sábado, 27 de setembro de 2014

Ficha de leitura: Existe uma modernidade brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro. Sérgio Tavolaro.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplina: Oficina de textos científicos
Professores: José Augusto Drummond e Marcel Bursztyn
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura
Texto: TAVOLARO, Sérgio B. F. Existe uma modernidade Brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, volume 20, nº 59, Outubro/2005. Pp. 05 a 22.


** Crítica à Sociologia da Dependência e à Sociologia da Herança Patriarcal-Patrimonial, correntes que resistem em ver a sociedade brasileira em pé de igualdade com as sociedades modernas centrais.
  • Tanto a Sociologia da Dependência quanto a Sociologia da Herança Patriarcal-Patrimonial seriam essencialistas: Caracteres historicamente construídos são deslocados de seus contextos e transformado e variáveis independentes, capazes de explicar qualquer momento da história ou da sociabilidade brasileira.  

** Ambas as correntes assumem que a modernidade se estrutura em torno de três pilares:

  • Diferenciação / complexificação social;
  • Secularização;
  • Separação entre público e privado.


** Teses da Sociologia da herança patriarcal-patrimonial
  • Autores: Freyre, Holanda, Faoro e Da Matta.
  • As distorções da sociabilidade moderna brasileira seriam efeitos da herança patrimonial-patriarcal: “[...] certos códigos de sociabilidade típicos da família patriarcal e do pater familias teriam permanecido ativos na dinâmica social do Brasil contemporâneo para além do período colonial”. P. 07.
  • Brasil: limbo de semi-modernidade.
  • Sérgio Buarque de Holanda: Ética da aventura X Ética do trabalho.
  • Raimundo Faoro: A singularidade da modernidade brasileira teria suas raízes no Estado patrimonial que se constituiu em Portugal desde os idos de sua formação. Porosidade entre os domínios públicos e a casa real. Pouco espaço para códigos impessoais.
  • Roberto da Matta: O Brasil é marcado pela coexistência entre um código pessoal e um sistema legal individualizante enraizado na ideologia burguesa liberal. Casa X Rua. O Brasil seria semitradicional. 
Assim, de acordo com a imagem da sociedade brasileira contemporânea projetada por essa primeira abordagem, a despeito de ter passado por processos de complexificação e modernização, nossa sociedade jamais atingiu o grau e a extensão da diferenciação social, da secularização e da separação entre o público e o privado observados nas “sociedades modernas centrais”. Tais características explicariam o status semimoderno da sociedade brasileira contemporânea. P. 10.


** Teses da Sociologia da Dependência
  • Autores: Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso. 
  • A posição periférica ocupada pelo Brasil no mercado capitalista internacional: Motivo de as principais instituições, formas de sociabilidade e os principais valores das sociedades centrais jamais terem enraizado na nossa sociedade com a mesma dimensão e profundidade.
  • De acordo com esta corrente, a experiência capitalista brasileira (capitalismo dependente) teria sido suficiente para solapar a ordem tradicional, mas não para instituir uma modernidade plena.
  • Brasil: modernidade periférica (e não semimodernidade).


** Tanto a Sociologia da Dependência quanto a Sociologia da Inautenticidade seriam eurocêntricas, no sentido de que as instituições típicas das sociedades europeias seriam vistas como etapa a ser alcançada por outras sociedades.
  • Adoção do discurso sociológico hegemônico acerca da modernidade, consolidado pelos autores: Marx, Weber, Durkheim, Simmel, Parsons, Luhmann e Habermas.
  • Sociedades modernas centrais seriam aquelas em que:

(a) Estado, mercado e sociedade civil ocupam necessariamente esferas plenamente diferenciadas entre si, reguladas exclusivamente por códigos próprios e dinamizadas por lógicas particulares; 
(b) a normatividade que regula as relações entre indivíduos e deles com o Estado e o mercado são plenamente desencantadas além de protegidas de influências de concepções de mundo e sistemas normativos não-racionalizados; e 
(c) os âmbitos público e privado, por sua vez, são também plenamente separados, cada um dos quais ordenado por códigos e lógicas particulares, comunicando-se apenas e tão-somente através de canais apropriados que mantêm inalterados os termos e as regras de cada um dos domínios.
    
  • Problema: nem as sociedades modernas centrais, nem as sociedades de modernidade tardia se encaixam uniformemente nesses parâmetros.
  • Sob essa visão, a sociedade brasileira seria invariavelmente “peculiar” em relação às sociedades centrais, dado que:
(a) Estado, mercado e sociedade civil são tidos como estruturalmente entrelaçados; 
(b) a normatividade que as permeia é vista como passível de influências de concepções de mundo e sistemas de normas apenas parcialmente racionalizados; e finalmente, 
(c) seus âmbitos de ação público e privado são, por sua vez, percebidos como interconectados.


** Soluções:
  • Considerar as peculiaridades das sociedades modernas, não somente os aspectos em que lhes parecem comuns.
  • Abandonar “as peculiaridades da modernidade brasileira” em favor da “modernidade no Brasil”. Foco na contingência.
  • Abolição de qualquer pretensão essencializante. Nada deveria ser mais avesso a essencializações que a Sociologia.
  • Compreender a modernidade como processo contingente decorrente de disputas entre grupos e forças sociais, isto é, como resultado de conflitos entre projetos, demandas, interesses e concepções de mundo.
  • Argumentos de Domingues e de Ortiz em prol das “múltiplas modernidades”. 

Domingues defende a necessidade de se avançar em direção a uma concepção multifacetada de modernidade. Trata-se, para ele, de vislumbrar as instituições modernas em sua dimensão processual, ou seja, como o resultado contingente e historicamente variável dos confrontos entre projetos particulares levados adiante por subjetividades individuais e coletivas. P. 11.

Ortiz, por sua vez, agumenta que o Brasil contemporâneo deve ser interpretado tendo-se como pano de fundo a noção de “modernidade mundo”. Para ele, atravessamos um momento em que a modernidade deixou de estar confinada a fronteiras nacionais; ao deslocar-se do Ocidente, tal processo pôs em xeque a existência de uma “única matriz moderna”. Parece-me, pois, que a modernidade vista como um tipo de sociabilidade histórico e contingente (já que fruto de disputas constantes entre projetos díspares), multifacetado e tendencialmente global abre-nos o caminho para uma alternativa àquele dilema sociológico. P. 11.

  • Versão de modernidade utilizada pelo autor:

(a) padrões variados de diferenciação/complexificação social >>> padrão de diferenciação liberal-capitalista; padrão de diferenciação social-democrático; padrão de diferenciação capitalista-corporativo; padrão de diferenciação autoritário (socialista ou capitalista); e padrão de diferenciação totalitário (socialista ou fascista). 
(b) padrões variados de secularização (tomados de José Casanova) >>> configurações em que associações religiosas têm papel ativo na vida pública; arranjos em que concepções religiosas se mantêm vivas e atuantes fundamentalmente em âmbitos sociais privados; e, finalmente, casos nos quais associações e concepções religiosas não têm peso marcante tanto em esferas sociais públicas como em âmbitos privados. 
(c) padrões variados de separação entre domínios públicos e privados (tomados de Bryan Turner) >>> o privado como âmbito de ação de indivíduos movidos pela busca de interesses subjetivamente definidos; o privado como domínio de códigos familiais de sociabilidade; o público entendido como resultante da vontade geral; e o público como esfera de sociabilidade controlada e definida pelo Estado.

A idéia de modernidade entendida como um tipo de sociabilidade multifacetada, constituída ao longo de disputas contingentes entre projetos, interesses e visões de mundo num contexto crescentemente globalizado, ajuda-nos a encontrar uma possível alternativa para o dilema que há muito intriga duas das principais abordagens no interior do pensamento social brasileiro. Em vez de reduzir as diversas configurações políticas, econômicas, institucionais e sociais experienciadas ao longo da recente história brasileira a um supostamente único tipo de configuração moderna (pré-determinado por tendências culturais e/ou econômicas), abre-se caminho alternativo para que se considere como as disputas que se desenrolaram entre nós vieram a se traduzir em padrões variados de diferenciação/ complexificação social, de secularização e de separação público/privado no decorrer de nossa história. P. 18.


** Minhas primeiras observações >>>
  • Mau uso ou mau entendimento do que vem a ser a Sociologia Compreensiva e a formulação de tipos ideais: Causalidade versus Condição Adequada.
  • Ao fim e ao cabo, para o autor, a modernidade é a ordem social pós-revolução industrial de cada nação que a experiencia? É o tempo presente em que cada uma vive? Relativismo exacerbado. Perda do valor explicativo dos conceitos. Falta de coragem científica?
  • Sobre o Eurocentrismo: toda Sociologia, Antropologia ou Ciência Política será comparativa. É um imperativo da linguagem como forma de estruturação mental.
  • Sobre a versão estendida de modernidade: “pode ser dominada pela religião... Ou não”. Que tipo de afirmação é essa? Que tipo de medição isso possibilita?

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