domingo, 18 de maio de 2014

Esquema de Leitura: Franco e Drummond. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920 - 1940.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplinas: Fronteira, Recursos Naturais e Conservação da Natureza.
Professores: José Luiz Franco e José Augusto Drummond
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura
Texto: FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920 – 1940. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 2009.


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PREFÁCIO


** Livro desenvolvido dentro da abordagem conhecida como “História Ambiental”


** Estudo acerca de uma geração de intelectuais dos anos 1920 – 1940, preocupados com a preservação da natureza no Brasil, por meio de seus mais influentes representantes:
  • Alberto Sampaio 
  • Armando de Magalhães Correa 
  • Cândido de Mello Leitão 
  • Frederico Carlos Hoehne. 

** Rompimento com uma tradição historiográfica que enxerga o Brasil como escravo do mercado e da hegemonia internacional. Rompimento com uma abordagem historiográfica determinista, em que a sociedade se subordina completamente aos imperativos dos sucessivos ciclos econômicos brasileiros, tradicionalmente impulsionados por commodities (açúcar, algodão, ouro, café, borracha).


** Por que as idéias de Alberto Sampaio, Armando de Magalhães Correa, Cândido de Mello Leitão e de Frederico Carlos Hoehne foram suplantadas? Primeira resposta, fornecida pelos autores do livro: rolo compressor desenvolvimentista, que pregava “o desenvolvimento a qualquer preço”.


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APRESENTAÇÃO


** Motivação do livro: “a descoberta de um grupo de cientistas brasileiros que se organizava em torno de preocupações com a proteção da natureza no Brasil nos anos 1920 – 1940”. Pp. 11.


** Proteção à natureza (inclusive à diversidade florística e faunística) no interesse de gerações futuras << >> Novo projeto de Nação, reforma da sociedade brasileira.
O pensamento sobre a proteção à natureza foi concebido em conexão com o ambiente político-institucional da época, caracterizado por preocupações nacionalistas e cientificistas. O grupo pesquisado inseriu-se nesse contexto, relacionando a proteção da natureza com a construção de um Estado nacional forte e de uma identidade nacional, ideias fortes naquele período. Pp. 11.

** Etapas do trabalho >>>
  • Situam o grupo com relação a alguns cientistas brasileiros e estrangeiros da geração anterior e que demonstravam interesse pela proteção da natureza; 
  • Análise da 1ª Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, realizada em 1934 no Rio de Janeiro; 
  • Discussão das principais ideias de Alberto José Sampaio, Armando Magalhães Corrêa, Cândido de Mello Leitão e Frederico Carlos Hoehne. 

** Resultados >>> Embora houvesse diferenças pontuais entre os autores, de forma generalizada, havia uma crença de que os problemas brasileiros poderiam ser resolvidos por meio de um Estado forte, aconselhado por intelectuais e cientistas.


** Síntese do livro >>>
  • Capítulo 01: Resgate das preocupações com o mundo natural, no Brasil, veiculadas por uma geração anterior de cientistas (1890 – 1910), dado que suas ideias e práticas influenciaram a geração dos anos 1920 – 1940. Destaque para Alberto Torres, intelectual mais influente entre o grupo pesquisado. Análise da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, realizada no Rio de Janeiro em 1934. 
  • Capítulo 02: Formulações de Alberto José Sampaio (botânico e professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro) e de Armando Magalhães Corrêa (jornalista, artista plástico e professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro). 
  • Capítulo 03: Contribuições de Cândido de Mello Leitão (também professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro). 
  • Capítulo 04: Textos de Frederico Carlos Hoehne (botânico e taxonomista que começou sua carreira como jardineiro do Museu Nacional do Rio de Janeiro, acompanhou algumas viagens da Comissão Rondon e mais tarde se fixou em São Paulo, onde foi o principal responsável pela criação do Instituto de Botânica e do Jardim Botânico estaduais). 
O pensamento elaborado pelo grupo de intelectuais preocupados com a proteção à natureza por nós estudado vinculava preocupações pontuais, como, por exemplo, o estabelecimento de reserva naturais, a um projeto mais amplo de construção da nacionalidade. Desse modo, foi capaz de sensibilizar grupos e associações cívicas, garantir espaço nas instâncias deliberativas do governo Vargas e levar à aprovação de uma série de leis, decretos e regulamentos, visando à conservação da natureza, além da criação dos primeiros parques nacionais, entre outras iniciativas de menor importância.
Contudo, o desenvolvimento se afirmava como corrente hegemônica dentro da articulação política do Estado. Isso expressava uma visão largamente disseminada na sociedade de que o crescimento econômico deveria ser perseguido a todo custo, inclusive, mas não exclusivamente, os custos ambientais. Pp. 13.

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INTRODUÇÃO


** Problema de pesquisa >>> “como a conservação do mundo natural foi pensada e como as proposições concernentes a esse tema foram elaboradas no Brasil dos anos 1920 – 1940?”.


** Método >>> Estudo das contribuições de um grupo constituído majoritariamente por cientistas, intelectuais e funcionários públicos, organizados em torno de preocupações com a proteção da natureza.


** Por que esse grupo? 
Esse grupo contribuiu muito para construir uma percepção mais aprofundada da diversidade e riqueza da natureza brasileira, tanto do ponto de vista científico como na perspectiva da apreciação estética e de sua possível relação com a sustentação de uma identidade e de um orgulho nacionais. Além disso, em clave mais pragmática, o grupo se preocupava com o uso dos recursos naturais que, embora considerados abundantes e capazes de impulsionar o desenvolvimento da nação, deveriam ser utilizados de forma racional. Pp. 15
  • Além disso, o grupo estudado (esquecido, quer na política, quer na Academia) desempenhou papel importante no surgimento do moderno ambientalismo brasileiro, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980: Alceo Magnanini, Aldemar Coimbra Filho, Harold Edgard Strang, Luiz Emygdio de Mello Filho, José Cândido de Melo Carvalho, Wanderbilt Duarte de Barros, Augusto Ruschi, Paulo Nogueira Neto, Ibsen Gusmão Câmara e Maria Tereza Jorge Pádua. 

** E por que tratar, também, da construção da identidade nacional?
  • Porque esse grupo se via como responsável por eliminar as instituições liberais herdadas da República Velha (laissez faire e excessiva autonomia reginal) para, dessa forma, contribuir para um novo projeto de nação. 
  • Esse projeto, por sua vez, implicava harmonização das manifestações culturais da sociedade brasileira com o seu substrato (isto é, a riqueza natural), meta que só poderia ser alcançada por meio de um Estado forte, aconselhado pela elite intelectual. 
  • Porque o tema da construção da nacionalidade e do povo eram preocupações constantes no ambiente político e intelectual da época (1920 – 1940). Os pensadores brasileiros do período em questão pertenciam a uma geração da elite intelectual que, além de estar preocupada com a organização do mundo no plano das ideias, queria agir sobre a práxis política. 

“Organizar a nação” e “forjar o povo” eram as tarefas urgentes que caberiam às elites, das quais esses intelectuais se consideravam parte integrante e fundamental. Pp. 17


** Embora afiliados a correntes políticas diversas, em geral, os intelectuais de 1920 – 1940 assumiam as seguintes premissas comuns (pp. 17):
  • Necessidade de fortalecimento das funções do Estado Nacional; 
  • Prioridade dos imperativos nacionais em oposição aos interesses regionais; 
  • Reivindicação de um status de elite dirigente: o caminho para o progresso implicaria “dar forma” à sociedade mediante uma ação orientada “de cima”. 

** Temas recorrentes invocados pela geração de intelectuais de 1920 – 1940 (Lippi), pp. 18:
  • Geração e elite >>> Grupo que se via como responsável pela missão de forjar a nação brasileira. 
  • Diagnóstico da crise >>> A falta de contato com a realidade nacional e a cópia de modelos estrangeiros constituiriam os principais males da República Velha. Caos institucional, fragmentação do poder político, desorganização da sociedade. Crítica ao artificialismo e à ausência de componentes nacionais na construção do Brasil.
[...]. A construção do Estado nacional, mediante a quebra das barreiras oligárquicas ou regionalistas construídas pelos clãs e partidos políticos, era tema frequente na literatura do período. As estratégias para realizar essa tarefa enfatizavam a necessidade de que o Estado exercesse maior poder sobre a sociedade, abrangendo sugestões que iam desde a criação e/ou fortalecimento de comissões e conselhos técnicos até o investimento na resolução do problema educacional (Oliveira, 1980).
A reestruturação do Estado Nacional deveria, segundo os intelectuais, se dar de acordo com as noções de patriotismo e interesse geral, associadas à percepção da ordem política como um todo orgânico, indivisível nos seus elementos constituintes. [...]. Uma concepção organicista [...] e elitista [...] marca o estilo de pensamento da época (Oliveira, 1980). PP. 19.
  • Liberalismo X Democracia >>> Críticas ao modelo liberal (falsa concepção de homem, suposição de bondade inerente ao ser humano, individualismo, dissolução dos costumes e das tradições, crise de autoridade) articuladas com as propostas de construção de uma democracia social, fundamentada menos nas ideias de liberdade e de direitos públicos e mais na concepção de um “Estado Orgânico” conhecedor das “necessidades nacionais” (pp. 19 e 20).
Para os intelectuais, de modo geral, tratava-se de negar o Estado Liberal democrático, absenteísta ou indiferente, e substituí-lo por um Estado orgânico, dotado de um governo forte e orientado cientificamente pelo e para o conhecimento da realidade nacional. O Estado não poderia estar ausente, deveria intervir para coordenar e estabelecer o equilíbrio indispensável à ordem social e à afirmação da identidade nacional. Esses pensadores refletiam sobre diversos aspectos da sociedade brasileira. Alguns se preocupavam com o patrimônio cultural, alguns pregavam reformas educacionais, outros queriam reordenar o arcabouço jurídico-institucional do Estado, e outros ainda se dedicavam à questão da proteção à natureza. Os objetos de debate foram os mais diversos, mas o contexto mais amplo era, sem dúvida, o de intenso nacionalismo e de fé na ciência como guia para o progresso. Pp. 20.

** No Brasil, não raro, indivíduos ligados às instituições governamentais, geralmente cientistas ou técnicos, atuaram como articuladores-chave de entidades civis constituídas para pressionar os governos a tomarem posições decisivas para viabilizar políticas consideradas como de interesse geral (pp. 21).
  • Warren Dean chama atenção para o fato de que o princípio de maximização da eficiência dos servidores públicos dedicados à proteção da natureza acabava por gerar relações conflituosas entre atores sociais e o governo brasileiro, que os empregava. 
  • Choques entre os cientistas dedicados à proteção da natureza e a articulação hegemônica de poder, motivo pelo qual esses cientistas buscam apoio em organizações da sociedade civil que, por sua vez, eram consultadas pelo Estado. 


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CAPÍTULO 01


As preocupações com proteção à natureza no Brasil e o seu contexto

** Ambiente político das décadas de 1920 – 1940
  • Intenso nacionalismo
  • Desejo de modernização da sociedade e das instituições do Estado
  • Temas abordados no período, objeto de preocupação da sociedade e do governo: trabalho, indústria, educação, saúde, arcabouço jurídico-institucional, manifestações culturais, patrimônio histórico, proteção à natureza. 

** Proteção à natureza >>> Tema tratado por uma grupo de cientistas e intelectuais razoavelmente coeso (geração de 1920 – 1940), grupo esse que alcançou certo sucesso na assunção de suas propostas pelo Estado dada a abordagem que conectava a proteção da natureza à identidade nacional.


** A geração anterior (1890 – 1910) já demonstrava preocupação com o cuidado como mundo natural. Referências na produção intelectual e científica >>> Museu Nacional do Rio de Janeiro, Jardim Botânico, Instituto de Manguinhos.
No Estado de São Paulo, ainda na República Velha, representantes do Partido Republicano, politicamente hegemônico, começavam a perceber os riscos apresentados pela agricultura de plantation e pelo crescimento desordenado das cidades para o futuro da sua economia e manutenção do seu projeto político. As ferrovias paulistas, em acelerada expansão em termos de quilometragem e de cargas transportadas, eram um símbolo da modernização e do rápido avanço das fronteiras cafeicultoras e da consequente conversão das formações vegetais nativas em áreas cultivadas. No entanto, as ferrovias também permitiam que viajantes atentos vissem as marcas dos amplos danos que ocorriam nas suas margens imediatas e nas suas faixas mais largas de influência e escrevessem sobre essas marcas. Pp. 26. 

** O Governo de São Paulo contratou um grupo de técnicos e de cientistas para proporem medidas visando um melhor aproveitamento dos recursos naturais.
  • Orville Derby, Franz W. Dafert, Hermann von Ihering, Alberto Loefgren e Edmundo Navarro de Andrade. 
  • Apenas Edmundo Navarro de Andrade era brasileiro. 

Grande parte de suas propostas foram rejeitadas, talvez até mesmo pelo fato de que o grupo era formado majoritariamente por estrangeiros, o que deixava a sensação de que estava interferindo nos assuntos da elite local, que não lhe diziam respeito (pp. 27).


De toda forma, a partir da atuação desses personagens, criaram-se várias instituições estaduais incumbidas de modernizar os estudos científicos. Em 1896, instalou-se, na Serra da Cantareira, a Seção Botânica, vinculada à Comissão Geológica e Geográfica, sob a coordenação de Derby. Com ela surgiu, neste mesmo local, a primeira reserva florestal do estado, cuja principal finalidade era proteger as bacias dos riachos que abasteciam a cidade de São Paulo. Em 1892, fundou-se um laboratório especializado na produção de vacinas, transformado no Instituto Butantã, em 1901. Outra instituição importante, do ponto de vista da implantação e do desenvolvimento da pesquisa científica, foi o Museu Paulista, surgido em 1895 (Dean, 1996; Pinto, 1994). Pp. 27. 


** Hermann von Ihering (1850 – 1930) >>> Intelectual da Zoologia e da Botânica vinculado ao Museu Paulista. Condenava a exploração imprevidente dos recursos naturais (mazela que entendia não ser privilégio do Brasil, mas derivada da própria natureza humana). Com recursos próprios, criou a Estação Biológica do Alto da Serra, situada na Serra do Mar, acima de Cubatão. Reserva doada em 1909 ao Museu Paulista. Suas propostas configuravam um verdadeiro anteprojeto de código florestal, documento que o Brasil só viria a ter em 1934. Antecipavam diversos temas hoje tratados como inovações. Citam-se as seguintes propostas:
  • Proposta que antecipa os conceitos de responsabilidade objetiva e de madeira certificada: “As companhias de estrada de ferro poderão continuar a queimar lenha nas máquinas, com a condição de que seja proveniente das matas de sua própria cultura e que impeçam os incêndios ao longo das linhas, por cujos prejuízos serão sempre responsáveis”. 
  • Estabelecimento de área de restrição físico ambiental derivada de declividade (tema tratado na Lei n. 6.766/79 e em Resoluções do Conama): “Deverão ser proibidas as derrubadas em terrenos com mais de 30 graus de declividade”. 
  • Proposta que antecipa o princípio do “poluidor-pagador”: “Os donos ou concessionários das matas, que as explorem com o fim de extrair tanino e outros produtos químicos, deverão ser obrigados a replantar a floresta à medida que a explorarem”. 
  • Instituição de reservas florestais e da silvicultura racional como solução para o problema do fornecimento de lenha, da extração de madeira de lei e outros produtos, e da defesa dos mananciais no interesse da manutenção do clima e do abastecimento público. 
  • Propunha a criação de um serviço florestal. 


** Alberto Loefgren (1854 – 1918) >>> Pesquisador ativo que publicou diversas descobertas sobre a flora brasileira. Fundação do Serviço Florestal e Botânico, em São Paulo. Campanha em prol da criação de um Código Nacional de Florestas, de um Serviço Nacional de Florestas e de Parques Nacionais. Sob sua influência, instituiu-se, no Brasil, a comemoração do Dia da Árvore. Influenciou a criação da Estação Biológica em Itatiaia – RJ, que, desde 1937, é o Parque Nacional do Itatiaia (primeiro PARNA brasileiro). Enfrentou dificuldades para convencer os legislativos estaduais acerca da necessidade de proteger as florestas primárias remanescentes (jogo político com a grilagem de terras, banalização e, posteriormente, revogação das normas que proibiam a derrubada de madeira de lei).


** Edmundo Navarro de Andrade (1881 – 1941) >>> Agrônomo formado em Coimbra. Único brasileiro desse grupo de conservacionistas pioneiros. Discurso afinado com o Partido Republicano Paulista, motivo pelo qual suas propostas foram aceitas pelas elites paulistas.
  • Dedicado ao tema do reflorestamento com espécies exóticas (eucaliptos e pinus), tema em que se tornou autoridade internacional, possuía uma das coleções mais completas de espécies de eucalipto no mundo. 
  • Após pesquisas e experimentos, concluiu que a destruição de florestas não era o único, nem o principal fato a influenciar as precipitações atmosféricas. Esses argumentos, portanto, não deveriam ser utilizados para justificar a preservação das florestas. Em seu entendimento, as florestas deveriam ser estimadas por si mesmas, não pela sua suposta utilidade. 
  • Era contrário à criação de limitações administrativas sobre os direitos de propriedade rural (instituição obrigatória de reservas florestais em áreas privadas), o que o tornava aceito entre a elite rural. 
  • Foi o único entre os pioneiros da conservação a concretizar as suas propostas. 


** Alberto Torres (1865 – 1917) >>> Jurista, ensaísta e pensador político. Autor de “O Problema Nacional Brasileiro”, “A Organização Nacional” e de “As Fontes de Vida no Brasil”. Ideias intensamente discutidas pela geração que o sucedeu. 
  • Crítico da modernidade: o progresso e o industrialismo vinham acelerando a exaustão dos recursos naturais finitos do planeta. 
  • Em seu entender, o Brasil configurava um caso típico de destruição acelerada dos recursos naturais: seguia os passos dos países industrializados, inclusive cometendo os mesmos equívocos relativos ao tratamento dispensado à natureza. 
  • Projeto de nacionalidade que valorizava as gentes e os recursos naturais do país. 
  • Incluiu o termo “conservação” (tal como utilizado nos EUA) em sua proposta de Constituição Federal.
[...]. A chave do progresso estava, para ele, no uso previdente dos recursos naturais e no investimento no que hoje chamaríamos de capital humano – educação e saúde da população. A opção por esses dois caminhos – ao contrário do afã de reproduzir no país os aparatos tecnológicos modernos estrangeiros – deveria conduzir-nos a um desenvolvimento mais lento, porém seguro, e a uma autonomia em relação ao que considerava os “ditames do imperialismo”. Pp. 36. 
  • Conservadorismo romântico: rejeição quase total à industrialização, inscrevendo-se no rol dos que sustentavam que o Brasil era um país de vocação agrícola. Na mesma linha de José Bonifácio, Torres acreditava que a harmonia seria encontrada em uma nação de pequenos proprietários remediados, cultivando e fabricando os produtos necessários à vida e os que empregam matéria-prima nacional, recebendo, do comércio com o estrangeiro, os produtos inaclimatáveis e os produtos industriais cujas matérias primas não existem no Brasil. Pp. 37. 
  • Por meio de uma atuação mais forte e decidida de um Estado centralizador, era necessário cuidar das condições de produtividade do solo, diretamente vinculadas à manutenção das florestas (“problema higronômico”).  
Torres queria que o Brasil tivesse um Estado forte e intervencionista, capaz de “organizar” a Nação, ordenar e equilibrar os fatores físicos e humanos, moldar o trabalhador nacional e garantir a conservação das riquezas a explorar. Pp. 38. 
  • O pensamento de Torres começou a ganhar destaque com as crises de abastecimento e de financiamento que o Brasil enfrentou durante a Primeira Guerra Mundial. Tornou-se “programa de ação” para os protetores da natureza da geração de 1920 – 1940, até porque seu pensamento permitia equacionar as preocupações acerca do mundo natural com a construção da identidade nacional (“moldar o país a partir de cima”).

** As ideias de Alberto Torres foram abraçadas pela geração subsequente. O clima de mobilização nacional vigente entre 1930 e 1934, bem como a crença na necessidade de um Estado forte, levaram a uma aproximação entre os intelectuais protetores da natureza e o staff de Vargas, circunstância que favoreceu a concretização de suas propostas.



** Maior sucesso da geração de 1920 – 1940 em relação à anterior >>>
  • Os pensadores da nova geração eram brasileiros. 
  • Os pensadores da nova geração estavam identificados com ideias de teor nacionalista então em voga. 
  • Os pensadores da nova geração conseguiram maior penetração nas associações da sociedade civil, fazendo-se ouvir por seu intermédio. 
  • Os pensadores da nova geração conseguiram espaço suficiente no governo para institucionalizar parte de suas propostas. 


** Década de 1930 >>>
  • Primeiras legislações de proteção à natureza. Código Florestal, Código de Caça e Pesca, Código de Águas, Código de Minas, Código de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas. 
  • A Constituição de 1934 delegou aos Estados e ao Governo Central a proteção das “belezas naturais” e os “monumentos de valor histórico ou artístico”.
  • 1937: Criação do Parque Nacional do Itatiaia
  • 1939: Criação do Parque Nacional da Serra dos Órgãos
  • 1939: Criação do Parque Nacional do Iguaçu.


A Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza 


** Realizada entre 08 e 15 de Abril de 1934, no Rio de Janeiro. Organizada pela Sociedade dos Amigos das Árvores e com o apoio do Museu Nacional do Rio de Janeiro.


** A realização da Conferência indicava a maior visibilidade do tema da proteção à natureza entre a opinião pública. 


** Preocupação com o uso racional dos recursos naturais (pragmática) E com a preservação da vida selvagem (estética). Preocupação de que o Brasil acompanhasse as iniciativas implementadas em outros países no campo da proteção à natureza. 


** Conservacionismo X Preservacionismo >>> Correntes antagônicas na América do Norte (pp. 46). Os conceitos de conservação e de preservação foram simultaneamente invocados na Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. O evento abordou, por exemplo, tanto a silvicultura (natureza a ser manejada), quanto a criação de Parques Nacionais com finalidades estéticas e científicas. 
[...]. No Brasil dos anos 1920 – 1940, portanto, os conceitos de proteção, conservação e preservação eram intercambiáveis, indicando que a natureza deveria ser protegida, tanto como conjunto de recursos produtivos a serem explorados racionalmente no interesse das gerações presentes e futuras quanto como diversidade biológica a ser objeto de ciência e contemplação estética. Pp. 49.

CONSERVACIONISMO
X
PRESERVACIONISMO

-- Racionalidade na utilização dos recursos naturais, tais como o solo, as florestas e a água.
-- Tradição de manejo florestal desenvolvida na Alemanha.
-- Gifford Pinchot
-- Princípios: Desenvolvimento, com uso dos recursos existentes pela geração presente; prevenção do desperdício, como garantia do uso dos recursos pelas gerações futuras; uso dos recursos naturais em proveito de muitos (pp. 48)
-- Defendiam a natureza com os argumentos de fruição estética e da transcendência espiritual proporcionada pelos aspectos sublimes da natureza selvagem.
-- Conceito de Parque Nacional: Preservar áreas dotadas de grande beleza natural em seu estado selvagem. Exclusão dos humanos de áreas consideradas “virgens”.
-- Modelos: Parque Nacional de Yellowstone (1872) e Parque Nacional de Yosemite (1890).
-- Parques Nacionais se espalharam pelo mundo como modelos de preservação do ambiente natural.
-- George Catlin, Henry David Thoreau, George P. Marsh, John Muir.




** Paulo Roquette-Pinto >>>
  • Focou nas ameaças correntes de devastação da natureza e nas iniciativas para protege-la. Traçou um histórico da difusão das áreas protegidas pelo mundo. 
  • Defendeu a necessidade de cooperação internacional nas questões afetas à proteção da natureza. 
  • Além do interesse em proteger as belezas do mundo natural, os Parques Nacionais também favoreciam a valorização da natureza como objeto de pesquisa a ser preservado. Legitimação de uma postura cara aos cientistas do MNRJ. 


** Silvicultura >>>
  • Tema ao qual foram feitas diversas referências ao longo da Conferência. 
  • Proposta de reflorestamento com eucaliptos (Edmundo Navarro de Andrade) e com espécies nativas. 
  • Tratada simultaneamente como prática científica e econômica. 
  • Natureza “jardim”. 


** Parques Nacionais >>>
  • Projeto de André Rebouças para a criação de dois Parques Nacionais nos moldes de Yellowstone: um na Ilha do Bananal e outro na região do Guaíra (PR). 
  • Justificativa para a criação dos PARNA da Ilha do Bananal e do Guaíra: proteção ao mundo natural e desenvolvimento do turismo como fonte de recursos. 
  • Edgard Roquette-Pinto recomendava a criação de parques nacionais como centros voltados à pesquisa científica, à proteção da fauna e da flora, a atividades educativas, culturais e turísticas. 
  • Alda Pereira da Fonseca entendia o Parque Nacional como obra artística, que não só promoveria a proteção da natureza como permitiria agrupar as árvores das diferentes regiões do país. Contribuição para os estudos no campo da Silvicultura, do Paisagismo, além de garantir o reflorestamento (conceito de natureza “melhorada”, “jardim”). 
  • Texto de Auguste Chevalier, acerca da Conferência Internacional para a Proteção da Fauna e da Flora, Londres, 1933: Proposição de reservas naturais absolutamente intocadas, visando à conservação da fauna e da flora, no interesse estético e científico. 
A ideia de reserva natural oscilava, portanto, entre parques organizados ou pelo menos melhorados pelo artifício humano e áreas a serem mantidas “virgens”, apenas controladas pela vigilância humana. E preciso levar em conta que em 1934 o conhecimento sobre o manejo das florestas tropicais era incipiente. Além disso, tradições diversas e muitas vezes antagônicas de cuidado com a natureza estavam apropriadas sem uma reflexão mais profunda sobre os seus paradigmas. De todo modo, isso não significa que a concepção de proteção à natureza no Brasil fosse incoerente. Ela era justificada por um projeto mais amplo de sociedade, fundado na percepção das riquezas naturais – tanto estéticas quanto econômicas – como “fontes da nacionalidade”.Esse projeto entendia a natureza como um todo orgânico e a sociedade como a sua extensão. O Brasil era um país novo, que precisava se conscientizar da relação fundamental entre natureza e sociedade, para que o seu progresso se baseasse no aproveitamento racional das riquezas naturais. A imprevidência e o esquecimento do vínculo entre o homem e o mundo natural eram ou poderiam ser fatores de geração de pobreza e de negação dos recursos naturais para as futuras gerações de brasileiros. Pp. 54 e 55. 

** Papel do Estado >>> Cobrava-se que o Estado fosse o principal sujeito na manutenção de um vínculo orgânico e harmônico entre natureza e sociedade, que representasse e catalisasse a tomada de consciência sobre a nacionalidade (perspectiva alinhada com a de Alberto Torres).


** Solo e subsolo >>> Necessidade de se estudar e preservar as grutas.


** Flora >>> Inventário das plantas e identificação de plantas raras. Jardins botânicos como espaços de pesquisa botânica, inclusive para fins medicinais. Problemas com devastação de florestas relativos às enxurradas e às mudanças de clima. O plantio de árvores e a silvicultura aparecem como opção econômica para a reposição de florestas úteis. 


** Fauna >>> Necessidade de proteger espécies que começavam a se tornar raras, mediante criação de áreas protegidas para esse fim específico. Zoológicos como espaços para pesquisas e educação, para a reprodução de espécies em cativeiro, para a criação de laços afetivos entre as crianças e a fauna silvestre. Demanda em prol da regulamentação da caça e da pesca. Defesa dos animais “carismáticos”, que fortaleceriam o sentimento de se pertencer a uma nação rica em belezas naturais. 
A preservação de espécies e sítios fazia parte de um projeto de nação que valorizava os vínculos entre o homem e a natureza. [...]. 
Essa percepção relacionava-se com a ideia, oriunda do romantismo, de que a nacionalidade é fruto da convergência entre a história de um povo e o seu ambiente natural. A nossa nação era ainda jovem, provida de uma natureza rica e de um povo supostamente “bom”, sendo, no entanto, necessário que este povo fosse não só instruído, mas também conhecido. Era preciso que ele se tornasse consciente das riquezas em meio às quais vivia e da necessidade de preservá-las, bem como das tecnologias mais modernas adequadas ao bom uso dos recursos. Pp. 58 – 59. 

** Legislação e métodos >>> Era preciso seguir o que vinha sendo feito em outros países com o objetivo de proteger a natureza. Não bastava a elaboração de leis: era fundamental que elas fossem cumpridas. Havia, pois, uma demanda pela força do Estado, que deveria providenciar os meios de fazer cumprir as leis. 
A convicção de que a lei se constituía em um instrumento legítimo de orientação das condutas humanas justificava o apelo por um Estado intervencionista que, por meio da lei, consegue “organizar” a sociedade. Pp. 60. 
  • Preocupação de que a legislação tivesse um caráter de conjunto, abrangendo o aspecto legal, o aspecto educacional e a vigilância (preparação de uma milícia florestal, bem instruída nos assuntos relativos à silvicultura).
A noção de proteção à natureza, que perpassou os debates da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, envolvia tanto uma ideia de preservação das belezas naturais quanto uma ideia de melhoramento da natureza pelo homem. Os argumentos utilitários coexistiam em harmonia com aqueles de ordem estética. Enquanto na América do Norte essas perspectivas se opunham, gerando tensões entre órgãos de governo e entre correntes de pensamento diversas [...], no Brasil elas eram partes de um projeto maior que vinculava a natureza com a construção da nacionalidade. Pp. 63.


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DISCUSSÃO EM SALA


** Texto baseado na Tese de doutoramento de José Luiz de Andrade Franco. 


** Autores estudados por José Luiz de Andrade Franco >>>
  • Morreram até 1956.
  • Nenhum de seus textos está disponibilizado ao grande público, não obstante tenham morrido há cerca de sessenta anos e tenham vivido dentro de instituições acadêmicas influentes.
  • Pensadores ligados à Escola Nacional de Belas Artes, ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, ao Museu Nacional de São Paulo, ao Jardim Botânico de São Paulo.

** Alberto Torres, Oliveira Vianna >>> Amplamente publicados, até os dias atuais >>> Autores que subsidiaram Estado Novo. 


** Tradição ambientalista norte-americana: inscrita em uma tradição democrática versus Tradição ambientalista brasileira: inscrita em uma tradição autoritária. 


** A Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza aconteceu em 1934. A segunda, somente em 1968!!! 


** Trajetória até a redação do livro >>> 
  • Descobriu José Augusto Pádua. “Um sopro de destruição”. Geração de ambientalistas da época de José Bonifácio. Crítica: anacronismo do conceito de ambientalismo, que não era utilizado naquela época. 
  • Descobriu Warren Dean (A ferro e fogo: a história da destruição da Mata Atlântica), livro que o inspirou. 
  • Descobriu o artigo de José Augusto Drummond acerca da destruição da natureza no Rio de Janeiro. 
  • Recebeu a sugestão de ler Antônio Carlos Diegues (O Mito Moderno da Natureza Intocada), livro que o decepcionou profundamente, dado o simplismo dos argumentos invocados, bem como a utilização da “Estratégia do Espantalho” (na qual o crítico faz uma caricatura do pensamento dos autores por ele criticados). 

** Preocupação do autor >>> Identificação de um discurso da literatura ambiental que criou um suposto “marco”. Discurso de que o ambientalismo “começou” em 1972, com a Conferência de Estocolmo. Até então, as preocupações com Meio Ambiente seriam pontuais e localizadas: em síntese, coisa de ricos excêntricos... Os estudos do autor refutaram esse argumento. 


** Contextualização do Pensamento Autoritário >>> 
  • A democracia da República Velha era uma piada. Voto dos homens maiores de 21 anos e alfabetizados (a alfabetização era um critério tão limitante quanto o voto censitário). Voto de Cabresto. Coronelismo. 
  • Correntes políticas da época, que se apresentavam como alternativa à democracia liberal da República Velha: 
(a) Comunismo (ditadura do proletariado); 
(b) Positivismo (ditadura dos cientistas); 
(c) Liberalismo spenceriano (império do mercado, responsável por selecionar os mais fortes e eliminar os fracos); 
(d) Anarquismo (ausência de Estado); 
(e) Jacobinismo (democracia “rousseauniana”). 
  • Noutras palavras, as alternativas políticas existentes à época apresentavam a formação de um Estado Autoritário como a melhor solução possível para o Brasil. 
  • Teoria do Estado Novo >>> O Estado era visto como uma totalidade orgânica, o verdadeiro amálgama da sociedade brasileira. Em um braço figuravam os trabalhadores; em outro braço, os empresários; na cabeça, o Estado (dentro do qual o chefe supremo era Getúlio Vargas). Teoria que fazia sentido naquela época. 
  • Décadas de 1970 e 1980 >>> Desconstrução da abordagem tradicional acerca do Estado Novo, tratado como o Estado Populista, por meio de Edward Thompson (derruba a velha abordagem “classe em si X classe para si”, Hanna Arendt e Michel Foucault (“poder não se dá, poder se exerce”). E o que seria o Populismo? É o exercício do poder do Estado que alimentava os dois lados conflitantes, isto é, o trabalhador (com direitos trabalhistas) e o empresário (que era incentivado a investir). O líder populista (que é um líder carismático) ocupava um “vácuo de poder” gerado pela inexistência de classes burguesa e proletária bem desenvolvidas. Referências: ”A invenção do trabalhismo” (Ângela Castro Gomes) e “Os bestializados da República” e “A cidadania do Brasil” (José Murilo de Carvalho).

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