quinta-feira, 28 de julho de 2016

Esquema de leitura: Trajetória da sustentabilidade, de Elimar Pinheiro do Nascimento

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA - UNICEUB
Faculdade de Direito
Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do social ao econômico. Estudos avançados, v. 26, n. 74, p. 51-64, 2012.


INTRODUÇÃO

** Sustentabilidade possui duas acepções >>>
a) Biológica, sendo sinônimo de resiliência 
b) Econômica, adjetiva a palavra "desenvolvimento". Parte da constatação de que os padrões de vida e consumo do final do século XX não perdurarão. 

** A expressão "Desenvolvimento Sustentável", inaugurada no Relatório Brundtland (1987), inaugurou grande polêmica acadêmica e política. Polissemia. Tornou-se, no dizer de Nascimento, um verdadeiro campo de disputa (no sentido atribuído por Bourdieu ao conceito). Já foi definido como:
a) Ideologia; 
b) Discurso (Foucault); 
c) Conceito político-normativo; 
d) Um novo valor (isto é, uma nova noção de dever-ser); 
e) Utopia (acrescento).


ORIGENS E CONTEXTO

** "Desenvolvimento Sustentável" é uma concepção que está atrelada à percepção de uma crise  ambiental global. 
  • Década de 1950: Poluição nuclear. Percepção da existência de riscos ambientais globais.
  • Entre 1945 e 1962 os Estados detentores de arsenal atômico realizaram 423 detonações. Chuva radioativa a milhares de quilômetros dos locais dos testes.
  • A "controvérsia dos pesticidas". Divulgação dos riscos ambientais dos pesticidas por Rachel Carson.
  • Compreensão de que os riscos ambientais não obedecem as fronteiras políticas.  
Outro momento dessa trajetória da percepção da crise ambiental se deu em torno do uso de pesticidas e inseticidas químicos, denunciado pela bióloga Rachel Carson. Seu livro Silent spring vendeu mais de meio milhão de cópias, e em 1963 já estava traduzido em 15 países (McCormick, 1992). P. 52.


Durante a crise nuclear e a controvérsia dos pesticidas, as maiores organizações ambientalistas norte-americanas testemunharam enorme crescimento no número de membros.

  • Chuvas ácidas sobre países nórdicos. A Suécia propõe um encontro mundial para tratar de questões ambientais. O resultado foi a aprovação da Conferência de Estocolmo, a ser realizada em 1972. 
  • Em Estocolmo, fica claro que os países desenvolvidos estavam preocupados com a poluição que ameaçava o seu estilo de vida. Os países subdesenvolvidos, por sua vez, estavam preocupados em não sofrerem restrições para a exportação dos seus produtos, normalmente, primários.
[Na Conferência de Estocolmo] [...], de um lado, os países desenvolvidos definiam a defesa do meio ambiente como o ponto central da Conferência, de outro lado, os outros focavam o combate à pobreza. Essa divisão atravessava não apena os países, mas também os atores político-sociais, colocando em confronto ambientalistas e desenvolvimentistas.P. 53.

** Durante a década de 1970, que testemunhou as primeiras crises do petróleo (forçando a redução do seu consumo), são publicados pelo menos quatro textos de grande influência para a discussão a respeito da sustentabilidade: 
1) O trabalho de N. Georgescu-Roegen, "The Entropy Law and the economic process", de 1971. A economia é tratada como subsistema da ecologia. 
2) O relatório Meadows, de 1972; 
3) O documento "Only one Earth", de 1973; 
4) O trabalho de Arne Naess, "The shallow and the deep, long-range ecology movement. A summary". Pretende diferenciar os ecologistas superficiais e os ecologistas radicais, profundos.
  • Outros textos impactantes do período: 
5) L. Reid. The Sociology of Nature, 1962. 
6) P. Ehrlich. The Population Bomb, 1968. 

** A Convenção de Estocolmo estimulou a criação de órgãos ambientais. Na reunião ficou clara a deficiência de informações.

** Relatório Brundtland, de 1987 (Our common future>>>
  • 10 anos após Estocolmo, avalia-se que houve poucos avanços mundiais no combate à poluição.
  • Instituição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), dirigida pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlen Brundtland. 
  • Missão: sugerir a agenda global da mudança.
  • Cunhagem do conceito de "desenvolvimento sustentável" que, no relatório, é definido como aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer os recursos disponibilizados para a satisfação das necessidades das gerações futuras.
  • Aqui, o ambientalismo abraçou valores éticos: a noção de justiça social e a intergeracionalidade.
  • Combate aos efeitos do liberalismo tardio que, à época, acirrava as desigualdades sociais entre os diversos países do globo.
** Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), ou Rio-92, ou Eco-92 >>>
  • Suas conquistas são discutíveis. Os produtos mais visíveis da Rio-92 foram a Convenção da Biodiversidade e das Mudanças Climáticas (que resultou no Protocolo de Kyoto), a Declaração do Rio e a Agenda 21.
A Declaração do Rio segue a mesma linha das decisões da reunião de Estocolmo, relacionando meio ambiente e desenvolvimento, por meio da boa gestão dos recursos naturais, sem comprometimento do modelo econômico vigente. O documento vai ao encontro, portanto, da expansão econômica que o mundo começa a conhecer, e em contraponto ao que anunciava a literatura mais crítica da época, como o relatório preparatório da reunião da Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina e Caribe (CDMAALC, 1991, p.2):
Os modelos de desenvolvimento que prevalecem no mundo e que produziram ganhos importantes para o desenvolvimento humano por várias décadas demonstram sinais irrefutáveis de crise. [...] a configuração dos problemas ambientais ameaça a capacidade de manter este processo de desenvolvimento humano em médio e longo prazos. P. 55.
** Estabelecimento de consenso a respeito do caráter multidimensional do desenvolvimento sustentável.


AS DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

** O "desenvolvimento sustentável" é visto como multidimensional. Possui dimensões econômica, ambiental e social.

a) Dimensão ambiental >>> "Ela supõe que o modelo de produção e consumo seja compatível com a base material em que se assenta a economia, como subsistema do meio natural. Trata-se, portanto, de produzir e consumir de forma a garantir que os ecossistemas possam manter sua autorreparação ou capacidade de resiliência." P. 55.
b) Dimensão econômica >>>  "[...] supõe o aumento da eficiência da produção e do consumo com economia crescente de recursos naturais com destaque para [...] as fontes fósseis de energia e os recursos delicados e mal distribuídos, como a água e os minerais". P. 55.
c) Dimensão social >>> "[...] supõe que todos os cidadãos tenham o mínimo necessário para uma vida digna e que ninguém absorva bens, recursos naturais e energéticos que sejam prejudiciais a outros. Isso significa erradicar a pobreza e definir o padrão de desigualdade aceitável, delimitando limites mínimos e máximos de acesso a bens materiais. Em resumo, implantar a velha e desejável justiça social." P. 56
** Desconsideração da dimensão política, isto é, a "[...] despolitização do DS, como se contradições e conflitos de interesse não existissem mais". P. 56.
  • Supostamente, o DS envolve problemas que interessam indistintamente a todos, não a um ou outro grupo social. Isso mascara os conflitos.
  • A crise ambiental é tratada como questão de vida ou morte para a espécie humana: a assimetria de poderes torna-se secundária.
  • Deslocamento do foco da transformação social.
Do século XVIII ao XX, o foco da mudança residia na política, nas lutas sociais, e nas revoluções políticas. Já na metade desse século, ocorre um primeiro deslocamento: da esfera da política para a social. Dessa forma, na segunda metade do século XX existem fóruns múltiplos provocadores das mudanças sociais: movimentos culturais, como o das mulheres; movimento político, como a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética; e inovações tecnológicas de ponta que ao se disseminarem produziram um mundo globalizado, uma economia mundialmente integrada, uma cultura internacional popular, bem como novos atores políticos e sociais globais. O espaço do Estado-nação se reduz, a economia cultural e simbólica cresce, novas ciências e novos inventos emergem. P. 56 e 57. 
** Desconsideração da dimensão cultural >>>
  • Desenvolvimento sustentável demanda uma reforma intelectual e moral. 
  • Valores compatíveis com a redução do consumo, com o uso de produtos melhores e mais longevos, etc. 
[...] não será possível haver mudança no padrão de consumo e no estilo de vida se não ocorrer uma mudança de valores e comportamentos; uma sublimação do valor ter mais para o valor ter melhor; se a noção de felicidade não se deslocar do consumir para o usufruir; se não se verificar a transferência da instantaneidade da moda para a durabilidade do produto; se não tivermos pressões para a adoção e valorização, por exemplo, do transporte público e, se possível, para o melhor transporte, o não transporte. P. 57.


[...] queremos sugerir que a sustentabilidade, em sua essência, não deve ter apenas “três folhas”, mas cinco. Tendo como linha transversal a ética solidária com os excluídos de hoje para que não haja excluídos amanhã. P. 57.



SUSTENTABILIDADE: POR QUE ELA É RELEVANTE PARA NÓS? 

** Percepção de que estamos ameaçados enquanto espécie. "[...] medo da autodestruição pelo crescimento econômico desenfreado que destrói a natureza e exaure os recursos naturais". P. 58. 
Até meados do século XX, a humanidade temia basicamente duas grandes ameaças de extinção – uma externa (o choque de um grande meteorito, como aparentemente ocorreu há 65 milhões de anos, extinguindo os dinossauros) e outra interna (o advento de uma epidemia desconhecida e incontrolável). Em meados do século passado, foi acrescida mais uma ameaça, provinda dos pró- prios seres humanos: a bomba atômica. O seu poder de destruição ficou evidente com as explosões de Hiroshima e Nagasaki. [...] 
Embora o agravamento da crise ambiental aponte para uma clara degrada- ção das condições de vida em nosso planeta, é possível, caso o cenário mais pessimista do aquecimento global venha a se confirmar, que uma nova possibilidade de autoextinção seja criada ao final deste século.  
De toda forma, a persistência do modelo de produção e consumo em vigor degrada não apenas a natureza, mas também, e cada vez mais, as condições de vida dos humanos. P. 58.


RESPOSTAS À CRISE AMBIENTAL 

** O aquecimento global é uma ameaça à qualidade de vida dos humanos. Mas para os humanos que já não dispõem de qualidade de vida, o modelo de desenvolvimento, em si mesmo, já é uma ameaça. 
  • O crescimento econômico do globo introduzirá 120 milhões de pessoas ao ano nas chamadas "classe médias". Após 2050, os recursos naturais mundiais não serão suficientes para bancar o padrão de consumo da classe média para tantas pessoas.


O modo de produção e consumo vigente traz em si ameaças que agem de forma independente desse evento [o aquecimento global]. P. 58.



** Respostas ao dilema >>> 
a) Desenvolvimento sustentável. Já discutido. Tentativa de conciliação entre economia e ecologia.
b) Tecnológica. O homem vai superar os limites dos recursos naturais mediante ciência e tecnologia. Amparada pelo senso comum e pelas tradições econômicas clássicas hegemônicas. Robert Slow defendia que "o limite dos recursos naturais, que é real, é superado pelas mudanças tecnológicas adotadas em razão das pressões e mudanças do mercado. Afinal, nenhuma fonte de energia (ou outro recurso natural) é abandonada porque os recursos se extinguiram, mas porque surgiram alternativas econômica, social e tecnologicamente mais viáveis". P. 59. 
c) Mudança radical e progressiva do padrão de produção e consumo vigente, expressa no movimento do decrescimento (em francês, décroissance), também denominado "pós-desenvolvimento". Crítica ferina aos defensores do "desenvolvimento sustentável". Abriga diversos movimentos sociais e culturais, tais como o Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais (Mauss), os bioeconomistas, os pós-desenvolvimentistas, os “objetores” de consciência e os antipub. Autores: Georgescu-Roegen; Herman Daly  (steady-state economy); Latouche.
d) Não conseguiremos evitar a catástrofe. Seria a não resposta.


A TÍTULO DE CONCLUSÃO

** Ainda persiste o embate entre as posições defendidas, em Estocolmo, respectivamente pelos países desenvolvidos e pelos países subdesenvolvidos. 

** Relatório do IPCC de 2007. Descreve ameaças ambientais mais severas. 
As diferenças residem, entre outros, em dois pontos: a) a crise ambiental assumiu contornos mais graves com a percepção da responsabilidade antrópica do aquecimento global e a dinâmica de ascensão de um contingente humano mais significativo no mercado de consumo; b) as propostas do desenvolvimento sustentável, sobretudo da descarbonização e desmaterialização da economia, agora sob a roupagem da economia verde, ganharam força. 
A locacionalidade das fontes fósseis, fora de seus territórios, obriga alguns países desenvolvidos a investir em novas fontes energéticas. O recente acidente nuclear no Japão estimulou mais ainda esse movimento. Essas mudanças, finalmente, se associam cada vez mais com inovações tecnológicas, abrindo a possibilidade de uma nova onda de inovação de longa duração. Assim, a economia aproxima-se ainda mais da atitude de poupar o meio ambiente nos países desenvolvidos e ganha maior relevância nos países em desenvolvimento. P. 61.
Como dissemos em outro momento (Nascimento & Andrade, 2011), o século XXI nasceu sob três signos: da contradição, da incerteza e da esperança. A contradição entre os indícios de crescimento da crise ambiental e a fragilidade das medidas adotadas; a incerteza quanto ao futuro da humanidade no acirramento das crises econômica e ambiental; e a esperança de que transformações sociais ocorram, mudando – para melhor – o padrão civilizatório a que estamos prisioneiros, como quer Morin (2011). P. 62.

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