quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ensaio: Considerações acerca do ativismo judicial

No Estado Liberal, fundado logo após a Revolução Francesa e marcado pela edição do Código Civil Napoleônico, vigorava a idéia de que o juiz era "a boca da lei". Aqui, em homenagem ao recém-institucionalizado Princípio da Tripartição dos Poderes (ou funções estatais), cabia ao magistrado (e, por extensão, aos juristas) tão-somente dizer o direito, e não criar o direito.

A escola francesa da Exegese entendia, por exemplo, que o jurista deveria privilegiar a interpretação gramatical ou literal da norma jurídica, até mesmo pra que o Judiciário, visto com desconfiança pelos revolucionários, não invadisse a esfera do Legislativo.

A tese da neutralidade do juiz, defendida pela Escola da Exegese, nao se sustenta. Essa circunstância, observe-se, não pode ser tomada como demérito para os juristas: mesmo nas ciências naturais recentes estudos atestam que a trajetória de um objeto é afetada pela presença ou pelo olhar do observador. 

A neutralidade do magistrado é tese tão ultrapassada que a negava até mesmo Hans Kelsen, pai fundador do Juspositivismo e árduo defensor da separação entre sein (ser, juízo de fato) e sollen (dever ser, juízo de valor) no âmbito da Ciência Jurídica. Na Teoria Pura do Direito, ao tratar do estatuto científico do Direito, Hans Kelsen deixa claro que o magistrado atuava como verdadeiro legislador dos casos concretos. A sentença proferida pelo magistrado representava o resultado dessa atividade legiferante secundária.

Nesse sentido, o Judiciário desde sempre atuou expressamente na criação e transformação do Ordenamento Jurídico. Desde que foi fundado como instituição autônoma, o Judiciário, por meio da aplicação das normas aos casos concretos, vem sendo guardião de valores socialmente relevantes. 

Mesmo assim, pelo menos até a década de 1990, a jurisprudência servia apenas como fonte secundária ou terciária do Direito. A letra seca da lei e as interpretações doutrinárias pareciam muito mais relevantes. 

Talvez pela adoção de novas tecnologias da comunicação, talvez pela necessidade de adequar as normas infraconstitucionais à jovem Constituição Federal de 1988, talvez pelo crescimento quantitativo atroz de lides judicializadas, os atores do Judiciário passaram a buscar certa uniformidade entre os julgados, eliminando, assim, incoerências sistêmicas.

No cotejo de todas as regras infraconstitucionais com os novos princípios constitucionais, "norma-regra" e "norma-princípio" mudaram de posição. E exatamente porque os princípios são muito mais fluidos que as regras, enorme carga valorativa acabou inundando os ordenamentos jurídicos, de modo que todas as regras passaram a ser analisadas por seu conteúdo político ou potencialmente político.

Os assim chamados "direitos fundamentais" (direitos humanos positivados), nesse contexto, acabaram se convertendo em instrumento especial de intervenção do Judiciário na (re-) adequação e (re-) criação do Direito.

Ora, se toda ordem jurídica deve se adequar à ordem constitucional; se o "núcleo duro" da ordem constitucional são os direitos fundamentais, só se pode deduzir que toda ordem jurídica deve estar a serviço da concreção dos direitos fundamentais.

A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira gerações. Os dirietos de primeira geração, conhecidos como "Direitos de Liberdade" são os diritos civis e políticos. Em geral, sua concretização depende da abstenção do Estado, ou seja, de o Estado nao intervir nesta ou naquela esfera individual.

Os direitos de segunda e de terceira gerações, por seu turno, demandam articulação do Estado, desenvolvimento e implantação de políticas públicas efetivas, tais como prestação de serviços educacionais ou de saúde (direitos fundamentais de segunda geração) ou de combate a todas as formas de poluição (direitos fundamentais de terceira geração).

É aqui, na efetivação dos direitos fundamentais de segunda e terceira gerações que o Judiciário pode imiscuir-se mais profundamente nos assuntos afetos ao Executivo ou ao Legislativo, ao ponto de rejeitar até mesmo a tese da não intervenção do Judiciário na discricionariedade dos agentes públicos.

De acordo como novos entendimentos de constitucionalistas e administrativistas, até mesmo o ato discricionário deveria contemplar a concreção dos direitos fundamentais. Noutras palavras, direitos fundamentais consistem a meta última da ordem estatal, permitindo-se ao Judiciário fiscalizar o Executivo na aplicação de políticas voltadas para tal fim.


Brasília/DF, 11 de Julho de 2012.

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