quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Esquema de Leitura: A invenção dos Direitos Humanos, Lynn Hunt

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Professor Carlos Divino Rodrigues
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos, uma história. Companhia das Letras, São Paulo: s.d, pp. 113/147.
 
 
"Eles deram um grande exemplo". Declarando os direitos.
  • Declaração >>> "Declaration"; "Déclaration". Em francês, referia-se originalmente a um catálogo de terras a serem dadadas em troca da vassalagem do senhor feudal. Ao longo do século XVII, passou a se referir, cada vez mais, às afirmações públicas do rei.
 
 
O ato de declarar estava relacionado à soberania.
 
 
  • Em 1776 e 1789, as palavras "carta", "petição" e "bill" pareciam inadequadas aos revolucionários americanos e franceses, respectivamente. "Petição" e "bill" implicavam um pedido ou um apelo a um poder superior. "Carta", por sua vez, significava frequentemente um antigo documento ou escritura. "Declaração" tinha um ar mais novo e menos submisso. Além disso, podia significar a intenção de se apoderar da soberania. 
  • A Assembléia Nacional francesa, por meio da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aspirou escrever para a posteridade que os direitos não eram uma concessão do rei e tampouco derivavam de um acordo entre governante e cidadãos. Os direitos ali insculpidos derivavam da natureza do seres humanos. 
  • Tanto nos Estados Unidos quanto na França, os revolucionários afirmavam que apenas estavam ratificando, em um texto, direitos que já existiam e que eram inquestionáveis. Mas ao fazê-lo, efetuavam uma revolução na soberania e criavam novas bases para o governo (pp. 115).
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    A partir das declarações americana e francesa, o fundamento, a finalidade e a legitimidade do Estado pasaram a residir na defesa dos direitos universais.
     
 
Declarando Direitos nos Estados Unidos
  • Versões da linguagem dos direitos no século XVIII:
a) Particularista. Direitos específicos de um povo ou tradição nacional.  
b) Universalista. Direitos dos homens em geral.
  • Os revolucionários americanos se valiam, ora de uma, ora de outra versão, a depender das circunstâncias. Os revolucionários franceses, por seu turno, adotaram imediatamente uma versão universalista dos direitos.
  • Apesar da influência dos pensadores universalistas, a maior parte da discussão inglesa e americana acerca dos direitos naturais na primeira metade do século XVIII manteve o foco nos direitos particulares historicamente fundados do inglês nascido livre, não nos direitos do homem em geral.
  • A partir de 1760, à proporção que metrópole inglesa e colônias norte-americanas se desentendiam, o universalismo começou a se imiscuir nas discussões. Afinal, se os colonos queriam uma pátria livre, não podiam contar exclusivamente com os direitos dos ingleses nascidos livres. (Pp. 120).  
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     [...]. Os direitos universais proporcionavam um fundamento lógico melhor, e assim os discursos das eleições americanas nas décadas de 1760 e 1770 começaram a citar abertamente Burlamaqui em defesa dos "direitos da humanidade". Grotius, Pufendorf e especialmente Locke apareciam entre os autores mais frequentemente citados nos escritos políticos, e Burlamaqui podia ser encontrado em números cada vez maiores de bibliotecas públicas e particulares. Pp. 120.
 
 
"Os direitos universalistas nunca teriam sido declarados nas colônias americanas sem o momento revolucionário criado pela resistência à autoridade britânica. [...] a independência abriu a porta para a declaração dos direitos". Pp. 122.
 
 
  • O discurso universalista dos direitos, a partir de 1760, começou a ser introduzido na prórpia Grã-Bretanha. Richard Price, 1776, em um panfleto que seria traduzido para diversos idiomas, conferiu apoio total aos colonos na guerra contra a Grã-Bretanha, tudo com base nos "direitos naturais da humanidade", nos "direitos da natureza humana" e nos "direitos inalienáveis da natureza humana". Esse panfleto provocou reações ferozes na Metrópole. 
  • A Declaração de Direitos da Virgínia, de 12 de junho de 1776, oferecia uma lista de direitos específicos, tais como a liberdade de imprensa e a liberdade de credo. Essa Declaração ajudou a estabelecer o modelo da Declaração de Independência e para a Bill of Rights da Constituição estadunidense.
  • A Bill of Rights norte-americana só foi proclamada em 1791. Era um documento muito mais particularista, muito mais preocupado com a proteção dos súditos norte-americanos do recém-criado governo norte-americano. "Como conseqüência, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, precedeu a Bill of Rights norte-americana e logo atraiu a atenção internacional". Pp. 126.
 
 
 
Declarando Direitos na França
  • A independência norte-americana serviu como combustível para as discussões acerca dos direitos naturais na França. Logo, essas discussões passaram a cristalizar o consenso de que o governo francês também deveria ser construído sobre outros fundamentos.
      Os precedentes americanos tornaram-se ainda mais convincentes quando os franceses entraram num estado de emergência constitucional. [...]. O rei tinha pedido que o clero (o Primeiro Estado), os nobres (o Segundo Estado) e o povo comum (o Terceiro Estado) não só elegessem delegados, mas também fizessem listas de suas queixas. Várias listas redigidas em fevereiro, março e abril de 1789 se referiam aos "direitos inalienáveis do homem", aos "direitos imprescritíveis dos homens livres", aos "direitos e dignidade do homem e do cidadão" ou aos "direitos dos homens livres e esclarecidos", mas predominavam os "direitos do homem".  A linguagem dos direitos estava agora se difundindo rapidamente na atmosfera da crescente crise. Pp. 128.

  • Direitos naturais pleiteados pelos deputados franceses constantes das listas de reclamações dirigidas ao rei >>> Liberdade de imprensa, liberdade de religião e de crença, tributação igual, igualdade de tratamento perante a lei, proteção contra a prisão arbitrária.
  • O Terceiro Estado se declarou Assembléia Nacional. Afirmou representar toda a nação, não apenas o seu estamento. Em 09/07/1789, um comitê da Assembléia Nacional começou a redigir uma "declaração de direitos naturais e imprescritíveis do homem".
  • Houve divergências na Assembléia Nacional. Afinal, era ou não pertinente redigir a tal declaração de direitos? Ao longo das discussões, decidiu-se que sim, que era pertinente. Redigir a declaração de direitos foi parte de uma crescente ruptura com a autoridade estabelecida. O ato de declarar, em si, era uma apropriação da soberania.
 

Os direitos do homem forneciam os princípios para uma visão alternativa de governo. Pp. 131. 
 

  • Direitos naturais contemplados na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão >>> igualdade de direitos; liberdade; propriedade; segurança; resistência à opressão; os limites aos direitos tinham que ser contemplados em lei; direito a participar na formação das leis; os tributos deviam ser equânimes e estatuídos em norma jurídica; liberdade de imprensa; liberdade de credo. Também eram proibidas as ordens arbitrárias, as punições desnecessárias, a presunção legal de culpa e o  confisco desnecessário.
  •  As classes, as religiões e os sexos não apareciam na Declaração. Os direitos então proclamados pertenciam a todos os seres humanos.
  • A Declaração trazia, em seu Art. 2º, o novo fundamento do poder político: "O objetivo de toda associação política é a preseervação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem".
  • A declaração francesa transformou a linguagem de todo o mundo da noite para o dia. O emprego da linguagem dos direitos aumentou dramaticamente depois de 1789.
  • Em 05/10/1789, sob pressão de uma marcha a Versalhes, o Rei Luís XVI deu sua aprovação final à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
 
 
 
Autores envolvidos na discussão
  • Pensadores universalistas que influenciaram as revoluções >>>
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    a) Hugo Grotius. Jurista calvinista holandês, 1625. Propôs direitos aplicáveis a toda a humanidade, não apenas a um país ou a uma tradição legal. Os direitos naturais eram concebíveis separadamente da vontade de Deus. Vida, corpo, liberdade e honra eram os direitos naturais (a escravidão, portanto, seria antinatural).
     
    b) Samuel Pufendorf. Professor alemão de direito natural de Heildelberg. Ajudou a solidificar a reputação de Hugo Grotius como fonte primordial da corrente universalista do pensamento dos direitos.
     
    c) Jean-Jacques Burlamaqui. Professor suíço de Direito em Genebra. Sintetizou os vários escritos sobre direito natural do século XVII (Principes du droit naturel, 1747). Principal objetivo: provar a existência dos direitos naturais, que derivavam da razão e da natureza humana. "Senso moral interior". Sua obra foi usada como referência acerca da lei natural e dos direitos naturais na última metade do século XVIII. Foi adotada por Rousseau, como ponto de partida.  
     
     
     
    "Grotius, Pufendorf e Burlamaqui eram todos muito bem conhecidos dos revolucionários americanos, como Jefferson e Madison, que eram versados em direito". Pp. 118

     
     
    d) Thomas Hobbes. Inglês, século XVII. Obra bem conhecida nas colônias britânicas da América do Norte. Teve menos impacto que Locke, já que defendia que os direitos naturais tinham que se render à autoridade política a fim de obstar a "guerra de todos contra todos".
     
    e) John Locke. Inglês, século XVII. Obra bem conhecida nas colônias britânicas da América do Norte. Ajudou a formar o pensamento político norte-americano. Enunciava, como direitos naturais, a vida, a liberdade e a propriedade. Não questionava a escravidão, ao contrário, defendia abertamente o instituto.
     
     
     
  • Críticos da corrente universalista dos direitos >>>
a) Robert Filmer. Autor de "O Patriarca". Declarou absurda a doutrina da "liberdade natural" do homem. Arguiu, contra ela, que todas as pessoas nascem submetidas aos pais. O único direito natural seria aquele de onde vem o poder do rei, que deriva do modelo original do poder patriarcal e estaria confirmado nos Dez Mandamentos.
b) Jeremy Bentham. Argumentava que só importava a lei positiva, rejeitando o conceito de "lei natural", inata à pessoa e que podia ser descoberta por meio da razão. Rejeitou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

 
 
 
Abolindo a tortura e a punição cruel
  • Novo Código Penal Francês. Diretamente derivado da Declarãção dos Direitos do Homem e do Cidadão.
  • A reforma do direito penal francês, motivada pela desconfiança que os revolucionários nutriam pelos magistrados, foi a primeira de de muitas.
  • A Declaração de Direitos foi genérica. Falou sobre a presunção de inocência e vedou castigos desnecessários. Já o Decreto de 8/9 de Outubro de 1789, que promoveu uma mini-reforma urgente do Judiciário, buscou modificar normas procedimentais que visavam, acima de tudo, tornar transparentes os julgamentos.
  • O Decreto de 8/9 de Outubro grarantia o acesso da defesa a todas as informações reunidas contra o acusado e a natureza pública de todos os procedimentos criminais. Abolia todas as formas de tortura, bem como o uso da sellette (um banco baixo e humilhante) para o interrogatório final dos acusado perante os juízes.
  • 1791. Apresentação dos princípios do Comitê dos Sete sobre a Lei Criminal. O comitê propôs uma revisão completa do sistema penal para dar corpo aos novos valores cívicos.
a) Em nome da igualdade, todos seriam julgados nos mesmos tribunais, sob as mesmas leis e seriam suscetíveis às mesmas punições. 
b) A privação da liberdade seria a punição exemplar, o que significava que ser enviado para as galés no mar e para o exílio seria substituído pelo aprisionamento e por trabalhos forçados. 
c) A pena de morte só seria executada pela decapitação (uma morte "honrosa", antes reservada aos nobres). Os suplícios que acompanhavam a pena de morte deveriam desaparecer. 
d) As metas principais eram a reabilitação e o reingresso do criminoso na sociedade. Dessa forma, as mutilações corporais e as marcas em brasa não podiam ser toleradas. 
e) As punições deviam perder seu caráter religioso. A "degradação cívica" deveria substituir as penitências religiosas dos condenados, a sua exposição no tronco e o vilipêndio ao corpo do criminoso após a sua morte. O condenado, preso por um colarinho de ferro em um lugar público (prazo máximo de 02 horas), ouvia de um meirinho as seguintes palavras "o seu país o considerou culpado de uma ação desonrosa. A lei e o tribunal lhe tiram a posição de cidadão francês". pp. 141.
f) Os novos castigos desonrosos destinavam-se apenas aos condenados, não a suas famílias. Diferença gritante com o Antigo Regime, em que a honra era uma virtude exclusivista, e a desonra "contaminava" toda uma linhagem. Sob o novo regime, honra passava a ser relacionada às ações do sujeito, não ao seu nascimento: um homem que não foi colocado no colarinho de ferro é um homem de honra.
 
 
"O colarinho de ferro tinha se tornado o mínimo denominador comum daperda de honra". Pp. 145.


     [...] Uma vez anunciados abertamente, os direitos propunham novas questões  - questões antes não cogitadas e não cogitáveis. O ato de declarar direitos revelou-se apenas o primeiro passo num processo extremamente tenso que continua até os nossos dias. Pp. 145.
 
  • O Novo Código Penal Francês foi apenas a primeira das muitas consequências imprevisíveis da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.  

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