quarta-feira, 25 de julho de 2012

Esquema de Leitura: Idéias Políticas de John Locke

CONTEXTO HISTÓRICO 
  • Revolução Inglesa: conflitos entre os representantes do Parlamento (encabeçados por Cromwell e, mais tarde, por Guilherme de Orange, Chefe de Estado dos Países Baixos) e os Stuart (Carlos I, Carlos II e Jaime II), soberanos absolutistas;
  • As guerras civis inglesas envolviam disputas:

A) Entre simpatizantes do absolutismo e defensores do Parlamento;

B) Entre católicos, presbiterianos, puritanos e anglicanos;
C) Entre beneficiários de privilégios mercantis concedidos pelos monarcas e defensores da liberdade de comércio e de produção
  • Revolução Gloriosa = Representou o triunfo do liberalismo político (Guilherme de Orange) sobre o absolutismo (Jaime II).
  • Aprovação da Bill of Rights, em 1689, por Guilherme de Orange e Maria II, marcando a supremacia legal do Parlamento sobre o Monarca. A Inglaterra torna-se uma monarquia limitada. 
Os Lords, espirituais e temporais e os membros da Câmara dos Comuns declaram, desde logo, o seguinte:
Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento.   
Que, do mesmo modo, é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento, como anteriormente se tem verificado, por meio de uma usurpação notória. 
Que tanto a Comissão para formar o último Tribunal, para as coisas eclesiásticas, como qualquer outra Comissão do Tribunal da mesma classe são ilegais ou perniciosas.  
Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio.  
Que os súditos têm direitos de apresentar petições ao Rei, sendo ilegais as prisões vexações de qualquer espécie que sofram por esta causa.  
Que o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de paz é contrário a lei, se não proceder a autorização do Parlamento.    
Que os súditos protestantes podem ter, para a sua defesa, as armas necessárias à sua condição e permitidas por lei.  
Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento.  
Que os discursos pronunciados nos debates do Parlamento não devem ser examinados senão por ele mesmo, e não em outro Tribunal ou sítio algum.  
Que não se exigirão fianças exorbitantes, impostos excessivos, nem se imporão penas demasiado severas.  
Que a lista dos jurados eleitos deverá fazer-se em devida forma e ser notificada; que os jurados que decidem sobre a sorte das pessoas nas questões de alta traição deverão ser livres proprietários de terras.  
Que são contrárias as leis, e, portanto, nulas, todas as concessões ou promessas de dar a outros os bens confiscados a pessoas acusadas, antes de se acharem estas condenadas.  
Que é indispensável convocar com freqüência os Parlamentos para satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e conservar as leis.  
Reclamam e pedem, com repetidas instâncias, todo o mencionado, considerando-o como um conjunto de direitos e liberdades incontestáveis, como também, que para o futuro não se firmem precedentes nem se deduza conseqüência alguma em prejuízo do povo.  
A esta petição de seus direitos fomos estimulados, particularmente, pela declaração de S. A. o Príncipe de Orange (depois Guilherme III), que levará a termo a liberdade do país, que se acha tão adiantada, e esperamos que não permitirá sejam desconhecidos os direitos que acabamos de recordar, nem que se reproduzam os atentados contra a sua religião, direitos e liberdades.

 JOHN LOCKE

  • 1632 (Bristol) – 1704
  • Seu pai, também chamado John Locke, era comerciante puritano e havia combatido nas fileiras do exército do Parlamento, contra os reis católicos da dinastia Stuart.
  • Refugiou-se, com seu mentor intelectual (Lorde Shaftesbury) na Holanda durante o período de restauração dos Stuart.
  • Contratualista, jusnaturalista e árduo defensor da liberdade e da tolerância religiosa.
  • Fundador do Empirismo Filosófico, ao afirmar que a mente humana é um papel em branco (Tábula Rasa), o que representava uma crítica ao conceito de “idéias inatas”, adotado por Platão e retomado por Descartes (para quem determinadas idéias, princípios e noções seriam inerentes ao conhecimento humano, existindo independentemente da experiência).
  • Escreveu, entre outras obras, os Dois Tratados do Governo Civil, que lhe renderam grande celebridade.
  • Primeiro Tratado do Governo Civil: Refutação das teorias defendidas no Patriarca (1680), de Robert Filmer.
a) Filmer, no Patriarca, defende o direito divino dos reis sobre os súditos, com base no princípio de autoridade paterna que Adão legara à sua descendência. 
b) A obra de Filmer era utilizada pelos realistas (partidários da monarquia britânica) para justificar o absolutismo monárquico.
  • Segundo Tratado do Governo Civil. Ensaio sobre a origem, a extensão e o objetivo do Governo Civil. Justificativa ex post facto da Revolução Gloriosa. Defende que o consentimento dos governados era a fonte de todo poder político.


ESTADO DE NATUREZA
  • Perspectiva Individualista = Tal como Tomas Hobbes, John Locke também rejeita a teoria aristotélica, de que um homem é um animal gregário.
  • Em outras palavras, o indivíduo existe antes de qualquer sociedade e de qualquer Estado.
  • O estado de natureza seria uma situação real e historicamente determinada pela qual passara, em épocas diversas, a maior parte da humanidade. O estado de natureza existiria inclusive no presente (ameríndios).


Estado de natureza e liberdade
  • Em natureza, o homem vive em um estado pré-social e pré-político (ou mesmo antipolítico) caracterizado por ampla liberdade e igualdade:
a) Os homens podem ordenar suas ações, regular suas posses e as pessoas conforme acharem conveniente, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem;
b) Igualdade jurídica entre os sujeitos. Todos os homens são juízes. Reciprocidade de poderes e de jurisdição. Inexistência de vínculos de subordinação ou de sujeição;
  • Os indivíduos têm liberdade de agir porque não se encontram impedidos por normas humanas vinculantes da conduta. Essa concepção de liberdade, em Locke, é idêntica àquela encontrada em Hobbes.
  • A conclusão de Locke não é, entretanto, igual à de Hobbes: Embora os homens não estejam presos a qualquer lei humana, estão submetidos a Deus. As leis da natureza são leis de Deus.


Indivíduos-juízes e estado de guerra
  • A lei da natureza se aplica independentemente da vontade dos homens? Locke responde que NÃO.
  • Os homens, em natureza, são todos juízes. Qualquer um pode castigar quem ouse violar a lei da natureza, exigindo a reparação dos danos provocados pela ação delituosa.
  • Quem viola as leis da natureza, ameaçando a vida ou a propriedade de outrem, põe-se em estado de guerra contra a vítima (que age buscando sua autopreservação).
  • Locke entende que o revide da vítima deve ser proporcional à agressão. Hobbes não prevê qualquer proporcionalidade entre agressão e revide.
  • O estado de guerra pode acontecer durante o estado de natureza ou fora dele. É caracterizado pelo exercício de força sem direito sobre alguém.

Estado de natureza      Estado de guerra
Características do estado de natureza (ideal e degenerado)
  • Características principais do estado de natureza ideal = estado de relativa paz, concórdia e harmonia. Homens dotados de razão, igualdade, liberdade e propriedade. São direitos naturais, em síntese, a vida, a liberdade e a propriedade.
  • Estado de natureza degenerado = generalização da guerra entre os indivíduos, mediante utilização da força sem direito, sem justiça e sem autoridade.  



JUSTIFICAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
  • Propriedade privada = Conceito central na teoria lockeana acerca do governo civil.  
  • Propriedade, em Locke, refere-se à posse sobre bens móveis e imóveis. Mas refere-se também à vida e à liberdade do indivíduo.
  • Direito natural individual (outros autores do mesmo período a entendiam como direito natural social). Em outras palavras, a propriedade é anterior à sociedade política, criada por meio do contrato social.
  • O homem é naturalmente livre, dono de sua pessoa e, portanto, de seu trabalho.
  • Como a terra fora dada a Deus a todos os homens, ao incorporar seu trabalho à matéria bruta, torna-a sua propriedade exclusiva. Assim, o trabalho não se opõe à propriedade privada. Antes, a justifica.

Trabalho = Fundamento da propriedade privada
(Idéia precursora da Teoria do Valor-Trabalho, desenvolvida por Adam Smith e Ricardo).

  • O trabalho humano aumenta a produtividade da terra. Assim, aquele que a trabalha, está aumentando a riqueza que circula em toda a sociedade.
  • Rejeição da tese hobbesiana (de que a propriedade nasceria com o Estado). Esquematicamente:


Propriedade em Hobbes

Propriedade em Locke

Não existe no estado de natureza. Conseqüência do nascimento da sociedade política.

Já existe no estado de natureza.

Não há qualquer imperativo que determine que a propriedade seja preservada no estado de sociedade.

Como já existe no estado de natureza, tem de ser preservada na sociedade civil e/ou política. É um dos limites ao poder do soberano



CONTRATO SOCIAL
  • Pacto ou contrato que visa superar inconvenientes, tais como a violação dos direitos naturais, a ausência de julgadores imparciais, a iminência do estado de guerra e a falta de força coercitiva para impor a execução das sentenças.
  • Não exige que os homens renunciem à quase totalidade de seus direitos naturais. A renúncia é apenas parcial, compreendendo apenas a alienação do direito de fazer justiça com as próprias mãos.
  • Para quê contrato social? A paz natural é precária. A paz duradoura demanda o contrato social e a sociedade política instituída por ele.
  • Finalidade da lei humana = Proteger e ampliar as liberdades.
  • Realiza a passagem do estado de natureza para o estado de sociedade civil /política. 


Contrato em Hobbes

Contrato em Locke

Pacto de submissão: Alienação de todos os direitos, exceto do direito à vida
Pacto de consentimento: Alienação, tão-somente, do direito de fazer justiça com as próprias mãos

  • Consentimento unânime. Os homens concordam livremente em preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam no estado de natureza.
  • Não é qualquer pacto que faz cessar o estado de natureza entre os homens, mas apenas o de concordar, mutuamente e em conjunto, em formar uma comunidade, formando um corpo político.


SOCIEDADE CIVIL / POLÍTICA
  • Para Locke, sociedade civil = sociedade política.
  • Funções = Superar as incertezas do estado de natureza, referentes ao gozo dos direitos naturais, que transforma o estado de natureza em estado de guerra, e:
a) Defesa da propriedade privada
b) Defesa da vida e da liberdade dos sujeitos
c) Preservação da comunidade contra os perigos internos
d) Preservação da comunidade contra nações estrangeiras 
  • A sociedade civil / política evita que o estado de guerra se concretize e se generalize. Aperfeiçoa, portanto, o estado de natureza e a observância das leis naturais
  • Nascida com a unanimidade, as decisões doravante serão tomadas respeitando-se o princípio da maioria.
  • Uma sociedade política ilimitada não resolve os problemas do estado de natureza.


FORMAS DE GOVERNO
  • Critério: quem tem a posse do poder de fazer as leis (poder supremo)?
A) Democracia: muitos têm a posse do poder de fazer as leis.
B) Oligarquia: poucos têm a posse do poder de fazer as leis.
C) Monarquia: apenas o rei tem a posse do poder de fazer as leis. Pode ser hereditária ou eletiva, de acordo com os critérios de sucessão ao trono.
  • Forma mais condizente com o governo civil: MISTA. O poder público, nas formas mistas de governo, está dividido e limitado. Isso favorece a defesa das liberdades individuais.


DIVISÃO DO PODER POLÍTICO
  • Finalidade: limitar o poder, evitando ou desencorajando seu uso abusivo. Divisão de poderes:
(A) Legislativo (Poder Supremo): criação de leis;
(B) Executivo (exercido por Príncipes): executar leis;
(C) Federativo (relações exteriores): fazer guerra, firmar a paz e manter relações com outros Estados. 
  • Legislativo e Executivo deveriam necessariamente estar em mãos diferentes;
  • Executivo e Federativo devem estar nas mesmas mãos;
  • Locke entende que o Legislativo e o Judiciário são apenas aspectos diferentes do mesmo poder.
  • O Executivo é um poder permanente. O Legislativo, entretanto, não deveria ficar permanentemente reunido, no entendimento de Locke. Assim, após a elaboração das leis, os legisladores voltam à condição de súditos, estando sujeitos a elas. 


LIMITES DO PODER POLÍTICO
  • As leis humanas devem auxiliar a execução das leis naturais, não contrariá-las.
  • As leis positivas devem ser gerais e abstratas.
  • O Estado ou os legisladores não podem se apropriar dos bens dos súditos.
  • Aquele que cria impostos deve ter recebido essa prerrogativa do povo.
  • Os legisladores não podem transferir a prerrogativa de legislar a outrem.



  • Princípios defendidos por John Locke e que contribuíram para a formação dos Estados Contemporâneos: 
1. Livre consentimento dos indivíduos para estabelecimento da sociedade.
2. Livre consentimento da comunidade para formação do governo.
3. Proteção dos direitos de propriedade pelo governo.
4. Controle do Legislativo sobre o Executivo.
5. Controle do Governo pela Sociedade.
6. Governo misto.

 

DIREITO DE RESISTÊNCIA


  • Os indivíduos têm direito de resistir contra a tirania (quer a tirania imposta pelo seu soberano, quer a tirania imposta por invasores estrangeiros).
  • Tirania = Exercício do poder para além do Direito, visando o interesse próprio, não o bem público.
  • Quando o Legislativo e/ ou o Executivo violam as leis estabelecidas e atentam contra os direitos naturais (em especial contra a propriedade), o Governo deixa de atender o fim para o qual fora criado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania.
  • Governo em estado de guerra contra o povo; governantes em rebelião contra os governados. Retorno ao estado de natureza (em que Deus é o único juiz) = origem e justificativa do direito de resistência.
  • Influenciou Voltaire, Montesquieu e, em conseqüência, as revoluções liberais do Século XVIII e movimentos de independência.


BIBLIOGRAFIA



JORGE, Vladimyr Lombardo. “John Locke: Lei e propriedade”, In FERREIRA, Lier Pires (org); GUANABARA, Ricardo (org) e JORGE, Vladimyr Lombardo. Curso de Ciência Política: grandes autores do pensamento moderno e contemporâneo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2009.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida.“John Locke e o individualismo liberal”. In WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática, 2003.

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