sábado, 21 de junho de 2014

Esquema de leitura: A primazia dos cientistas naturais na construção da agenda ambiental contemporânea, por Drummond, José Augusto.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Professores: Marcel Bursztyn e Doris Sayago
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura
Texto: DRUMMOND, José Augusto. A primazia dos cientistas naturais na construção da agenda ambiental contemporânea. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Volume 21, n. 62, Outubro de 2006.

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** Objetivo do texto >>> Demonstrar que praticamente a integralidade da agenda ambiental contemporânea foi construída por cientistas filiados às Ciências Naturais ou Tecnológicas. De acordo com o autor, os cientistas sociais chegaram à discussão de forma retardatária e, por vezes, parcialmente equivocada.

** Motivação do texto >>> Constatação de que boa parte dos cientistas sociais resiste à primazia dos cientistas naturais na discussão da temática ambiental: ignoram as suas contribuições ou as criticam de forma equivocada e empobrecedora. Não é difícil encontrar cientistas sociais empenhados em rotular os pioneiros da questão ambiental como “neomalthusianos”, “insensíveis aos problemas sociais”, “naturalistas”, etc.


A “lição” mais relevante a tirar desse fato é prosaica: os cientistas sociais interessados em estudar a questão ambiental têm e continuarão a ter muito a aprender com os cientistas naturais. Pp. 05.


** Desenvolvimento Sustentável >>> “O conceito de desenvolvimento sustentável e o paradigma da sustentabilidade foram amplamente veiculados pelo documento intitulado Our common future [no Brasil, ”Nosso Futuro Comum” ou Relatório Brundtland], escrito em meados da década de 1980 pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, chefiada por Gro Brundtland”. Pp.06
            -- Apesar de todas as polêmicas em torno da temática, esse documento foi amplamente aceito pela comunidade científica, pelos governos, pelas entidades intergovernamentais, pelas entidades não governamentais, pelos grupos empresariais. Motivo? Sugere um balanço entre problemas ecológicos ou biofísicos, por um lado, e problemas sociais, econômicos, éticos e culturais, de outro lado.
            -- E o que seria “Desenvolvimento Sustentável”? De acordo com o Relatório Brundtland, seria “aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem às suas próprias”. Pp. 06.
            -- Elementos notáveis: capacidade de suporte ou capacidade de carga (conceitos da Biologia) + solidariedade intergeracional ou equidade (Juízo Ético, Deontológico).

No entanto, é necessário fazer uma grande ressalva. Rigorosamente, a dimensão ecológica do conceito de desenvolvimento sustentável também carece de originalidade, pois nasce de um conceito estabelecido há décadas na ciência da biologia – “capacidade de carga” (carrying capacity), ou “capacidade de suporte”. A “novidade” é a sua aplicação sistemática para o estudo de sociedades humanas, o que é fruto do trabalho de cientistas naturais interessados nas questões ambientais. Pp. 07.

-- Capacidade de Suporte e Capacidade de Carga: Quantidade de população máxima a que um ambiente natural, com recursos limitados, pode ser submetido. Conceitos, há décadas, utilizados por ecólogos e biólogos em pesquisas voltadas a descobrir quantos seres vivos desta ou daquela espécie podem ser sustentados por um ecossistema, sem que essa população provoque colapso no ecossistema.
-- Parcelas crescentes de cientistas passaram a aplicar os conceitos de capacidade de suporte e de capacidade de carga às sociedades humanas, enxergando os limites relativos ao que os homens poderiam, sem prejuízos à natureza, retirar do planeta para reproduzir sua existência.  

O relatório da Comissão Brundtland veio na esteira de pelo menos quarenta anos de preocupações ecológicas-ambientais entre cientistas naturais e de aplicação do conceito de capacidade de carga ao que hoje chamamos de questões ambientais. Quem pensou sobre essas questões, pioneiramente, foram os cientistas naturais que, trabalhando individualmente ou em grupos, redes e comissões, produziram estudos tão importantes e influentes, guardadas as especificidades de época, quanto o relatório da Comissão Brundtland, embora em geral tenham tido uma recepção mais polêmica.  
Sem que ninguém pudesse prever, esses estudos cumpriram, no entanto, a difícil tarefa de fundar ou codificar as grandes questões ambientais reconhecidas e debatidas contemporaneamente. O texto da Comissão nasceu, portanto, num território já aberto por esses pioneiros – território não apenas temático, mas também conceitual. Pp. 07.


Sustento, portanto, que o conceito de desenvolvimento sustentável é, por assim dizer, um “filho” sociológico do conceito biológico de capacidade de carga. Pp. 08.



** Cientistas sociais como retardatários na questão ambiental >>> Os textos fundadores da questão ambiental – textos apenas tardiamente viriam a influenciar cientistas sociais -- foram quase todos escritos por cientistas naturais ou da área tecnológica: biólogos, ecólogos, químicos, analistas de sistemas, físicos, etc. Esses foram os cientistas que identificaram, publicaram e trouxeram para a agenda pública temas atuais, tais como o esgotamento e a poluição dos recursos naturais, a extinção de espécies, a perda de biodiversidade, a desertificação, o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio, a destinação inadequada dos resíduos e efluentes, entre outras.
-- E quais seriam os fundamentos da resistência dos cientistas sociais às questões ambientais? 1) Questão metodológica, segundo a qual o social se explica apenas por meio do social: as sociedades humanas seriam “imunes” aos fatores naturais (fragilidade que diversos cientistas sociais ainda carregam, mesmo quando discutem as questões ambientais); 2) Consequências nefastas do Darwinismo Social Spenceriano e das teorias racistas, influência direta da Biologia sobre as Ciências Sociais e Políticas, responsáveis por guerras e genocídios. 
Dunlap e Catton (1979), por exemplo, mostram que a disciplina da sociologia como um todo (representada principalmente, mas não unicamente, pela produção em língua inglesa, original ou traduzida) deu uma atenção “tardia” às questões que hoje chamamos de ambientais. Além de tardia, foi também limitada, pois havia ainda uma questão de fundo, metodológica ou filosófica, qual seja, a recusa implícita – e às vezes explícita – dos cientistas sociais de levar em conta fatores naturais e biofísicos como variáveis legítimas da análise sociológica. Ou seja, os sociólogos entraram na nascente era ambiental portando o que considero um sério handicap – o princípio durkheimiano de que só é possível explicar o social pelo social. Perderam, assim, a chance de ter um papel significativo na emergência dos estudos e das pesquisas sobre as questões ambientais, em que o social era definido, desafiado, limitado ou condicionado pelo natural. Pp. 08 
Dunlap e Catton sustentam também que, em meados do século XX, quando emergia a questão ambiental, os sociólogos estavam imersos num “paradigma de imunidade humana” (human exemptionalism paradigm), que se baseava na imunidade das sociedades humanas em relação às variáveis naturais. Explicar o social pelo social era nesse momento um traço mais do que cinquentenário das ciências sociais. Duas ou três gerações de sociólogos tinham sido treinadas para estudar os processos e os eventos sociais e culturais como fenômenos imunes ao alcance das variáveis naturais. Pp. 09.


“A emergência de um “novo paradigma ambiental” entre os sociólogos não decorreu de uma mudança endógena no âmbito da perspectiva e da metodologia da disciplina”. Pp. 09


** As ciências naturais e a “invenção” das grandes questões ambientais >>> Abordagem acerca de alguns dos principais temas ambientais da contemporaneidade, já adiantados por Paul B. Sears, Aldo Leopold, Rachel Carson, Paul Ehrlich, Donella Meadows, Garrett Hardin e James Loveloc.

a. Paul Bigelow Sears >>> 1891 – 1990, botânico norte-americano. Fez parte de um grande grupo de estudiosos preocupados com o fenômeno da desertificação, em escala 
Autor de “Deserts on the march”, obra editada em 1935, pelo menos vinte anos antes do início da disseminação das preocupações 
O livro foi um grande sucesso, em parte devido ao temor doméstico dos norte-americanos ante a perspectiva da ampliação dos desertos de seu país, desertos já bastante extensos. Entretanto, Sears não se restringia à desertificação nos EUA: antes, tratava de desertos de uma maneira geral, em outros continentes e de períodos da história antiga e contemporânea. Notabilizou-se por documentar como muitos povos cavaram seu próprio abismo, ao fabricarem desertos.

Narra dezenas de processos e episódios em que sociedades diversas foram algozes de si mesmas, ao praticar extrativismo, agricultura, pecuária, corte de árvores e manipulações da água que ajudaram a formar ou a ampliar desertos estéreis, incapazes de sustentar as atividades humanas. Pp. 10.

b. Aldo Leopold >>> 1887 – 1948. Norte-americano. Engenheiro florestal fundador de uma nova disciplina científica, denominada “Manejo da Vida Silvestre” (Wildlife Management). Pioneiro na restauração de ecossistemas. Funcionário do US Forest Service. Associado à Universidade de Winsconsin (onde fundou o curso de Manejo da Vida Silvestre, curso que ainda existe e que permanece na vanguarda das discussões ambientais). Ativista ambiental (ajudou a fundar a Wilderness Society, em 1924).
Autor de “Pensar como uma Montanha” (A Sand County Almanac), livro em que: 1) Relata as mudanças na natureza causadas pela sucessão das estações e pelas atividades produtivas (antrópicas) das fazendas, ao redor de sua propriedade; 2) Trata da paisagem rural – selvagem de várias regiões dos EUA; 3) Propõe a “Ética da Terra” (Land Ethic).
A Ética da Terra envolveria as relações entre seres humanos e seres não-humanos, todos integrantes de uma mesma “comunidade biótica”. Para Aldo Leopold, a Ética da Terra seria mais uma expansão do alcance da Ética na história das sociedades ocidentais. É que ao longo da história, círculos cada vez maiores de pessoas (mulheres, estrangeiros, pobres, escravos) foram progressivamente protegidos contra as arbitrariedades de seus semelhantes.
Dessa forma, de acordo com Aldo Leopold, o então nascente movimento ambientalista seria o agente propulsor da inclusão da Terra no rol dos entes eticamente protegidos.
A realização da Ética da Terra demandaria o compromisso de grupos desinteressados, não sendo suficiente a ação fiscalizatória e repressiva do Estado.

A ética da terra não poria fim ao inevitável uso humano dos componentes da natureza, mas “afirmaria o seu [da natureza] direito à existência contínua”, até mesmo no que concerne o estado natural ou intocado, em alguns casos. O autor afirmava que a conservação baseada apenas numa ética econômica ou utilitarista era insuficiente, pois deixaria de fora a maior parte da flora e da fauna (por serem “inúteis”), as terras não agricultáveis, os minérios sem uso, as paisagens “feias” e assim por diante.
A ética proposta por ele abarcaria a sociedade humana e todos os componentes da natureza numa única e abrangente “comunidade biótica”. Isso é outra maneira de dizer que a natureza e seus componentes não precisam ser úteis para os humanos para merecerem proteção ou uso cuidadoso – eles têm um valor intrínseco, independente de e irredutível à sua utilidade. Vale lembrar que esse é o núcleo conceitual de uma sofisticada e radical corrente ambientalista contemporânea, desenvolvida décadas depois, principalmente por filósofos e denominada “ecologia profunda” (deep ecology). Pp. 11 e 12.  
Pode-se dizer que Leopold era um otimista, pois via na história filosófica humana uma passagem profícua da barbárie, em que os homens se encontravam num estado hipotético de natureza, à formalização de uma ética primeiramente limitada a alguns círculos sociais e, depois, inclusiva de todos os seres humanos. Estender tal ética aos componentes da natureza seria um grande passo, mas nada tão ou mais difícil do que a humanidade já conseguira. Pp. 12.

c. Rachel Carson >>> 1907 – 1964. Bióloga norte-americana. Reconhecida pesquisadora, publicou em revistas de prestígio, lecionou em universidades renomadas, teve bolsas de pesquisa, ganhou prêmios renomados. Trabalhou como bióloga e como editora do US Fish and Wildlife Service. Autora de obras naturalistas voltadas à vida marinha.
Autora do livro Silent Spring, de 1962, apontado como marco fundador do movimento ambientalista 
Silent Spring, um livro de denúncia, causou comoção pública nos EUA e em outros países, influenciou carreiras científicas, influenciou a criação de linhas de pesquisa, influenciou leis e regulamentos que aboliram produtos modernos e de alto valor agregado do mercado (exemplo mais notável: banimento do DDT).

[...]. Carson narra as sombrias descobertas e constatações (suas e de outros cientistas naturais) a respeito das consequências diretas e indiretas, na natureza e na sociedade, do uso indiscriminado dos modernos pesticidas, herbicidas e fungicidas agrícolas (e substâncias associadas). O título refere-se [...] ao fato de que certas espécies de pássaros dos Estados Unidos, antes com populações muito numerosas, tornaram-se raras, “silenciando” as primaveras antes marcadas pelos seus cantos. Suas pesquisas mostraram que essas aves estavam sendo eliminadas pelos efeitos diretos e indiretos daquelas substâncias, em alguns casos aplicados em áreas agrícolas situadas a centenas de quilômetros dos litorais e dos estuários atlânticos nos quais a autora realizava suas pesquisas.  
Não se trata, porém, de um livro lírico sobre passarinhos, mas um relatório sério, áspero e perturbador sobre os riscos e as calamidades que a sociedade mais próspera do planeta estava introduzindo voluntária e entusiasticamente no ambiente natural do seu próprio território. Contestou, com sólida base científica, a moderna, dinâmica e lucrativa prática agrícola – propiciada por conglomerados e produtos industriais de prestígio inabalado – que criava efeitos deletérios de longo prazo sobre o ambiente natural e as sociedades humanas, uma vez que essas também eram altamente suscetíveis aos efeitos negativos dos agrotóxicos. Assuntos “desagradáveis” como câncer, mutações genéticas, lesões nervosas, intoxicações, defeitos congênitos, envenenamentos – tudo isso em seres humanos – abundam nos concisos e bem organizados parágrafos de Carson. Ela por certo abordava pássaros raros e peixes envenenados, mas estava preocupada, antes de tudo, com a saúde e o bem-estar dos humanos. 
[...]. Embora alguns cientistas sociais equivocados ainda hoje pensem que Carson se preocupava apenas com passarinhos, já em 1962 os executivos de empresas produtoras de pesticidas, o lobby dos fazendeiros modernizados e os dirigentes de alguns órgãos públicos sabiam muito bem que ela estava desafiando o seu poderio econômico. Tentaram, sem sucesso, desqualificá-la como cientista e estigmatizá-la como alarmista, mas foram derrotados com o banimento da produção e do uso nos Estados Unidos do DDT, símbolo maior da primeira geração de pesticidas sintéticos. Mesmo assim, esse produto continuou a ser fabricado e usado em outras regiões do mundo que desprezaram as constatações de Carson e de outros cientistas que, desde então, monitoram os efeitos negativos de sucessivas gerações de pesticidas sintéticos. Graças a ela, no entanto, o tema dos efeitos potencialmente perigosos de pesticidas e de muitas outras substâncias sintéticas foi inscrito permanentemente na agenda ambiental, quer nas ciências, nas políticas públicas, quer no campo do ativismo ambiental. Pp. 13.

d. Paul R. Ehrlich >>> Nascido em 1932. Ainda vivo e em atividade. Biólogo norte-americano. Ligado à Universidade de Stanford, em que atuou como professor de estudos populacionais (plantas e animais). Iniciou carreira na década de 50, pesquisando o desenvolvimento de populações de insetos resistentes a pesticidas, por via da seleção genética. Perito em populações, co-evolução, dinâmicas reprodutivas de animais e biologia da conservação. Divulgador do darwinismo e do conceito de serviços ecossistêmicos.
A partir de 1968, passou a estudar a reprodução dos seres humanos. Autor de uma obra clássica da questão ambiental: The population bomb (“A bomba populacional”). O livro foi bastante criticado e debatido. Ehrlich foi comparado a Thomas Malthus (ele e aqueles que o apoiavam foram rotulados, pejorativamente, como “neomalthusianos”).
Com “A Bomba Populacional”, Ehrlich passou a ser porta-voz e protagonista do movimento ambientalista, já que o livro nos convida à ação.

Ele deve ter sido o primeiro autor bastante difundido que transferiu explicitamente para o estudo das sociedades humanas o conceito de capacidade de carga. Aplicou esse conceito em escala planetária e chegou a conclusões alarmistas – quando não catastrofistas – de crises e mesmo de colapsos iminentes na produção de alimentos e na oferta de matérias primas em geral. 
Apesar de seu tom sombrio e alarmista (aspecto aliás muito comum em várias correntes da literatura ambientalista, até hoje) e de alguns cálculos equivocados, trata-se de um estudo do que hoje chamamos de “sustentabilidade ecológica” da espécie humana como um todo, tendo como base os recursos naturais do planeta. Pp. 14. 
Em geral, os cientistas sociais ignoraram-no ou estigmatizaram-no. Em primeiro lugar, estranhavam que um biólogo aplicasse aos humanos um método próprio para estudar animais e plantas. Este é um exemplo claro do quanto esses sociólogos estavam tomados pelo já citado “paradigma da imunidade humana” às variáveis naturais – ou seja, a idéia de que os homens seriam a única espécie cujo crescimento exponencial não teria limites nem implicações sobre a natureza. Em segundo lugar, rejeitavam a perspectiva malthusiana de Ehrlich, estabelecendo-se firmemente no campo daqueles para quem o crescimento populacional não é um problema grave, ou sequer um problema. Isso deriva de uma visão profundamente utilitarista sobre a natureza, que defende a expansão contínua da espécie humana para além de quaisquer considerações sobre a base de recursos naturais que sustentam a espécie. De fato, havia um tom malthusiano em The population bomb se pensarmos nos dados sobre a pobreza com que Ehrlich lidava. No entanto, o autor afirmou que também as populações dos países ricos tinham crescido exponencialmente, ou seja, não os “inocentava” [...]. Ehrlich focalizava a tensão que considerava mais alarmante, qual seja, a coincidência de haver cada vez mais pessoas e menos comida nos países pobres; foi por esse motivo que se deteve no estudo desses países. Fundou um movimento / organização denominado ZPG (Zero Population Growth [Crescimento Populational Zero]), incentivando campanhas para conter o crescimento populacional e estimular o planejamento familiar, tanto em países ricos como pobres. Pp. 14.

No livro The end of affluence (1974), o casal Ehrlich discute indicações da insustentabilidade do moderno modelo industrial de países ricos, enfocando sua voracidade por recursos naturais.
Nesse livro, há uma crítica ao modelo brasileiro, que combinava incremento populacional e a adoção de um modelo de crescimento econômico acelerado, baseado em grandes unidades de produção e em elevado consumo de energia (modelo adotado nos anos do “Milagre Brasileiro”, na década de 1970).
Temas, acerca do Brasil, tratados pelo autor, no livro “The End of affluence”: disparidades regionais do crescimento, concentração de renda, expansão da soja e outras monoculturas, ocupação desordenada da fronteira amazônica, inadequação dos solos amazônicos para cultivos de grande escala, escalada da construção de estradas, deslocamento de populações indígenas, posição “pró-poluição” da delegação brasileira na Conferência de Estocolmo.
Desde Ehrlich, o conceito de “capacidade de carga” foi inserido nas discussões – políticas, técnicas, ideológicas e científicas – acerca da questão ambiental.

A implicação mais ampla da reflexão de Ehrlich sobre o crescimento populacional é que a humanidade trilha um caminho insustentável, pois tende a consumir mais do que a natureza tem a seu dispor e mais do que a capacidade produtiva instalada pela sociedade humana consegue atender. Pp. 15.

O casal Ehrlich também contribuiu para incluir, na agenda ambiental, a discussão acerca da extinção de espécies e da proteção da biodiversidade, temas enfrentados no livro Extinction: the causes and consequences of the disappearance of species.
O casal participava de grupo de pesquisadores dedicados a sistematizar dados acerca do desaparecimento de espécies em escala planetária, estabelecendo correlações entre esses desparecimentos e atividades humanas, tais como desmatamento, queimadas, caça, poluição, agricultura. Esse é o tema central do livro em questão.
Além disso, no Extinction: the causes and consequences of the disappearance of species¸ o casal Ehrlich demonstra utilidades, ao homem, de espécies naturais e vegetais. Finalmente, o livro também envereda por um campo ético-filosófico, sistematizando as razões “simbólicas” contrárias à extinção de espécies animais e vegetais: compaixão, estética, fascinação e até o seu “direito intrínseco à existência”.
Aqui, Ehrlich, tal como Aldo Leopold, tangencia o que viria a ser denominado Deep Ecology ou Ecologia Profunda, uma corrente do ambientalismo contemporâneo.


e.  Dennis Meadows e Donella H. Meadows (1941 – 2001) >>> Peritos em teoria dos sistemas, informática, recursos naturais, poluição, agricultura, mineralogia, econometria, ciência política e administração. Ligados ao MIT (Massachusetts Institute of Technology). Coordenaram a elaboração de um estudo coletivo e interdisciplinar, traduzido para cerca de trinta línguas, intitulado The Limits to Growth, também conhecido como Relatório Meadows ou Relatório do Clube de Roma.
O Relatório Meadows trata do esgotamento da oferta de recursos naturais, tema constante na agenda ambiental contemporânea. Influenciou tratados internacionais, a elaboração de planos de desenvolvimento, desencadeou eventos políticos e científicos.
Por outro lado, foi criticado como “neomalthusiano” (dadas as preocupações com o crescimento populacional), determinista, catastrofista e imperialista.
Além dos cenários, o Relatório Meadows legou à ciência uma bem-sucedida e consagrada metodologia: a modelagem computadorizada de cenários baseados em análise multifatorial.
Em The limits to growth, o grupo de pesquisa do MIT discutiu cinco fatores como limitadores do crescimento econômico global: aumento da população, estagnação da produção agrícola (por causa da exaustão de solos apropriados), exaustão dos recursos naturais (principalmente petróleo e certos minérios), pressões da produção industrial crescente e poluição. [...]. Vale lembrar que, mesmo com a ausência de biólogos na equipe, continuavam em evidência temas, como crescimento populacional e “capacidade de carga” do planeta, tão caros aos biólogos. 
Meadows e equipe usaram uma modelagem computadorizada, muito sofisticada para a época, para desenvolver cenários baseados em análise multifatorial e em correlações simples e múltiplas. [...]. Os modelos absorviam e processavam, segundo os diferentes cenários programados, grandes volumes de dados sobre a disponibilidade de recursos (solos agrícolas, minérios e fontes de energia), o consumo de recursos naturais e alimentos, o crescimento populacional, as cargas de poluição lançadas nas águas e no ar etc. Todos os cenários desenvolvidos [...] indicavam fortes possibilidades de colapsos sociais, econômicos e ecológicos globais, advindos da fome, da exaustão de petróleo e de certos minérios cruciais para a vida industrial, da destruição de solos agrícolas e da contaminação do ambiente natural por substâncias tóxicas. Alguns ocorreriam dentro de poucas décadas, caso as atividades produtivas e a população continuassem a crescer no mesmo ritmo. Pp. 17.  
Por causa de sua preocupação com o crescimento populacional, o livro também foi rotulado de “neo-malthusiano” [...]. Cientistas sociais que também o criticaram ainda sucumbiam ao paradigma do “social pelo social” e reduziam a questão ambiental a mais um item das polaridades entre países ricos e pobres, mas ao menos começavam a prestar atenção à questão ambiental e aos dados necessários para aferir sua existência e mensurá-la. Pp. 17.  
Independentemente de errar em quase todas as suas previsões – risco inerente à construção de cenários –, há dois méritos relevantes que não podem ser esquecidos: (1) a idéia de que a continuidade da espécie humana precisa ser debatida no contexto das limitações biofísicas do meio natural e (2) o impulso à realização de estudos similares, de caráter global, regional ou nacional, focalizados de forma abrangente nas relações entre os estoques de recursos naturais e as atividades humanas. Ou seja, Meadows e co-autores mantiveram em pauta o conceito de “capacidade de carga” como instrumento legítimo de pesquisa sobre problemas sociais e econômicos. Esses dois preceitos estão na linhagem ascendente direta do conceito de desenvolvimento sustentável. Pp. 18.

f. Garret James Hardin >>> (1915 – 2003). Norte-americano, formado em zoologia e com Ph.D. em microbiologia. Perito em dinâmica de populações – humanas ou não. Autor do artigo “The tragedy of the commons”, publicado originalmente em 1968 na revista Science. Autor de outros 349 artigos e 27 livros. Fez carreira na Universidade da Califórnia, onde tornou-se professor emérito de ecologia humana. Era engajado em organizações e causas sociais, como a legalização do aborto, a Zero Population Growth (fundada por Ehrlich) e o combate à imigração ilegal nos Estados Unidos.
De acordo com o autor, no uso de recursos naturais comuns, os atores tendem a priorizar seus interesses individuais egoísticos em detrimento dos interesses coletivos, caso não haja regras eficazes de acesso e uso.
Segundo Hardin, o acesso não-regulamentado a uma área comum ou a um estoque de recursos naturais tende a facilitar um uso irracional e, eventualmente, gerar seu esgotamento, com prejuízo para todos, independentemente da intenção de cada usuário, que apenas procura maximizar seu ganho individual. Chamou isso de “tragédia dos recursos de propriedade comum”. Pp. 18.
O exemplo que Hardin usou no artigo tinha por base o conceito, caro à Biologia, de “capacidade de suporte”: imagine-se uma situação em que uma comunidade camponesa hipotética mantenha uma área comum destinada às pastagens, área essa que acaba sendo sobre-explorada pelo acúmulo de decisões individuais maximizantes – o aumento de animais no pasto para além do ecologicamente possível –, levando à sua inevitável degradação, em prejuízo de todos.
No exemplo de Hardin, a soma das racionalidades individuais, pulverizadas e desregradas não leva à felicidade de todos, ao bem comum (como supunha Adam Smith, fiel das benesses da “Mão Invisível do Mercado”), mas à desgraça de todos, isto é, ao mal comum.
Como se preocupava com o crescimento populacional e com a excessiva pressão do homem sobre os recursos naturais, Hardin também foi rotulado, pejorativamente, como “neomalthusiano”.
Além disso, como criticava os mecanismos estatais de controle dos recursos e simpatizava com algumas soluções de mercado, Hardin foi considerado um defensor da privatização desregrada dos recursos naturais.
[...]. Hardin era cético quanto à eficácia do altruísmo para além de pequenos grupos sociais. Sustentava que este se diluiria em meio a rivalidades e egoísmos étnicos e nacionais das grandes e complexas sociedades modernas. Pp. 19. 
[...]. Talvez devamos a Hardin a importante inovação conceitual de abordar de maneira sociopolítica os recursos naturais como bens públicos, isto é, como bens cuja disponibilidade depende de ação coletiva e de regras construídas por grupos sociais e pelo poder público. O resultado mais pragmático dessa idéia talvez tenha sido apresentar a necessidade da criação de regras de acesso e de uso dos estoques de recursos naturais de maneira teórica e conceitual, o que hoje é um consenso. Pp. 19

g. James E. Lovelock >>> Inglês, nascido em 1919 e ainda em atividade. Formado em Química e pós-graduado em medicina e biofísica. Ligado à Universidade de Oxford e a outras universidades, tais como Yale e Harvard.
Inventou, em 1957, o ECS (Electron Capture Detector), aparelho que permite analisar a composição química de misturas gasosas. O ECS ajudou na análise de muitos aspectos da atmosfera terrestre e também de outros planetas. Foi usado para identificar sinais de vida em outros planetas, quando Lovelock, a serviço da NASA, na década de 1960, ajudou a conceber a sonda Voyager.
Também descobriu o destino dos gases CFC, o que acabou desencadeando a “Guerra do Ozônio” (isto é, um longo debate acerca da destruição da camada de ozônio pela ação dos CFC liberados voluntariamente na atmosfera) e, em consequência, diversas pesquisas acerca da atmosfera e das mudanças nos regimes climáticos da Terra.
Lovelock participou dos primórdios da discussão sobre o “efeito estufa” e é, atualmente, um dos mais influentes cientistas e divulgadores das questões ambientais.
Autor dos livros Gaia: a new look at life on earth (1979) e The ages of gaia (1988).
Lovelock propõe a “Teoria de Gaia”, hipótese segundo a qual o Planeta Terra seria um grande organismo vivo (dentro do qual a humanidade é um acontecimento tardio e pouco relevante) e que “agiria” para permanecer vivo.
Paradoxo: dada a escala invocada por Lovelock na Teoria de Gaia, o ativismo ambientalista é completamente irrelevante para manter a vida na Terra. É que a base da vida na Terra são os micro-organismos, seres que o homem não conseguiria destruir ainda que desejasse. Dessa forma, a Teoria de Gaia apequena o papel do homem diante da Natureza.
[...]. A atmosfera, os oceanos, os continentes e todas as formas de vida formam, segundo Lovelock, um sistema complexo e ativo, capaz de agir e reagir a alterações (“naturais” ou induzidas pelos homens) e de restabelecer as condições necessárias para o prosseguimento e a evolução da própria vida. 
Ele afirma que o princípio básico da “teoria de Gaia” lhe ocorreu quando se deu conta do caráter quimicamente “inerte” ou “entrópico” das atmosferas de outros planetas. Em contraste, a atmosfera da Terra, sua temperatura e a salinidade dos oceanos, entre outros aspectos, apresentam conteúdos dinâmicos e “altamente improváveis”, mas ainda assim relativamente equilibrados e duráveis, revelando-se não-entrópicos. A explicação disso, para ele, é que esses compartimentos do planeta são, por assim dizer, “manipulados” pela vida para reproduzir as condições favoráveis a ela. Pp. 20. 
Lovelock entende que a humanidade gera, sim, ameaças à vida, mas sobretudo em suas manifestações “macro”. Podemos extinguir espécies macro (mesmo não querendo fazê-lo); no entanto, somos incapazes de extinguir os microorganismos (mesmo que quiséssemos); estes são, na visão do autor, a base dos grandes processos mantenedores da vida. Assim, Lovelock também se preocupa com a sustentabilidade da vida, mas o faz a partir de um paradigma biogeofísico, no interior do qual a aventura humana é uma parte ínfima de processos avassaladoramente maiores e mais complexos. Pp. 20. 
[...]. O máximo que Lovelock considera que os homens podem fazer para ajudar a perpetuar a vida (e conservar o ambiente natural) é interromper atividades altamente destrutivas. Isso não significa que ele “libera” a humanidade para destruições “menores”; ao contrário, ele participa, como cientista e cidadão, de iniciativas favoráveis à conservação do meio ambiente. No entanto, duvida da eficácia de muitas iniciativas de grande escala anunciadas como “salvadoras” do planeta. 
Por conta disso, muitos cientistas sociais e ambientalistas “sociais” hesitam em avaliar Lovelock. Se, de um lado, aprendem com a “teoria de Gaia” – apreciando especialmente sua visão “organicista” que enfatiza o equilíbrio dos grandes processos vitais e a capacidade da vida de lutar pela sua própria continuidade; de outro, preferem agir ou apoiar ações e atitudes que Lovelock considera fúteis, criticando- o por estimular o grande público a assumir uma atitude contemplativa em relação a atividades notoriamente deletérias à vida. Pp. 21.


** Considerações Finais >>>

  • Pioneirismo temático das Ciências Naturais: A base das principais preocupações ambientais contemporâneas está no trabalho árduo de cientistas da natureza. Cientistas sociais e políticos têm muito a aprender com essa literatura.
  • Herança metodológica legada pelas Ciências Naturais: O conceito de “sustentabilidade”, adotado pela maior parte dos cientistas sociais que se dedicam às questões ambientais, está intrinsecamente relacionado ao seu ancestral biológico, o conceito de “capacidade de carga”.
  • Conforme Relatório Brundtland, além da “capacidade de carga”, a “Sustentabilidade” envolve “Equidade social e econômica” e “solidariedade intergeracional”. Veja-se, portanto, que o núcleo científico do conceito de “Sustentabilidade” ainda é oriundo da Biologia. “Equidade social e econômica” e “solidariedade intergeracional” consistem valores, juízos de dever ser.
  • É importante que os cientistas sociais compreendam o seu papel e se apropriem do legado deixado pelos pioneiros nos estudos de questões ambientais. A interdisciplinaridade exigida para a análise científica da questão ambiental ultrapassa os diálogos entre disciplinas irmãs, tais como Sociologia, Antropologia e Ciência Política. 

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