa, fundada na observação do mundo que se constrói no rio do tempo. P. 97. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Esquema de leitura: A sociologia e o meio ambiente, Frederick Buttel

Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Elaboração de trabalho final - Tese
Professor: José Luiz de Andrade Franco
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de leitura: BUTTEL, Frederick H. A Sociologia e o meio ambiente: um caminho tortuoso rumo à ecologia humana. Perspectivas, São Paulo, 15: 69-94, 1992. Publicado originalmente em International Social Science Journal Environmental Awareness 109 - Brasil Blackwell, UNESCO, 1986. 


INTRODUÇÃO

** Sociologia Ocidental Moderna >>
- Por um lado, influenciada pelas imagens de desenvolvimento, evolução e adaptação de organismos; pelos conceitos trazidos da ecologia; pela adoção de metodologias oriundas das ciências biológicas e naturais.
- Por outro lado, foi construída a partir de reações contra a simplificação biológica (exemplo: darwinismo social, determinismo climático).

** A biologia ainda suscita emoções sociológicas. Exemplo: reação negativa ao Sociobiology, de Wilson: "Os poucos sociólogos que tentaram se identificar como sociobiólogos foram alvo de desprezo por parte dos demais membros da profissão" (p. 70).
- Ceticismo dos cientistas sociais, seja com o movimento ambientalista de massas, que surgiu na década de 1960, seja com o aparecimento da sociologia ambiental.
- Explicar o social apenas pelo social seria uma limitação das ciências sociais. As ciências sociais são eminentemente antropocêntricas. Luta tardia contra os fantasmas da biologia na sociologia e na antropologia.  
A expansão dos horizontes sociológicos, no entanto, está limitada pelo próprio fato de a sociologia ser uma ciência social com tendências antropocêntricas. O antropocentrismo apresenta aspectos tanto positivos quanto negativos. O ser humano, especialidade zoológica da sociologia, é singular em todo o mundo animal, tanto quanto o é sua capacidade de criar uma cultura e comunicação simbólica. A sociologia não pode nem deve se tornar um ramo da ecologia comportamental. Mas o ser humano também é uma espécie entre muitas, e é uma parte integral da biosfera. Assim, um entendimento perfeito do desenvolvimento histórico e do futuro das sociedades humanas se torna problemático quando se deixa de considerar o substrato ecológico e material da existência humana. (p. 70)

** Os seres humanos são existencialmente ambivalentes. Por um lado, os homens são animais que, como muitos outros, compõem a biosfera. Por outro lado, os homens são criadores de cultura. 
- Essa ambivalência do ser humano conduz à ambivalência das relações entre ciências sociais e biologia.

** Objeto do artigo >> análise das principais manifestações ambivalentes entre as ciências sociais e a biologia. Argumentos: 
- A sociologia ambiental ainda não provocou impacto expressivo na disciplina maior. 
- A sociologia ambiental, por seus impactos epistemológicos, deveria ser trazida ao centro do debate da sociologia.
- "Nova ecologia humana".


ANTECEDENTES CLÁSSICOS

** As ciências sociais são inóspitas no que se refere às pesquisas sociológicas de fundo ecológico. Herança dos autores clássicos que, na ânsia de cunhar uma nova disciplina, enfatizaram a "primazia sociológica nas explicações dos fenômenos sociais, negligenciando a incorporação de variáveis ecológicas em suas análises". P. 71.
- Marx, Durkheim e Weber reagiram às abordagens sociobiológicas, em voga no final do século XIX (biologismo de autores como Spencer e Darwin). Incorporação de variáveis ecológicas = TABU. 
** Ocorre que, em suas análises, todos os clássicos se dedicaram bastante a aspectos ecológicos, quer para utilizá-los como metáforas, quer para criticá-los. 
Augusto Comte e Herbert Spencer >> Lançam as bases do funcionalismo, dentro de um quadro de analogias orgânicas. Os autores (assim como Malthus, em quem o próprio Darwin se inspirou) transitavam bem pela literatura biológica então disponível.
- Augusto Comte. As analogias biológicas estavam na base da sua teoria social. A sociedade seria tal como um organismo vivo: "As instituições sociais (o Estado, a religião, a família, por exemplo) são para a sociedade o mesmo que os órgãos de um corpo, desempenhando cada um sua função em relação ao todo". P. 72. Influenciou Spencer, que também considerava a sociedade como um organismo vivo. Entretanto, enquanto Comte chama a atenção para o progresso como fonte de mudança social, Spencer chama a atenção para a seleção natural. 
- Karl Marx transformou os seus escritos em uma cruzada contra Malthus e Ricardo. Mas respeitava a teoria evolucionista, lançada por Darwin.
Marx, certamente, não descartava totalmente a validade da lógica biológica na teoria social (Parsons, 1977). De fato, Marx respeitava Darwin e chegou a pensar em dedicar-lhe o Das Kapital. A influência de Darwin foi significativa em Marx, em seus últimos trabalhos, e em Engels, especialmente. Ainda assim, Marx rejeitou a analogia biológica de que todas as partes do organismo social tinham funções iguais ou essencialmente tão importantes para a sobrevivência e evolução da sociedade. P. 73. 
Marx é, sem dúvida, o mais controvertido dos "sociólogos ambientais clássicos". O pensamento marxista tem sido freqüentemente utilizado por seus defensores para derrubar as idéias "neomalthusianas", como, por exemplo, o movimento ambiental ou noções dos limites ecológicos do crescimento [...]. Da mesma forma, críticos de Marx de orientação ambiental têm descartado seu pensamento com base em seu suposto antropocentrismo e crença no avanço das forças de produção no fornecimento de soluções técnicas a problemas ambientais e de recursos [...]. 
Essas interpretações do pensamento de Marx e Engels poderiam ter permanecido irrefutadas, não fosse a publicação de Marx and Engels on Ecology, de Howard L. Parsons (1977). No trabalho, Parsons situa o trabalho de Marx e Engels no contexto do pensamento social e biológico dos meados do século XIX, demonstrando o papel vital dos assuntos ligados aos recursos naturais na evolução da economia política marxista. Importantes rivais de Marx foram Malthus e Ricardo, que o levaram a adquirir uma considerável familiaridade com a pesquisa em ciência do solo e agronomia para o desenvolvimento de suas visões sobre população, locação do solo e economia dos recursos. P. 76. 
- Durkheim, embora tenha se empenhado em afastar a influência da biologia nas ciências sociais (em especial, da biologia de Spencer), caracterizou as sociedades como organismos (Divisão do Trabalho Social). 
Da mesma forma que Marx, Durkheim não descartou totalmente as noções evolucionistas: seu trabalho The Division of Labor in Society contém uma trama evolucionista na qual, sob certas condições, sociedades não-diferenciadas - caracterizadas pela solidariedade mecânica - evoluiriam em sociedades modernas com uma divisão de trabalho complexa, caracterizada pela solidariedade orgânica. Durkheim, no entanto, diferenciava o seu pensamento do de Spencer em três aspectos principais. Em primeiro lugar, rejeitava a postura individualista metodológica na qual o indivíduo é o centro da evolução e da seleção natural. Para Durkheim, o desenvolvimento da divisão do trabalho era um fato social a ser explicado por meio de fatores sociais (extra-individuais). Em segundo lugar, conforme já indicado anteriormente, Durkheim recusava a imagem simplista do movimento unilinear em direção ao progresso advogada por Spencer. Grande parte do The Division, de fato, foi dedicada às divisões de trabalho anômicas e forçadas, resultantes da crescente diferenciação sem o comparável desenvolvimento dos mecanismos de solidariedade orgânica. Em terceiro lugar, Durkheim fugiu do desenvolvimento de uma teoria global de mudança social e dos estágios de evolução que constituíam o ponto central do trabalho de Spencer. P. 73 e 74.
- Max Weber criticou o determinismo biológico dos evolucionistas, assim como o determinismo econômico dos marxistas. 
O papel mais marcante de Weber no debate sobre a biologia e sociedade na virada do século foi o de rejeitar as perspectivas evolucionistas na mudança social. Seus argumentos reiteradamente refletiam uma imagem da sociedade como um equilíbrio precário de forças, no qual nenhuma das forças em particular é, a priori, predominante. A direção da mudança não era imanente às estruturas sociais, mas sim formada por constelações de fatores históricos mutantes, em última análise enraizados em comportamento individual subjetivamente expressivo e em acidente histórico ou em conjectura. [...]. Weber também suspeitava de outras tentativas de se aplicar perspectivas evolutivas a temas históricos complexos. P. 74. 
"West acrescenta que a ecologia humana de Weber, em harmonia com o seu método histórico geral, baseia-se no fato de que "fatores ambientais não são determinantes universais, mas podem assumir relevância causal em conjunturas especiais nas histórias de certas sociedades" (1978, p. 27). Weber tratava os fatores ambientalistas como sendo componentes interativos dentro de modelos causais complexos, enfatizando que as influências ambientalistas "muitas vezes afetam sociedades complexas, favorecendo a 'sobrevivência seletiva' de algumas camadas sociais sobre outras" (West, 1978, p. 27)". P. 77.

A tradição clássica tem certos aspectos antropocêntricos e uma postura cética com relação ao biologismo. P. 77.


** Após as contribuições clássicas, a teoria social se despiu das variáveis biológicas ou ecológicas. Abordá-las tornou-se tabu. Contudo, as teorias sociais clássicas podem ser lidas como rejeição de uma certa forma, simplistade correlacionar variáveis ambientais e sociais.

** Ecologia Humana >>
- Universidade de Chicago (Robert Park e Ernest Burgess) e Universidade de Michigan. 
- Indiretamente impactada pela teoria social de Durkheim.
- Tratado: Human Ecology de Hawley (1950). Fixou as raízes da ecologia na morfologia social de Durkheim. Ainda nos anos 1950, a ecologia humana foi desacreditada e suplantada pelo funcionalismo de Talcott Parsons
- Após a crítica de Parsons, todos os esforços para reconstruir a ecologia humana nos moldes da "sociologia ambiental" foram sumariamente ignorados. Identificação entre a ecologia humana e o funcionalismo.




PROBLEMAS DA SOCIOLOGIA AMBIENTAL MODERNA

** Nos EUA, desde a década de 1980, a sociologia ambiental vem sendo reconhecida como especialização da sociologia. 
- Muito dos sociólogos ambientais não foram treinados como tais. Eram demógrafos, sociólogos rurais, sociólogos do desenvolvimento, psicólogos sociais, sociólogos urbanos, sociólogos políticos. Normalmente, eram pesquisadores independentes. 
- Referências: 
a) William R. Catton, Jr. e Riley E. Dunlap. The American Sociologist (1978). Citação: "as perspectivas teóricas ostensivamente diversas e concorrentes na sociologia são idênticas no tocante ao seu antropocentrismo comum" (p. 41). Logo, prosseguem sugerindo que "as numerosas perspectivas teóricas concorrentes na sociologia moderna - por exemplo, o funcionalismo, interacionismo simbólico, etnometodologia, teoria do conflito, marxismo etc. - tendem a exagerar suas diferenças entre si" (p. 42). Antes de ser "paradigmas por natureza", Catton e Dunlap consideram essas teorias como variações menores de um "paradigma" maior; "acreditamos que sua aparente diversidade não é tão importante quanto o antropocentrismo que orienta a todas elas". (p. 42, grifos no original).
b) Alian Schnaiberg. Treinado como ecologista humano na Universidade de Michigan. "A Síntese Social da Dialética Sociedade-Meio Ambiente" (1975). The Environment: From Surplus to Scarcity. Revisão do método marxista do materialismo histórico e na aplicação da literatura da sociologia política do neomarxismo e neoweberianismo aos problemas ambientais.

Visão antropocêntrica do mundo > paradigma da excepcionalidade humana

** Modelo PHE / NPA, de Catton e Dunlap. As premissas que apoiam tanto o PHE quanto o NPA não podem ser testadas, sendo elas "premissas genéricas do âmbito científico".
- PHE e NPA podem ser usados como crenças cognitivas expressas por ambientalistas e por segmentos do público em geral (o que corresponde aos meus tipos "biocentrismo" X "antropocentrismo"). Sugestão de indexadores. 
- Referências: 
(a) DUNLAP, R. E.. VAN LIERE, K. D. The New Environmental Paradigm: a proposed measuring instrument and preliminary results. Journal of Environmental Education, v. 9, p. 10-19, 1978. Indexadores. 
(b) COTGROVE, S. Catastrophe or Cornucopia, Chichester: Wiley, 1982. 
(c) CATTON JR., W. R. Overshoot: the ecological basis of revolutionary change. Urbana, Illinois: University of Illinois Press, 1980.

>> Premissas do paradigma da excepcionalidade humana - PHE (Catton & Dunlap, 1978, p. 42-3):
  • O ser humano é singular entre as criaturas da terra, pois tem uma cultura.
  • A cultura pode variar quase que infinitamente, podendo mudar muito mais rapidamente que as características biológicas.
  • Assim, muitas das diferenças humanas são socialmente induzidas e não inatas, podendo ser socialmente alteradas, eliminando-se diferenças inconvenientes.
  • Assim, também, a acumulação cultural significa que o progresso pode continuar sem limites, possibilitando em última análise a solução de todos os problemas sociais.
> Essas premissas teriam resultado na seguinte conclusão: A capacidade do meio ambiente é passível de aumento segundo a necessidade humana. Escassez é uma falácia.


>>> Novo paradigma ambiental - NPA: As sociedades humanas dependem dos ecossistemas em que estão assentadas (Catton & Dunlap, 1978, p. 45).
  • Os seres humanos são apenas uma das muitas espécies que de maneira interdependente estão envolvidas nas comunidades bióticas que moldam nossa vida social.
  • As complexas ligações entre causa e efeito e o feedback na trama da natureza produzem muitas conseqüências não-involuntárias a partir da ação social intencional. 
  • O mundo é finito, existindo assim limites potenciais físicos e biológicos que reprimem o crescimento econômico, o progresso social e outros fenômenos da sociedade.


Semelhança com os argumentos dos "ecologistas políticos" estado-unidenses (R. Carson, B. Commoner, P. Ehrlich, G. Hardin, entre outros).


>>> Críticas ao modelo PHE / NPA: 
"[...] se, conforme sugerido em trabalho anterior de Catton & Dunlap (1978), o NPA é uma novidade para os sociólogos modernos (e por dedução também para o público ocidental), como é possível que haja adesão suficiente às idéias do NPA, que possibilite demonstrar uma variação confiável nos indexadores atitudinais? Que estabilidade e expressão têm essas crenças para aqueles que responderam à pesquisa, ou para que as tivessem endossado nas pesquisas por amostra? Até que ponto existe uma mudança permanente de paradigma nas orientações cognitivas dos públicos de massa, e terá esta mudança força suficiente para provocar mudança social pró-ambiental no futuro?". P. 81.


** Schnaiberg >> Baseia a sua sociologia ambiental na economia política marxista, na sociologia política neomarxista e neoweberiana. Sociedades ecológicas e humanas possuem dinâmicas qualitativamente distintas, motivo pelo qual devem ser compreendidas a partir de conceitos distintos. "Dialética sociedade - meio ambiente" e a "rotina da produção".
- Dialética sociedade - meio ambiente. A expansão econômica das sociedades industriais avançadas deriva da interação de três forças: "1. a expansão econômica das sociedades requer inevitavelmente a maior exploração ambiental; 2. os maiores níveis de exploração ambiental levam invariavelmente a problemas ecológicos...; e 3. estes problemas ecológicos acarretam prováveis restrições à expansão econômica futura (1975, p. 5)". P. 82.
"A tese da dialética é: "o crescimento econômico é uma aspiração social"; ao passo que a da antítese é: "a ruptura ecológica é uma conseqüência inevitável da expansão econômica" (1975, p. 6). A solução da dialética é caracterizada por Schnaiberg em três "sínteses": a econômica, a da escassez planejada e a síntese ecológica. As três sínteses se colocam paralelamente aos cenários da direita, do centro e da esquerda dentro da análise posterior oferecida por Stretton (1976)". P. 82. 
> 3 sínteses possíveis: 
(a) Síntese econômica. Maximização do crescimento econômico sem o saneamento dos problemas ecológicos.
(b) Síntese da escassez planejada (ou síntese da escassez administrada). Modelo de organização do Estado, economia, ciência e tecnologia, no qual sempre existe algum controle da atividade social como forma de tratar os problemas ambientais urgentes. Foco nos problemas ambientais mais severos para permitir uma expansão econômica moderada.
(c) Síntese ecológica. Hipotética. Consistiria em grandes esforços empreendidos para a redução de destruição ambiental, viabilizados através de controles específicos das instituições produtivas e de consumo, especialmente dirigidas àquele objetivo. Nível de expansão econômica restrito ou reduzido, para que produção e consumo sejam sustentados a partir de recursos renováveis. Só terá espaço para existir quando as contradições entre expansão econômica e ruptura ambiental permitirem a criação de uma força política em seu favor.  


- Rotina da produção. Tendência do capital a se concentrar (política e economicamente) na formação de monopólios, o que gera custos ambientais e sociais. "[...] as decisões de investimento tomadas pelo capital no setor de monopólio tendem a ser concentradoras do capital, deslocadoras da mão-de-obra e dependentes dos subsídios públicos, para assumir custos de infra-estrutura e problemas sociais resultantes do crescimento" P. 83.
  • O Estado está dividido entre duas "missões" antagônicas: 1) criação de condições para a acumulação rentável do capital e; 2) incentivo à legitimação da paz social.
  • Rotina da produção >>> A resposta política aos problemas causados pela expansão econômica concentradora de capital tende a se expressar por meio de medidas de incentivo e de apoio à maior expansão. À medida em que a rotina da produção se desenrola, intensifica-se a ruptura ambiental. Por isso, periodicamente, há a ocorrência da escassez planejada que, por sua vez, é pressionada a retornar ao status quo ante, qual seja, à síntese econômica, dentro da qual a rotina da produção torna a se intensificar.    
"Ao mesmo tempo em que descreve a rotina da produção como um mecanismo complexo que se autofortifica, Schnaiberg não reconhece que ela tenha suas limitações ou contradições que a farão vulnerável e sujeita a reformas. Por exemplo, a trajetória da expansão econômica desde a Segunda Guerra Mundial resultou não apenas em problemas ecológicos, mas também, desde o meado da década de 1970, em uma crise aparentemente insolúvel de tensão fiscal do Estado e no desemprego estrutural em massa que ameaçam corroer a harmonia social". P. 84.
  • Como reverter a rotina da produção? Por meio da canalização do excedente da produção para atividades em direção contrária à da "rotina". Essa tarefa só se pode incumbir ao Estado. O Estado, por sua vez, só poderá executá-la na ocorrência de duas condições: crise de confiança na "rotina de produção" + apoio político para a produção fora da "rotina". 
  • O apoio político para a produção fora da "rotina" (por exemplo, uso de tecnologias limpas) se restringia à classe média. Para se tornar viável, deve atingir as classes trabalhadoras.

** Paralelos entre Catton-Dunlap e Schnaiberg >> 
  • A relação homem-meio ambiente, pelo menos no presente momento, tende ao desequilíbrio e a um processo auto-revigorante de ruptura ecológica, resultante da expansão econômica. Refutação da hipótese da "auto-regulagem" e da hipótese da "adaptabilidade das sociedades humanas".
  • Ambos defendem que a crise ecológica nos alerta para a necessidade de superar paradigmas. Para Catton-Dunlap, trata-se do paradigma da excepcionalidade humana; para Schnaiberg, o paradigma da "rotina de produção".



ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O FUTURO DA SOCIOLOGIA AMBIENTAL

** Apesar de ser impotente para redirecionar a sociologia geral, a sociologia ambiental já começou a amadurecer, tendo à sua frente uma gama de idéias e abordagens desafiadoras, e fornecerão estímulo para investigações criativas. Assuntos da sociologia geral que interessam à sociologia ambiental:

1. o "pós-industrialismo" e a economia de serviços; 
2. a economia política da crise econômica e o Estado; 
3. a análise do "curso da vida" e a "nova economia doméstica";  
4. a crescente popularidade da pesquisa histórica comparada.



CONCLUSÃO: O CAMINHO TORTUOSO RUMO À ECOLOGIA HUMANA 

** O artigo buscou contextualizar o "estado da arte" da sociologia ambiental no pensamento social ocidental.

  • Dualidade social e ecológica da espécie humana (tema antigo no pensamento ocidental).
  • A sociologia ambiental poderá iniciar um novo capítulo nos debates entre biologia e ciências sociais: a disciplina já iniciou a tomada de posição sobre a qual as análises de fundo ecológico poderão ser realizadas sem que se negue a validade da perspectiva sociológica.
  • Dificuldade prevista: barreiras de comunicação entre as diversas especializações da sociologia. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Esquema de leitura: Sociabilidade e construção de identidade entre antropocêntricos e ecocêntricos. Sérgio Tavolaro.

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós Graduação em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: TAVOLARO, Sérgio B. F. Sociabilidade e construção de identidade entre antropocêntricos e ecocêntricos. Ambiente & Sociedade, Ano III, N. 6/7, 1º Semestre de 2000 / 2º Semestre de 2000. 



INTRODUÇÃO

** Paradoxo da negação da ruptura entre natureza e cultura na modernidade >>
-- Na modernidade ocorre uma ruptura entre a natureza e a sociedade. Após a ocorrência dessa ruptura, a natureza é resgatada e sobrevalorizada como fonte de subsistência e como detentora de significado "para novas tentativas de dar unidade e sentido a um mundo que, ao menos em parte, caracteriza-se pela dissolução de velhas referências de significação em meio a crescentes processos de racionalização". P. 63. 
-- Paradoxo que se acentua exatamente no momento em que a modernidade alcança o seu ápice de realização. Hipermodernidade (Giddens). A humanidade exerce grande grau de controle sobre os processos naturais; as sociedades humanas alcançaram graus elevadíssimos de complexidade e fragmentação; a ação humana direciona-se quase exclusivamente à consecução de fins.

** Perplexidade do autor: de onde surge, então, esse resgate da natureza? Isso não seria uma espécie de "calo místico", ambiente "re-encantado" ou "sacralizado" no âmbito das sociedades modernas?

-- As organizações civis ambientalistas seriam catalisadoras do re-encantamento do mundo natural, à medida que propõem uma moralidade que paute as relações dos homens entre si e dos homens com a natureza.



DIMENSÕES DA MODERNIDADE

** Constituem dimensões estruturais da modernidade >>
a) Racionalização das concepções de mundo. Possibilidade de o sujeito se indagar quanto às condições sociais e naturais nas quais se encontra inserido, percebendo nelas possibilidades de escolha e de mudança. Não há mais opções sagradas ou dogmáticas a abraçar. Caráter reflexivo da modernidade.
b) Racionalização da normatividade. Estabelecimento de termos consensuais para as relações sociais. Superação da moralidade social pré-estabelecida, tomada como um dado da realidade. Essa moralidade pré-estabelecida se mostrava inflexível às particularidades, idiossincrasias e projetos subjetivos. 
c) Sistema político-administrativo. Autonomização de um sistema político-administrativo: o direito legal (prefiro "direito positivo"). Trata-se de um sistema estatuído racionalmente e constitui-se como um conjunto de regras abstratas, concretizadas por meio de uma estrutura administrativa do tipo burocrática. Impessoalidade é o traço fundamental desse sistema, que desconsidera as peculiaridades e os hábitos tradicionais dos sujeitos sob seu jugo. 
d) Sistema econômico. Autônomo em relação a outras esferas da vida social. Complexificado. Controle dos intercâmbios econômicos pelo uso do dinheiro.
"Assim concebida a modernidade, é possível depreender algumas das principais conseqüências decorrentes do intercâmbio mútuo de suas 4 dimensões: o aumento significativo de situações de alto risco; a monetarização dos âmbitos sociais lingüisticamente mediados; e a burocratização dos âmbitos em que se dão os processos de reprodução cultural, integração social, e socialização." p. 67.




CONSEQUÊNCIAS DO INTERCÂMBIO ENTRE AS QUATRO DIMENSÕES DA MODERNIDADE
a) As situações de alto risco. nível de intervenção tão elevado no mundo natural. fala-se em risco, em condições modernas, como forma de se substituir a inadequada idéia de fortuna (destino): passa-se a conceber o fato de que boa parte dos acontecimentos anteriormente atribuídos à "fatalidade", ou à "cólera divina" são, na verdade, uma conseqüência de nossas próprias atividades e decisões 
b) A monetarização do "mundo da vida". Expansão do sistema econômico para além de suas fronteiras. Representado por fenômenos como o consumismo, o individualismo possessivo, as motivações relacionadas com o rendimento e a competitividade. 
c) A burocratização do "mundo da vida". Âmbitos lingüisticamente mediados tornam-se "colonizados" pelo sistema político-administrativo.



A SEGUNDA ONDA DE AÇÃO AMBIENTAL: AMBIENTALISMO E MODERNIDADE

** Preocupação com o meio ambiente não é novidade. Há séculos ocorrem manifestações de resgate do mundo natural em contextos sociais de racionalização da produção e das relações intersubjetivas.
-- Keith Thomas > Quanto mais as bases da organização social da Inglaterra dos anos 1500 a 1800 afastavam os homens da natureza, mais freqüentes eram as tentativas de reaproximação física ou simbólica com o mundo natural. 
-- McCormick > Em meados do século XIX essas preocupações tornaram-se tão intensas que ensejaram a criação das primeiras organizações de proteção da natureza. Em 1880, sociedades de história natural e clubes de campo no interior da Inglaterra reuniam por volta de 100 mil membros. 

** Primeira onda de ação ambiental no Ocidente Europeu: 1880 a 1910 (de acordo com Russel Dalton). Além das organizações, o período testemunhou o surgimento de diversas legislações de proteção à natureza.

-- Dormência do movimento, até em função das duas Guerras Mundiais. 1910 a 1970 (Essa afirmativa tem que ser muito relativizada. Houve dormência, mas as décadas de 20 e 30 testemunharam o nascimento de diversas normas e iniciativas ambientais. Além disso, a década de 1960 foi profícua, inclusive alimentando a demanda pela Convenção de Estocolmo, ocorrida em 1972).  

** Segunda onda de ação ambiental no Ocidente Europeu: percorreu quase toda a Europa Ocidental entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970.

-- Final dos anos 1960: emergência de grande quantidade de organizações ambientalistas. Mudança no enfoque das preocupações que, da preservação da vida selvagem, migrou para a nova realidade vivida pelas economias industriais: energia nuclear, escassez de recursos naturais, lixo tóxico, chuva ácida, a proteção da qualidade de vida. 
-- No Brasil, ocorre na década de 1970. Surgimento das primeiras associações ambientalistas marcadamente mais críticas em relação ao padrão de desenvolvimento adotado pela civilização ocidental (e a FBCN?).

** Abordagem Teórica. Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas.

-- Modernidade: surgimento de conflitos que diferem daqueles centrados na produção material. Os novos conflitos encontram-se vinculados à "gramática das formas de vida": qualidade de vida, direitos iguais, auto-realização individual, participação e direitos humanos.
-- Exemplos de movimentos vinculados à "gramática das formas de vida": movimentos antinuclear, ambientalista, pacifista; movimentos locais; movimentos alternativos (rurais e urbanos); movimentos de minorias (mulheres, idosos, gays, deficientes físicos, negros); fundamentalismos religiosos; protestos contra impostos; protestos escolares por parte das associações de pais; movimentos de resistência a reformas "modernistas"; movimentos por autonomia regional, lingüística, cultural; movimentos de independência nacional e religiosa.

** Claus Offe >> Movimentos sociais estão associados ao medo e à ansiedade que resultam de violações ou ameaças para a integridade do corpo, da vida, ou do modo de vida.

-- Problema de pesquisa e hipótese: Se movimentos sociais estão atrelados ao medo e à ansiedade, não estaria o ambientalismo (ou pelo menos uma parte dele) construindo mitos capazes de recriar uma pretensa unidade entre humanidade e natureza, como uma pretensa forma de realização da plenitude perdida com o advento da secular modernidade? Se isso é verdade, há limites em qualificar organizações ambientalistas, simultaneamente, como produtos e catalisadores de modernidade. 
-- Limites da análise. Fragmentação interna do ambientalismo. A natureza é concebida de maneiras diferentes pelas diversas correntes ambientalistas. A própria incerteza e a forma de lidar com os riscos do futuro também ocorrem de maneiras distintas. 
-- Conclusão do trabalho: certas associações não só expressam como levam adiante os valores da modernidade em maior grau do que outras.



AS NATUREZAS DAS ASSOCIAÇÕES AMBIENTALISTAS: SOCIABILIDADE E IDENTIDADE ENTRE ANTROPOCÊNTRICOS E ECOCÊNTRICOS


** Antropocentrismo X Ecocentrismo. Corte analítico mais eficiente para diferenciar as organizações da sociedade civil que se definem pela defesa da natureza.
"o primeiro 'approach' [antropocêntrico] é caracterizado por sua preocupação de articular uma teoria política que ofereça novas oportunidades para a emancipação humana e sua realização numa sociedade ecologicamente sustentável. O segundo 'approach' [ecocêntrico] persegue esses mesmos objetivos no contexto de uma noção mais ampla de emancipação que também reconheça o lugar moral do mundo não-humano e almeje assegurar que ele também se realize nas suas várias maneiras" (ECKERSLEY, 1992: 26).
** As principais tendências do ambientalismo oscilam entre dois polos (na maneira de conceber o mundo natural, de internalizar a natureza, de propor soluções e construir identidade): o antropocentrismo e o ecocentrismo. Citam-se, como principais tendências, o conservacionismo, a ecologia do bem-estar humano, o preservacionismo, o movimento de liberação animal, e o ecocentrismo. (p. 73).


** Conservacionismo >
-- Raízes na doutrina de Gifford Pinchot (primeiro chefe do United States Forest Service). Preocupação central: eliminação do desperdício nos processos de intervenção na natureza. "Desenvolvimento" era tratado como princípio primeiro de conservação da natureza, seguido pelas idéias de "prevenção do desperdício" e "desenvolvimento para o benefício de muitos, e não meramente para o proveito de poucos". 
-- Fortalecimento vigoroso do conservacionismo, após a Segunda Guerra Mundial, em vários países da Europa Ocidental (especialmente Holanda, França, Bélgica e Reino Unido), frente à necessidade de planejar a reconstrução das áreas arruinadas pela guerra. 
-- Caráter explicitamente antropocêntrico, utilitário, que almeja conseguir mais bens para cada vez mais pessoas.

** Ecologia do bem-estar humano >

-- Tendência que mais se fortaleceu a partir dos anos 1950, fundamentalmente em decorrência das altas taxas de urbanização e industrialização nas complexas e democráticas sociedades contemporâneas. Preocupação com o ambiente urbano ocupado por cidadãos, consumidores e chefes de família que, a partir dos anos 1950, assistiram a abruptos crescimentos urbanos e da degradação ambiental. Também conhecida como "novo ambientalismo".
-- Temas típicos dessa vertente: acúmulo de lixo tóxico ou de dejetos intratáveis no meio ambiente; intensificação de poluição generalizada no solo, ar e água; emergência de doenças associadas às sociedades ricas (doenças do coração e câncer); ameaças advindas do uso da energia nuclear; ameaças representadas pelo lixo atômico, ameaças provocadas pelo aquecimento global e pela diminuição da camada de ozônio. 
-- Caráter eminentemente antropocêntrico.

** Preservacionismo >
-- Reverência à natureza: apreciação estética e espiritual da natureza não-humana que não foi ou foi somente marginalmente domesticada pelos humanos. "Preservar evitando desenvolver".
-- Trata-se de um caminhar em direção ao pólo ecocêntrico do espectro ambientalista.

** Liberação animal >
-- Trata-se de um caminhar em direção ao pólo ecocêntrico do espectro ambientalista.

** Ecocentrismo
-- Para os ecocêntricos, "o mundo é intrinsecamente dinâmico, uma rede interconectada de relações nas quais não há entidades absolutamente discretas e não há linhas divisórias absolutas entre o mundo vivente e o mundo não-vivente, seres inanimados e animados, ou mundo humano e mundo não humano" (ECKERSLEY, 1992: 49). Três principais subtendências: 
a) Ecocentrismo autopoiético. Atribui valor intrínseco a todas as entidades que são primeira e continuamente voltadas à regeneração de sua própria atividade organizacional (escalas: indivíduo, espécies, ecossistemas e ecosfera). P. 75.
b) Ecocentrismo transpessoal. Fundado na "ecologia profunda" e no cultivo de um senso mais amplo do 'self': processo cotidiano psicológico de identificação com as "outras entidades" da natureza. Busca de uma experiência do 'self' que se estenda para além de um sentido biográfico, pessoal, egoísta, por meio da inclusão de todos os seres existentes, essencialmente interconectados em seus destinos. (p. 75)
c) Ecofeminismo. Associação histórica e simbólica da mulher com a natureza. Crítica à dominação do homem sobre a mulher ao mesmo tempo que do homem sobre o mundo natural, em sua totalidade (p. 75)

Novo ambientalismo e conservacionismo resgatam a natureza mantendo o homem como referência. Preservacionistas e organizações pela liberação animal reconciliam a natureza e o homem empurrando o peso da escala para seu lado ecocêntrico, dotando de valor intrínseco seres não humanos. Ecocêntricos, por sua vez, dotam o mundo não-humano de valor tão relevante quanto aquele atribuído ao mundo humano.


** Preservacionismo, Liberação animal e Ecocentrismo, embora incorporem concepções científicas dos fenômenos humanos e naturais, tenderiam a re-encantar as relações entre humanos e natureza (além da relação dos humanos entre si). Seriam, nesse sentido, anti-modernas ou não-modernas. P. 76.

[...] por um lado, conservacionistas, ecologistas do bem-estar humano, preservacionistas, movimento de liberação animal e ecocêntrico emergem na tentativa de se resguardarem diante dos processos de colonização sistêmica do mundo da vida, isto é, para fazer frente ao déficit de integração social, perda de sentido e de significado que o transbordamento dos imperativos sistêmicos, para além de seus âmbitos de ação, acaba por desencadear. Mas, por outro lado, as associações ambientalistas deixam de ser genericamente qualificáveis como "atores sociais catalisadores dos valores da modernidade" no momento em que consideramos as maneiras particulares através das quais, ao lidar com as incertezas e com os riscos ambientais, propõem sociabilidades e constróem suas identidades muitas vezes reencantando a relação dos homens com o mundo natural e deles entre si. p. 75 e 76.



TESE CENTRAL

** Polo antropocêntrico > Neste polo, situado dentro do paradigma iluminista, a natureza permanece desencantada e figura como objeto. Natureza passiva. Os seres humanos continuam sendo a finalidade principal de toda a ação humana.

** Polo ecocêntrico > Recuperação de mitos, reinvenção de tradições. A natureza volta a ocupar posição central na interpretação da vida cotidiana, na construção de relações interpessoais. Re-sacralização da natureza. Natureza progressivamente mais ativa e determinante. Seres humanos e não-humanos passam a ocupar posição de igualdade na elaboração de uma normatividade capaz de gerar expectativas de comportamento pelos seres humanos. Luta-se para que o próprio mundo natural seja considerado como sujeito de direitos.
Ora, quanto mais próximas de uma perspectiva antropocêntrica, mais as associações em questão trazem em seu seio uma sociabilidade no interior da qual a natureza é objeto de discussão, objeto de debates e de decisão, ocupando, porém, uma posição apenas passiva na busca racionalmente motivada de normas que pautem expectativas de comportamento sob termos compartilhados (FERREIRA, 1996a; NICKEL & VIOLA, 1994). Não há, pois, um rompimento profundo com os valores do Iluminismo, cuja suposta prevalência faz Habermas defender a idéia segundo a qual vivemos um momento em que o inacabado projeto da modernidade encontra-se bem mais próximo de sua realização. Ao trazer o mundo natural para um lugar de importância na determinação das relações dos homens entre si e de seus intercâmbios com a natureza, sem contudo deixar de priorizar o ser humano e sem deixar de qualificá-lo como o fim definitivo de todas as realizações, conservacionistas e ecologistas do bem-estar humano lutam por fazer da natureza um objeto de direitos a ser formalmente conquistado e democraticamente acessível (FERREIRA, 1996a; TAVOLARO, 2001). 
À medida em que caminhamos em direção ao segundo termo do espectro antropocentrismo - ecocentrismo, uma forte carga simbólica passa a ser depositada sobre o mundo natural na proposição de sociabilidades e na construção de identidades pelas organizações civis ambientalistas. A partir da recuperação de mitos, de elementos religiosos, tradicionais, isto é, elementos para os quais não se pode dar uma fundamentação racional, concepções são construídas de maneira a dotar a natureza de tarefa significante para as relações sociais, ou seja, a natureza vai gradativamente recuperando um poder simbólico e sensorial às relações humanas que o Iluminismo e todo o processo de racionalização acreditavam ter eliminado . É assim que preservacionistas, movimento de liberação animal, e ecocêntricos, propriamente ditos, dotam o mundo natural de sentimentos, sensações, atitudes, trajetórias de vida, disposições e outras características marcadamente humanas sem efetivamente fundamentar, em bases racionais, tais transferências de qualidades. p. 76.




Como seria possível tal fenômeno se, como quer Habermas, uma vez atingido um determinado estágio de moralidade, não é possível retroceder?




** Minha pergunta ao autor: Certeza que se trata de um retrocesso ético? A atribuição de direitos à natureza parece mais uma apuração da sensibilidade e da suscetibilidade. Nash entende que se trata do estágio final de ampliação do individualismo, processo histórico pelo qual direitos foram progressivamente atribuídos a grupos minoritários, tais como estrangeiros, mulheres, escravos, negros.



MODERNIDADE, AMBIENTALISMO E O POLISSÊMICO CAMPO DISCURSIVO DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

** Premissas:
-- As complexas sociedades ocidentais contemporâneas encontram-se perpassadas por processos de racionalização, de dessacralização (secularização) do mundo, por ganhos de reflexividade voltados ao 'Eu' e à construção de identidades.


-- Nessas sociedades, um subsistema político-administrativo e um subsistema econômico se complexificaram e se autonomizaram dos demais âmbitos sociais a ponto de terem ganho dinâmica própria e, em seguida, de ameaçarem os âmbitos lingüisticamente mediados, voltados para a busca do entendimento ("mundo da vida").
-- Então, "a modernidade pode ser entendida como o momento em que o social se complexifica de maneira jamais vista, onde âmbitos sociais responsáveis pela administração, regulação política, e pela produção e reprodução material se autonomizam e passam a se dinamizar fundamentalmente por uma lógica estratégico instrumental. Trata-se ainda de um momento em que uma moralidade pós-convencional, regida por princípios universais e abstratos, passa a ocupar posição nodal num todo social marcadamente instável e de-centrado, chamando para si a tarefa de significação da totalidade". P.80

** Portanto:
-- É esperada a polissemia dos conceitos, o transbordamento de significados e significações que mesclam-se entre si, bem como a pluralidade de formas de internalização da natureza, de propostas de sociabilidade e de construção de identidades.
-- Não surpreende que no interior da própria modernidade, emerjam vozes que apontam para suas limitações e tendências insustentáveis.
Se, hoje, concepções que tendem a reencantar as relações dos homens com o mundo natural não só mostram-se mescladas com elementos que derivam de concepções empírico-científicas como também são incapazes de encontrar tanta reverberação social isso se deve ao fato dos valores da modernidade ocuparem posições de proeminência no social. Contudo, mais uma vez, as modernas sociedades ocidentais apresentam-se como um campo discursivo habitado pelas mais variadas significações, entre elas as que creditam voz ativa a seres inanimados. A natureza pode, então, vir a ser dotada de características mágicas num mundo hegemonicamente secular, sem que tal fenômeno represente um absurdo para a análise sociológica. P. 81.


** Referências bibliográficas interessantes:
-- DALTON, R. The Green Rainbow: environmental groups in Western Europe, New Haven, Yale University Press. 
-- ECKERSLEY, R. Environmentalism and Political Theory: toward an ecocentric approach, Albany, State University of New York Press, 1992.

Artigo publicado em periódico. De naturalista a militante: a trajetória de Rachel Carson

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