segunda-feira, 21 de abril de 2014

Esquema de leitura: Em torno da Representação da natureza no Brasil, Roberto da Matta

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplinas: Fronteira, Recursos Naturais e Conservação da Natureza.
Professores: José Luiz Franco e José Augusto Drummond
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura
Texto: DA MATTA, Roberto. Em torno da representação da Natureza no Brasil: Pensamentos, Fantasias e Divagações. In: BOURG, Dominique (Org.). Os Sentimentos da Natureza. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. Páginas 127-148


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** Apesar das grandes diversidades regionais brasileiras, é possível pensar em uma ideologia, em um conjunto de valores subjacentes, que orientam a relação entre homem e natureza.



** Dilema brasileiro >>> O sistema social brasileiro contempla valores modernos, tais como o individualismo igualitário, o progresso material e o controle da natureza e, ao mesmo tempo, também contempla valores tradicionais que continuam a comandar as práticas sociais mais corriqueiras (pp. 128-129).

-- O dilema brasileiro está na raiz da clivagem entre discursos (individualistas) e práticas políticas (clientelistas);



** O dilema brasileiro também pode ser encontrado nas nossas representações sociais acerca da natureza.



** O Brasil, tal como outros países de Terceiro Mundo, constitui um fértil campo de estudos acerca da natureza, dada a diversidade de valores e ideologias existentes (p. 129).



** Representações sociais da natureza, no Brasil >>>

-- Terra provedora, mãe terra, mãe pródiga, abundante em riquezas e que suporta homens, vegetais e animais.

-- Quanto mais pródiga a natureza, pior o povo. A chave do sucesso histórico repousa na existência de um povo com caráter suficientemente forte para vencer as dificuldades impostas pela natureza.

-- Puritanos na América do Norte: ganharam uma terra para domesticar X Portugueses no Brasil: ganharam uma terra que corresponde a uma visão passiva do Paraíso (visão edênica).

-- Implícita na visão edênica sobre a natureza brasileira está, também, a ideia de que essa natureza é boa para pilhar, isto é, que basta “esticar a mão” para tomar-lhe os frutos, o que implica um contato superficial. Trata-se do que Da Matta denominou como “Extraccionismo Predador” (p. 134).

-- Essa visão dominou a história econômica brasileira, marcada por ciclos, cada um dos quais correspondente à descoberta de uma fonte natural explorada à exaustão: açúcar, ouro, café e borracha.

         A obsessão pela extracção gera uma lógica relacional ambígua que oscila entre uma concepção da natureza habitada pelo maravilhoso, local de poderes mágicos, e uma concepção do mundo natural à mercê do homem. Não sendo percebida como um domínio compartimentado e independente do homem, a natureza encontra-se ligada à sociedade por intermédio de seres e de zonas intermediárias. Encontram-se nesta categoria animais específicos como o boto [...], bem como os animais domésticos (p. 134 e 135).


-- Imbricação da Natureza na Cultura e da Cultura na Natureza, o que afasta as representações sociais brasileiras da fórmula ocidental Natureza versus Cultura. Sociedade brasileira como holística ou hierárquica (herança ibérica). Aqui, a Natureza (tal como todo o resto) insere-se em um grande sistema de relações complementares e desiguais, que englobam o outro mundo, os animais, as plantas e os humanos.  


         De tal maneira que, a uma representação da natureza como esfera passiva e metaforicamente concebida como serva – escrava do homem que dispõe dela como muito bem entende --, corresponde uma estrutura social que se fundamenta, do mesmo modo, na passividade obrigatória do trabalhador e na submissão total ao senhor. Portanto, é impossível compreender o sistema de monocultura patriarcal característico do Estado então em formação no Brasil, sem referir os valores de uma sociedade que, até à independência e ao aparecimento dos movimentos abolicionistas e republicanos, assentava numa pesada hierarquia. Entre os homens e a natureza estabeleceu-se uma lógica idêntica àquela que governava os homens entre si: a lógica da desigualdade (p. 140).


-- Entende-se que o Brasil foi “descoberto”, e não “fundado>>>

(a) A “descoberta” é um fruto do acaso, da sorte e, por isso, não demanda a assunção de posições e de valores pelos sujeitos envolvidos. Continuidade. As instituições humanas ficam isentas de responsabilidade nos processos históricos de formação da sociedade.

(b) A “fundação”, por sua vez, é um ato de vontade. Demanda clareza dos valores, normas e procedimentos a serem adotados. Ruptura.



** Extraccionismo predador >>> Assentado em coletividades masculinas preocupadas com enriquecimento fácil e com ascensão social no seu país de origem (p. 136).



Colonização do Brasil >>>
-- Portugueses
-- Prevalência da ética do aventureiro (prosperidade sem esforço, riquezas fáceis, títulos honoríficos, desejo de posição social), não da ética do trabalhador.
-- Carnaval. Rememora a chegada dos portugueses a uma terra edênica, que poderia matar a sede e a fome de todos. Inclusão dos “de fora” por meio de prazeres sensuais, do riso.

Vs.

Colonização da Nova Inglaterra >>>
-- Puritanos
-- Exclusão da ideia de passividade do mundo natural.
-- Prevalência da ética do trabalhador. O Novo Mundo era visto como o fim de uma viagem, e portanto, eram marginais os desejos de enriquecimento fácil e de obtenção de títulos honoríficos. A nova terra devia ser domesticada, não simplesmente pilhada ou explorada.
-- Dia de Ação de Graças. Reforço da união do grupo, em contraposição aos “de fora” (natureza, índios, etc).




** A natureza na sociedade >>>

-- Tal como o sagrado, a natureza exerce sua ação dentro e fora da sociedade. Fora da sociedade, a natureza manifesta sua inesgotável passividade e sua energia ameaçadora. Dentro da sociedade, a natureza manifesta-se pelas palpitações incontroláveis dos instintos, das paixões, ligando o homem à sua natureza animal e ao seu lado egoísta.

-- A substituição da representação antropocêntrica da natureza pelo moderno biocentrismo (nascido com o ecologismo) representa uma vitória do individualismo igualitário e, portanto, da clara demarcação entre natureza e cultura.

-- Perspectiva biocêntrica: a natureza é autônoma, possui direitos (e deveres), não pode ser mutilada, tem seus limites e fronteiras.

-- Na sociedade hierárquica ou tradicional, o escravo simboliza o encontro entre natureza e sociedade.

Na sociedade tradicional e hierárquica [...] o escravo simboliza a junção da natureza com a sociedade. De resto, é por isso que ele, tal como os animais domésticos, é objeto de castigos e atos de crueldade por parte dos seus senhores. A maldade e a crueldade para com os inferiores representa uma “segunda natureza”, que funciona como mecanismo para pôr em ordem ou reafirmar as fronteiras entre a natureza e a cultura, de uma maneira dramatizada. A malevolência para com os animais e as plantas – que se exerce ainda nos nossos dias – surge como um gesto destinado a instituir simbolicamente uma divisão quase impossível entre os dois campos. Como um ritual exorcista, visando separar as identidades que o quotidiano tende a fundir. Uma espécie de dramatização da linha de fronteira, para se afirmar como senhor face a uma natureza que, pretensamente, não sai da sua passividade generosa. Pergunto-me se este mesmo mecanismo não entrará também em ação no costume urbano que consiste em cimentar o pátio e, ainda na prática habitua que consiste em destruir a floresta à custa de incêndios enormes, muitas vezes incontroláveis. Uma maneira de exorcizar uma natureza considerada sufocante, extirpando-a da sociedade.  P. 141.


-- A presença da natureza na sociedade põe em perigo as fronteiras entre os englobantes e os englobados.



** Conclusão: Entre o Paraíso e a visão Ecológica >>>

-- Conciliação, no Brasil, entre a representação mágica da natureza (em que a natureza e o outro mundo se unem para formar um domínio ambíguo, denso e parcialmente desconhecido e que a todo instante se manifesta entre nós) e a representação moderna da natureza, sem que se perceba as enormes contradições que isso implica.

-- Continua-se a acreditar em uma natureza pródiga e em um Brasil paradisíaco, de riqueza e generosidade inesgotáveis: nossa história terminaria em “milagre”, em um “golpe de sorte” em que toda a gente se sai bem, sobe na vida e enriquece.


-- Considerando os traços ibéricos da formação cultural e econômica do Brasil, é de se esperar que a tradição ecológica encontre dificuldades para se estabelecer.     


DISCUSSÃO EM SALA

** No Brasil, não há separação entre cultura e natureza. A natureza entra na base da pirâmide hierárquica.

** Visão cornucopiana acerca da natureza. “Vamos topar com uma nova riqueza, a qualquer tempo”.

** Visão mágica sobre o mundo. Estamos sempre “pendurados” na natureza.

** Catarse è Ritual de inversão. Carnaval.

** Relação entre Recursos Naturais e Prosperidade >>> Tanto maior a dependência de recursos naturais como fonte de riqueza, tanto menor a prosperidade de um país. 
   
** Os países mais ricos geram riqueza por meio de investimento de ciência e tecnologia, não em mero beneficiamento de matéria-prima.

** Biodiversidade da Amazônia è Nova fonte de riqueza? Mais uma manifestação da visão cornucopiana acerca da natureza?


** Tipo de sociedade em que a culpa é terceirizada: “o imperialismo”, “os estrangeiros”, “os americanos”, “os portugueses”, “a metrópole”, etc...  

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