sábado, 5 de julho de 2014

Esquema de leitura: O conceito de biodiversidade e a história da Biologia da Conservação, José Luiz Franco

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplina: Fronteira, Recursos Naturais e Conservação da Natureza.
Professores: José Luiz Franco e José Augusto Drummond
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura: FRANCO, José Luiz de Andrade. O conceito de biodiversidade e a história da Biologia da Conservação: da preservação da wilderness à conservação da biodiversidade. História (São Paulo), v. 32, n.2, p. 21-48, jul/dez 2013.

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Objeto, objetivos e justificativas do artigo

** Conteúdo do conceito de biodiversidade.

** Apresentação do contexto intelectual e debates que originaram a formulação do conceito de biodiversidade.

** História da Biologia da Conservação, que nasceu da fusão de saberes científicos, apreciações estéticas e éticas.


O conceito de biodiversidade

** A percepção da variedade de formas de vida é tão antiga quanto a autoconsciência da espécie humana.

** Não obstante, o conceito de biodiversidade é recente: foi cunhado em 1985 por Walter G. Rosen, enquanto planejava a realização de um fórum acerca da diversidade biológica (o National Forum on Biodiversity).

** Contexto de realização do National Forum on Biodiversity: demanda da sociedade e do meio científico, por saberes acerca da diversidade da vida e acerca da sua conservação.
-- 1968. Publicação do livro “A Different Kind of Country”, de Raymond Dasmann. Utilização do termo “diversidade biológica”. 
-- 1979. Publicação, por Norman Meyers, do livro: “The Sinking Ark, a new look at the problem of disappearing species”. Alertava para a ocorrência de uma crise global de extinção de espécies, tal como aquela que extinguira os dinossauros há 65 milhões de anos: em decorrência da intervenção humana, a taxa de extinção de espécies estava muito acima do que seria esperado se considerado apenas o processo evolutivo. 
-- Década de 1980. As questões envolvendo “diversidade da vida” ou “diversidade natural” estiveram, quer na pauta das pesquisas científicas, quer na pauta das reivindicações da sociedade civil. Eram, em verdade, questões herdadas da tradição relacionada à criação de parques e reservas naturais. 
(a) Resgate do termo “diversidade biológica” pelo biólogo da WWF, Thomas Lovejoy, no prefácio à coletânea organizada por Michael E. Soulé e Bruce A. Wilcox, Conservation Biology: An Evolutionary-Ecological Perspective, de 1980. 
(b) 1982. Ernst Mayr publica “The growth of biological thought: diversity, evolution, and inheritance”, ressaltando que a diversidade da vida é a principal força propulsora da Biologia. 
(c) 1985: Fundação da Society for Conservation Biology (SCB). 
(d) 1987: primeiro número da revista Conservation Biology, principal veículo de divulgação científica e debate sobre as questões relacionadas com a biodiversidade. 
(e) 1988. Edward O. Wilson publica a coletânea Biodiversity, cunhando pela primeira vez o conceito de biodiversidade (contração de diversidade biológica). O livro contém textos de Wilson, Paul R. Ehrlich, Norman Myers, David Ehrenfeld, Robert E. Jenkins, Thomas E. Lovejoy, Lester R. Brown, Michael Soulé e James Lovelock e apresenta os resultados do National Forum on Biodiversity.

** Principais discussões do National Forum on Biodiversity: preocupação com a destruição de habitats e com a extinção acelerada de espécies.

O National Forum on BioDiversity e o livro Biodiversity foram, ao mesmo tempo, ponto de chegada e ponto de partida para os esforços relacionados com a conservação da natureza. Foram um ponto de convergência para a reflexão sobre o conhecimento acumulado durante anos de pesquisas a respeito da diversidade biológica e de práticas voltadas para a conservação dela. O conceito de biodiversidade e o consenso entre cientistas e ativistas sobre a urgência em evitar que a biodiversidade continuasse a ser destruída pelos excessos da espécie humana conduziram a um deslocamento na maneira de enfocar a questão da conservação da natureza. De uma preocupação com a preservação da wilderness, com suas paisagens sublimes e com a fauna e a flora carismáticas, aos poucos, houve uma transição para a noção de conservação da biodiversidade. Pp. 24 e 25.


** O deslocamento da discussão (preservação da wilderness >>> preservação da biodiversidade) vinha ocorrendo desde 1930/1940, quando da “Grande Síntese”, nome pelo qual ficou conhecida da confirmação das teorias darwinistas a respeito da evolução das espécies e da seleção natural.


** Uma vez ratificadas as teorias de Charles Darwin, os biólogos foram chamados a se preocupar com a definição de “espécie”, com a pluralidade de espécies, com a pluralidade de habitats que servem de suporte às diferentes espécies e com a influência dessas diferentes espécies em seus habitats. Dessa forma, os termos “diversidade biológica” e “biodiversidade” surgiram para dar conta de questões relacionadas com temas fundamentais da Ecologia e da Biologia Evolutiva.


** A noção de biodiversidade é vaga e sua medição não é tarefa simplória.


** Na Rio/92, foi lançada, pelo PNUMA, a Convenção sobre Diversidade Biológica, definindo-se biodiversidade a partir de três níveis: diversidade de espécies, diversidade genética e diversidade de ecossistemas.


A História da Biologia da Conservação

** A Biologia da Conservação surgiu como uma resposta da comunidade científica à crise mundial da biodiversidade, compreendida como o conjunto de impactos antrópicos sobre a diversidade biológica, provocando a extinção de espécies a uma taxa de 100 a 1000 vezes acima do que seria o normal no processo evolutivo. 
-- A biodiversidade não foi feita pelos humanos, nem para os humanos. Consequência: atribuição de “cidadania” às diversas formas de vida (mesmo as que não são consideradas belas ou úteis) e aos ecossistemas (mesmo os que não são considerados agradáveis e dignos de serem admirados como paisagem). 
-- A perda de biodiversidade é consequência direta da destruição de habitats (principal causa), das espécies invasoras, da poluição e da exploração excessiva (caça, pesca e coleta).

A partir da Biologia da Conservação, a biodiversidade, em todas as suas formas, passa a ser considerada importante e portadora de um valor intrínseco.

** A Biologia da Conservação, dada a sua finalidade (conservação da Biodiversidade) une saberes genéticos, manejo de recursos pesqueiros e florestais, Ética, Política.


** Percepção da relação espécies-área >>> Tanto maior a área nativa, tanto maior o número de espécies que ela comporta.
-- Discussão, essencial à Biologia da Conservação, suscitada por precursores tão antigos como Johann Reinhold Forster, H.C. Watson e Jaccard (século XVIII). 
-- No século XX: Olof Arrhenius e Henry Allan Gleason; Philip Darlington; Frank Preston. 
-- Mais recentemente: Jared Diamond, James Brown, Robert May, Edwin O. Willis e John Terborgh.

** Frank Preston >>> Formulou a equação, famosa entre biólogos da conservação, segundo a qual S = cAz, em que “S” corresponde ao número de espécies; “A” ao tamanho da área. “c” e “z” variam: “c”, conforme o grupo taxonômico e a região geográfica, e “z”, de acordo com o grau mais drástico ou mais suave com que o número de espécies diminui à medida que diminui a área.


** Robert H. MacArthur e Edward O. Wilson >>>
-- The Theory of Island Biogeography >>> Marco fundador da Biologia da Conservação. Livro de autoria de Robert H. MacArthur (biólogo e matemático, formado na Universidade de Brown, falecido prematuramente, aos 42 anos de idade) e Edward O. Wilson (taxonomista e ecólogo, Universidade de Harvard, figura chave nos debates acerca da Biologia da Conservação). 
-- A obra demonstra que “a quantidade de espécies em determinada ilha varia de acordo com a sua área – efeito área – e com a distância de grandes massas de terra, como os continentes ou mesmo ilhas maiores – efeito distância” (pp. 29): ilhas remotas dispõem de menor número de espécies porque sofrem extinções e recebem menos migrações (pp.30). 
-- Também agregou à Biologia da Conservação o conceito de turnover, para indicar a substituição de determinadas espécies por outras, com a manutenção de um equilíbrio no número de espécies. 
-- A Teoria da Biogeografia de Ilhas aplica-se na compreensão dos efeitos da fragmentação de habitats sobre a biodiversidade. Não ficou restrita às ilhas geográficas: estendeu-se aos fragmentos de áreas virgens isolados e às unidades de conservação ("natureza insulada pela ocupação humana"). Noção de ilhas dentro do continente. O seu impacto sobre a ecologia e a biologia das populações foi enorme.


** Debate SLOSS >>>
-- Início em 1976, com a polêmica suscitada por Daniel Simberloff e Lawrence Abele. 
-- Single-Large ou Several Small? Qual seria o melhor formato de UC para proteção da biodiversidade?
Seria mesmo melhor uma grande reserva do que várias reservas pequenas isoladas? O ano de 1976 marcou o início do debate SLOSS – single large or several small. Daniel Simberloff e Lawrence Abele desencadearam a polêmica com o artigo Island biogeography theory and conservation practice, publicado na revista Science. Eles argumentavam, sobretudo, contra as generalizações, defendendo a ideia de que pequenas reservas isoladas poderiam eventualmente conter maior número de espécies do que uma única grande. Cabia avaliar caso a caso. As reações não tardaram. Ainda em 1976, a revista Science publicou uma série de réplicas e a tréplica em uma seção intitulada Island biogeography and conservation: Strategy and limitations.
O debate SLOSS prosseguiu até o final da década de 1970 e entrou pela década de 1980. [...]. Argumentos importantes foram arrolados de ambos os lados, mas não houve conclusão triunfal. A polêmica teve, no entanto, um efeito seminal, pois estimulou a realização de pesquisas e a formulação de conceitos. PP. 34.



** Thomas Lovejoy >>>
-- Maior projeto de pesquisa com o objetivo de compreender os efeitos da fragmentação de habitats. 
-- PDBFF (Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais), iniciado em 1979. Realizado na Amazônia Brasileira, próximo à cidade de Manaus-AM, onde fazendeiros movidos por incentivos fiscais derrubavam a floresta para iniciar criações de gado.  
-- Conceito: Decaimento de Ecossistemas. Refere-se à extinção de espécies em habitats fragmentados. Corresponde ao conceito de Jared Diamond, “relaxação para o equilíbrio”.

Foram observados também os efeitos de borda e a deterioração de habitats nos fragmentos. [...]. Além da importância da área dos fragmentos na determinação da quantidade de espécies que permaneciam, constatou-se que a variedade de habitats era fundamental para a diversidade de espécies. Assim, fragmentos pequenos, que constituíam habitats diferenciados, podiam abrigar espécies diferentes de táxons menos exigentes em área. Pp. 34.



** Paul R. Ehrlich >>>
-- Ecólogo preocupado com a expansão populacional humana e com a extinção das espécies. 
-- Atuou na “outra perna” da Biologia da Conservação, a biologia populacional. 
-- Influenciou Michael Soulé e Michael Gilpin, que desenvolveram estudos acerca da população viável mínima de cada espécie e acerca dos processos que poderiam levá-la à extinção. 
-- Problemas suscitados: estudo das probabilidades de sobrevivência das diferentes espécies e dos fatores que poderiam levá-las à extinção.


** Michael Gilpin >>>
-- Físico com doutorado em ecologia. 
-- Interessado na genética de populações, nas interações entre predadores e presas e na competição entre espécies similares. 
-- Colaborador de J. Diamond (debate SLOSS) e M. Soulé (conceito de metapopulação). 
-- Problemas de pesquisa: população viável mínima e processos que levam à extinção.


** William D. Newmark >>>
-- Cientista político interessado em ecologia. 
-- Comprovou o decaimento de ecossistemas em paisagens fragmentadas e alguns dos fundamentos da teoria do equilíbrio da biogeografia de ilhas por meio de pesquisas nos Parques Nacionais Norte-Americanos. 
-- Demonstrou que, à medida em que os parques se tornavam fragmentos isolados de habitats, perdiam em número e representatividade de espécies.


** Mark Schaffer >>>
-- Cunhou, no final dos anos 1970, o conceito de “população viável mínima” (MVP), correspondente ao tamanho mínimo de determinada espécie capaz de sobreviver por um século, a uma probabilidade de 95%. 
-- Classificou as causas que podem levar uma espécie à extinção: fatores determinísticos (derivam da interferência humana) ou fatores estocásticos (derivam de acidentes genéticos, demográficos ou a ambientais).


** Michael Soulé >>>
-- Arquiteto da Biologia da Conservação. 
-- Reuniu, ao longo dos anos 80, em uma série de eventos e publicações, os principais cientistas envolvidos com as questões relacionadas com a conservação da diversidade biológica. 
-- The Strategy of Conservation, 1980-2000. O autor indicava os rumos a serem seguidos para salvar espécies e ecossistemas ameaçados. O livro é considerado por muitos a fundação da Biologia da Conservação.


** Ian Franklin >>>
-- Diferenciação entre população censitária (total) e população efetiva (que é capaz de se reproduzir). 
-- “Regra 50/500”: 50 era o número de indivíduos suficientes para evitar a endogamia ou consanguinidade a curto prazo; 500, o número mínimo para garantir a adaptabilidade.

** As constatações da Biologia da Conservação -- extinção de habitats, extinções de espécies, necessidade de constituição de unidades de conservação, etc. -- acabaram por conclamar os biólogos à ação política.

A biologia da conservação se tornou o grande fórum de debate sobre as questões relacionadas com a destruição de habitats e a extinção de espécies. Como, além de produzir conhecimentos, os praticantes da disciplina pretendem atuar no “mundo real”, a biologia da conservação acaba por se embrenhar no campo da ética, da filosofia, da economia e das ciências sociais. Ela amplia o âmbito das preocupações com a conservação, atribuindo “cidadania” a ecossistemas e espécies pouco carismáticos. Se mostra sensível às diferenças culturais e às necessidades dos mais variados grupos sociais. Mas, sobretudo, ela se insere em uma tradição de valorização do caráter transcendente do patrimônio natural, ou seja, ela comunga da percepção de que a natureza tem um valor intrínseco. Pp. 41.

Artigo publicado em periódico. De naturalista a militante: a trajetória de Rachel Carson

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