segunda-feira, 12 de maio de 2014

Anotações de Aula: A ferro e fogo: a história da devastação da Mata Atlântica, Warren Dean

Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado 
Docentes: José Augusto Drummond e José Luiz Franco
Discentes: Juliana Capra Maia
Anotações de Aula
Texto: DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. 
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  • Historiador extremamente importante para a historiografia brasileira. Seus livros destoem mitos brasileiros >>>
. A industrialização de São Paulo não foi tardia. Seu parque industrial era relevante, antes da política de substituição de importações. O dinheiro do café nunca foi investido diretamente na industrialização de São Paulo. Foi importante como gerador de infraestrutura (ferrovias, energia, rodovias, etc.) e para as finanças. Os investidores da indústria eram migrantes, normalmente envolvidos com o comércio internacional. E por que? Por que era mais fácil e barato produzir insumos como palito de fósforo ou panelas do que importa-las. E por que a indústria não cresceu mais durante a Guerra? Escassez de bens da indústria de base. 
. Os negros desempenharam papel relevante para o fim da escravidão. Eles se revoltavam, matavam feitores. Quilombos organizados por abolicionistas (Santos-SP e Campos-RJ). 
. Ciclo da Borracha. Ao contrário do que consta da historiografia tradicional, o grande vilão da borracha brasileira não foi o ladrão de sementes inglês, mas sim um fungo. Houve grandes investimentos no Brasil para a produção da monocultura de borracha, mas as condições naturais brasileiras não a favoreceram. Ao contrário, na Ásia, a monocultura da borracha não encontrava adversários naturais. 
. Os índios brasileiros não eram “bons selvagens”. Apenas tinham poder limitado de destruição de seu meio. Essa não é uma característica exclusiva dos ameríndios: nas Américas e na Austrália não houve evolução conjunta entre homem e megafauna. Ao contrário, quando chegaram a tais continentes, os primeiros homens causaram a destruição da megafauna. 

  • Autor adepto às correntes preservacionistas. A wilderness tem valor intrínseco, independente do homem. Por isso, deve ser preservada por si mesma.
  • O autor estudou a história industrial de São Paulo, mas deixou de estudar as fontes de energia utilizadas por esse polo industrial.
  • São Paulo >>> Transição industrial de grande porte movida a carvão vegetal! Até hoje, há um parque siderúrgico no norte de Minas Gerais movido a carvão vegetal. Único local do mundo! No restante, usava-se carvão mineral.
  • É necessário destruir para desenvolver? Em alguma medida, sim, dado que a floresta é um ambiente hostil para os homens.
  • A destruição da Mata Atlântica gerou muita riqueza. Mas como ela foi investida? Em ostentação (lógica ibérica), mais que em geração de mais riquezas. 
  • A Ferro e Fogo: livro que trata da história sob o ponto de vista da floresta. Todos os grupos humanos são tratados como invasores, dado que a floresta estava lá há milênios, antes de quaisquer homens.
  • Primeira leva de invasores >>> 
(a) Coletores-Caçadores. 11 mil anos atrás. Para esses povos, a pesca era um recurso crítico, dado que sustentava as populações humanas na carência de herbívoros (atraídos para os campos). Fronteira mais remota: floresta costeira. A floresta era vista como um local perigoso. A megafauna foi extinta, provavelmente, em decorrência das queimadas sistemáticas, destinadas a afugentar herbívoros. 
(b) Sambaquis >>> Sítios arqueológicos caracterizados por montanhas de conchas (ostras, sururu, etc.). Registram a passagem de grupos humanos nômades e costeiros. Sambaquis estão presentes em todo o litoral brasileiro. Seus habitantes não praticavam agricultura. No Brasil, os sambaquis constituem patrimônio arqueológico. São atraentes para a indústria da construção civil. Fonte fácil de proteína. 
(c) Domesticação de espécies vegetais para fins alimentares, medicinais, alucinógenos, abortivos, etc. Desenvolvimento da agricultura. A floresta não era mais vista como inimiga, mas um local de solo mais fértil. Capoeiras. De tempos em tempos, as roças eram abandonadas, quer por problemas sanitários, quer por esgotamento das terras, quer por invasão de pragas (formigas cortadeiras). 
(d) Tupis >>> Indígenas agressivos. Mito segundo o qual o fogo é roubado de um pássaro (entre os Gês, é roubado da onça). Está relacionado à caça e ao conhecimento. Queimadas nas bordas das matas.
-- Estudos linguísticos localizam sua origem em Rondônia, mas, nos tempos do Descobrimento, os tupis ocupavam todo o litoral brasileiro. Na verdade, os tupis varreram os ocupantes originais. 
-- Os ricos estuários eram locais estratégicos, dada a existência de mamíferos, peixes, água doce e terra fértil. Esses locais agregavam grandes populações e, não por acaso, hoje concentram as maiores cidades brasileiras. 
-- Economia baseada em mandiocas, peixes e pequenos animais. 
-- Canibalismo: praticado, sem finalidade alimentar ou de sustento, mas ritualística. A vingança canibalista era a porta para a “terra sem males” (Terra do pajé do mel, onde as pessoas não precisam trabalhar. Mitologia com forte apelo à migração). 
-- Guerras intertribais, principalmente entre grupos tupis (tupinambás, tupiniquins, etc). Impediram a formação de um império tupi. 
  • A ferro e a fogo, de Warren Dean, é um livro corajoso. Pretende escrever sobre toda a História do Brasil, por meio da perspectiva da destruição da Mata Atlântica. Livro contemporâneo dos trabalhos de Drummond, Vitor Leonard (Historiadores e os Rios), Pádua e Paulo Bertrand. Como se trata de um livro de História do Brasil (e não de História da República, História do Império, História da Colônia, etc.), trará menos dados e, eventualmente, trará erros. Mas isso não invalida a contribuição da obra.
  • Motivação de Warren Dean para escrever “A ferro e fogo”: ele percebeu que não havia se preocupado com as fontes energéticas que fomentaram a industrialização em São Paulo na década de 1960. O Brasil não podia contar com carvão mineral nem hidroeletricidade. A revolução industrial brasileira foi alimentada, principalmente, pelo carvão vegetal (madeira nativa)
  • Assunto >>> Como indígenas, portugueses e brasileiros lidaram com a sua primeira fronteira. 
  • Ocupação europeia na América >>> Fator de de-população, quer pelas doenças (epidemias contra as quais os indígenas não tinham anticorpos), quer pela presença dos jesuítas, quer pela existência de mercado escravo de indígenas
  • Legislação imperial: tentativa de preservar a Mata Atlântica e introduzir no Brasil os estudos naturalistas. Fraca fiscalização. Apenas fomentou a destruição mais célere do bioma.
  • Mata Atlântica >>> Ativo.
  • Concepção de que o solo era um insumo descartável. “Mineração do solo” (Sérgio Buarque de Hollanda). 
  • Herança patriarcal. Incentivo ao desbravamento de cada vez mais terras.
  • A cultura do café foi antecedia pela tentativa infrutífera de cultivo do chá. Tratou-se de uma cultura extremamente impactante sobre a Mata Atlântica. 
  • O café não é nativo do Brasil. Veio para cá como uma cultura furtada de agricultores de outras nações e já domesticada. Olhando-se sob essa perspectiva, o Brasil também se aproveitou da biopirataria (!!!).
  • É que se acreditava que o café deveria ser plantado em “solo virgem”, motivo pelo qual lavouras mais antigas eram simplesmente abandonadas.
  • Desmatamento por queimadas e pelo uso do “efeito dominó”.
  • A destruição da Mata Atlântica, no Brasil, não teria se revertido em favor de uma acumulação primitiva de capital que fomentara a industrialização. 
  • Para Warren Dean, portugueses, brasileiros e ameríndios (desde os sambaquis) seriam exímios devastadores.
  • Ferrovias << >> Café. A ferrovia é uma invenção inglesa do século XVIII, destinada a transportar minérios. Importante processo de aceleração do transporte de passageiros e de cargas. Ferrovias construídas por empresas inglesas. 
  • Enquanto, no início do Século XX, Turner falava em “fim da fronteira”, no Brasil, havia enormes vazios de ocupação, tanto na Mata Atlântica quanto nos demais biomas.
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Críticas a Warren Dean >>> 


(1) O autor não se preocupou em somar as áreas desmatadas e compará-las ao quantitativo total do bioma. Fazendo isso, vê-se que o impacto da economia dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX foi muito pequeno. A destruição em massa da Mata Atlântica ocorreu, mesmo, no século XX. 

(2) O autor argui que o Brasil não aproveitou a Mata Atlântica para servir de insumo para a sua acumulação primitiva de capital, a fomentar a sua industrialização. Argumento falso. São Paulo industrializou-se por meio do café, no início do século XX.

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Análise da história brasileira desde o ocaso do Império até a década de 1930
  • Foco de Warren Dean: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
  • Funções públicas privatizadas, até porque o próprio Estado era privatizado (era “da Coroa Portuguesa”). 
-- Política tratada como distribuição de prebendas. 
-- Distribuição de grandes extensões de terras aos “amigos do rei”: estabelecimento de relações de Suserania e de Vassalagem. 

Ocaso do Império >>>
  • O Imperador nutria simpatia pelo abolicionismo, pela Ciência e pela conservação ambiental. Mesmo dispondo de papel central na Administração do Estado, teve dificuldades em implementar suas ideias. O abolicionismo, aliás, lhe custou a coroa. 
  • Reconstituição da Floresta da Tijuca. Instituição do Jardim Botânico. 
  • José Bonifácio. Influenciado por ideais liberais, de John Locke, advogava a extinção do latifúndio e da escravidão. Sugeria que as terras fossem distribuídas entre pequenos proprietários (indiferentemente brancos, negros, índios ou mestiços) educados de acordo com parâmetros europeus ou ocidentais de civilização.
  • Libertação dos escravos. Participação efetiva dos ex-escravos, dos escravos e de uma pequena classe média urbana intelectualizada no processo pró-abolição. Os escravos foram libertados sem qualquer indenização, treinamento, ou terras. Sem ter para onde ir, dirigiram-se para as cidades, contribuindo para o surgimento de grandes bolsões de pobreza.
  • Imigrantes europeus: atraídos para o Brasil para trabalhar em regime de semiescravidão. Colonos, desvinculados de senhores ou de fazendas: produção voltada para a subsistência.

República Velha >>> 
  • “Democracia autoritária”. Substituição do voto censitário pelo voto dos homens alfabetizados. Voto de cabresto. Eleições manipuladas, fraudulentas.
  • Nascimento da ideologia autoritária. Diante das distorções da democracia na República Velha, os poucos intelectuais passaram a defender um Estado Autoritário apoiado pelos homens de ciência, de modo a eliminar a influência perniciosa do coronelismo, que degradava a democracia e o Estado brasileiro. 
  • Expoente do pensamento autoritário: Alberto Torres, apropriado na Era Vargas. Não acreditava na suposta inferioridade racial do povo brasileiro. Advogava que as terras brasileiras, por debaixo das florestas, eram secas, motivo pelo qual os mananciais deviam ser cuidadosamente preservados. 
  • Nascimento da “teoria do branqueamento”, que subsidiou o incentivo de migração de europeus ao Brasil. Purificação racial por meio da miscigenação que, aos poucos, “melhoraria a raça”. A teoria racialista brasileira era sui generis dentro das próprias teorias racialistas. Para os racialistas típicos, a miscigenação era tragédia pior que as raças puras, ainda que inferiores.
  • Já aqui surge um grupo de servidores públicos que sente a necessidade de levantar a bandeira da conservação, mesmo contra os interesses das elites que controlavam o Estado Brasileiro. Navarro de Andrade. A consciência nasce dentro do próprio Estado.
  • Governo de Epitácio Pessoa. Pressão para a criação de um serviço de proteção às florestas públicas. Discussão acerca da necessidade de manejar as florestas situadas em terras privadas.
  • Ciência >>> 

-- Mapeamento das florestas por Saint Hilaire, que dividia suas descobertas com o Museu Nacional.
-- Outros pesquisadores simplesmente levaram seu acervo para a Europa e publicaram suas descobertas no Velho Continente (até porque, faça-se justiça, não havia universidades no Brasil).
-- 1872: Primórdios do Instituto Butantã, um instituto para produção de medicação contra picada de cobras e para pesquisa acerca de doenças tropicais.  
-- Controvérsia científica no Brasil entre Álvaro da Silveira e João Barbosa: A derrubada das florestas provocava ressecamento do clima e empobrecimento do solo X A derrubada das florestas não provocava ressecamento do clima e empobrecimento do solo.
  • Grilagem de terras. Problema endêmico. Prossegue na região de transição entre Mata Atlântica e Cerrado.
  • Concentração populacional nas cidades do Sudeste. Concentração do consumo de energia. Concentração do consumo de matérias primas.


Era Vargas >>> 
  • Crítica acadêmica dos argumentos racialistas. Questionamento dos contextos sanitários e educacionais dentro dos quais estava inserido o povo brasileiro. 
  • Alternativa a Getúlio Vargas: Carlos Lacerda (que propunha um golpe contra Getúlio Vargas). Noutras palavras, a Democracia representativa não era uma bandeira, nem de Getúlio Vargas, nem de Carlos Lacerda.
  • Edição do Código Florestal e do Código das Águas. 
  • Nomes de destaque: Alberto José Sampaio, Roquete Pinto, H. Alberto Torres (Museu Nacional). 
  • Estabelecimento das primeiras áreas de preservação permanente, com limitação ao direito de propriedade. 
  • Primeiras UC federais de proteção integral: Itatiaia, Iguaçu. Primeiras UC estaduais, criadas pelos conselhos florestais estaduais: Araucárias – Campos do Jordão/SP; Monte Pascoal – Bahia.

Diagnóstico >>> 
  • O patrimônio público existente nas florestas (e a sua enorme biodiversidade) tem cedido espaço a interesses particulares, sem que ninguém pergunte o porquê. 
  • No Brasil, o argumento desenvolvimentista ainda tem sido o principal sustentáculo das políticas públicas predatórias da wilderness
  • O modelo predatório de exploração do solo na Mata Atlântica tem sido reproduzido no Cerrado e na Amazônia. Noutras palavras, a destruição da Mata Atlântica não tem servido sequer como exemplo dos impactos provocados pelo desenvolvimento do Brasil. 
  • A preservação dos remanescentes de Mata Atlântica demanda militância desinteressada. Noutras palavras, a sua preservação deve prescindir de argumentos utilitários.

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