terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ficha de leitura. Cultura esgotadora: a agricultura e a destruição ambiental nas últimas décadas do Brasil Império. José Augusto de Pádua.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplina: Oficina de textos científicos
Professores: José Augusto Drummond e Marcel Bursztyn
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura
Texto: PÁDUA, José Augusto. “Cultura esgotadora”: agricultura e destruição ambiental nas últimas décadas do Brasill Império. Estudos Sociedade e Agricultura, n.º 11, Outubro de 1998, pp. 134/163.
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** A crítica ambiental no Brasil remonta pelo menos ao final do século XIX e início do século XX.
-- José Bonifácio 
-- Val, Capanema, Pacova e Azevedo 
-- José Saldanha da Gama, Nicolau Moreira e Dionísio Martins (escreveram para a Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura – IIFA).


** Em meados de 1870, os solos da região cafeeira do Brasil davam evidentes sinais de exaustão. Diante da preocupação mais ou menos generalizada, o Ministério de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, então dirigido por João Lins Cansansão de Sinimbu, convocou um Congresso Agrícola.


** No Congresso, destacaram-se as discussões acerca do financiamento da produção e da escassez de mão de obra (“Braços e Capitais”). Apenas perifericamente foi tratada a questão da inadequação das tecnologias rudimentares até então utilizadas pelos agricultores brasileiros.
-- Destaque para a fala de Manoel Ribeiro do Val, lavrador do Paraíba do Sul, que criticou duramente o regime de exploração do solo então em vigor no Brasil. Para ele, a crise da agricultura brasileira era eminentemente ecológica.

“erro grave e imenso supor-se que a deficiência da nossa produção é proveniente unicamente da falta de braços e capitais. Só quem não pensa e estuda, só quem não acompanha e examina atentamente e de perto o nosso sistema de explorar o terreno sem arte e ciência, e a marcha que a lavoura tem seguido, e as revoluções meteorológicas e mudanças climatéricas por que tem passado o Brasil neste último quarto de século, é que pode avançar em absoluto uma semelhante proposição”. Congresso Agrícola, 1988 [1878]: 163 apud. Pádua, 1998, p. 136.

-- Os participantes pareciam concordar que a lavoura de café vinha exaurindo as terras, promovendo mudanças nos regimes climáticos, favorecendo a praga da lagarta nos cafezais o que, por sua vez, diminuiria os frutos e as colheitas (Comendador Luiz Resende, de Valença). Entretanto, pareciam acreditar no potencial de continuidade do sistema extensivo de produção, desde que dispusesse de crédito e mão-de-obra abundantes e baratos.

“O que prevaleceu em vários outros momentos, de fato, foi uma atitude desatenta e indiferente em relação aos problemas ambientais, um elogio heróico do avanço da fronteira do café sem qualquer consideração quanto às conseqüências negativas dos métodos que estavam sendo utilizados, especialmente no que tange à destruição florestal”. Pp. 139.


** As ideias ecológicas de Val se inserem em uma tradição intelectual brasileira que remonta ao século XVIII.
-- Naturalista ítalo-português Domingos Vandelli, cujas lições incluíam uma forte crítica da destruição ambiental em Portugal e respectivas colônias e discípulos. Universidade de Coimbra. Condenação ao tratamento predatório dado ao meio natural. 
-- Destruição do meio natural (rico conjunto de formações e recursos que seriam fundamentais para o desenvolvimento do futuro país) = herança equivocada da mentalidade colonial. 
-- Críticas às práticas agrícolas. Os primeiros questionamentos surgiram nas décadas de 1840 e 1850, quando os brasileiros ainda viviam os primeiros momentos eufóricos da expansão do café no interior do Rio de Janeiro. Entretanto, naquela época ainda existiam matas suficientes para permitir a continuidade do nomadismo agrícola.  


** Guilherme Capanema, 1858.
-- Percebeu que a introdução de modernizações parciais, sem a ruptura do padrão de exploração então praticado, poderia aumentar a degradação. Exemplo: utilização das ferrovias como instrumentos de devastação.  

“observando a marcha da nossa lavoura, desde o seu começo, conhecemos depressa que na maior parte de seus ramos ela ficou completamente estacionária. Os primeiros colonizadores encontraram terreno inteiramente virgem, produzindo em qualquer lugar com fartura tudo quanto nele plantavam, e por isso viram logo quanto era desnecessário adubá-lo etc., como faziam na terra pátria. Acresce a isso o diminuto custo dos braços escravos, que formavam um capital depressa amortizado... Debaixo destas circunstâncias é muito natural que ninguém se importasse com os melhoramentos da lavoura, e ficasse firmada uma rotina que depressa fazia esquecer  tradições a quem vinha se estabelecer nesta abençoada terra do Brasil” (Capanema, 1858:2). Apud. Pádua 1998, p.142.

-- Nomadismo agrícola: a utilização da coivara não permitia que o terreno durasse mais do que três ou quatro anos, prazo após o qual o sítio era abandonado.  

O modelo negativo que vinha sendo adotado no país não era inevitável. Na Europa, ainda segundo Capanema, todos os anos se podia cultivar o mesmo terreno, introduzindo-se máquinas e produtos químicos que podiam centuplicar o trabalho humano e arrancar” os meios de sua subsistência a uma natureza que, cansada, parece obstinadamente querer negá-los. Pádua, 1998, p. 143.


** Caetano da Rocha Pacova, 1859.
-- Apontamentos sobre a Necessidade de uma Escola de Agricultura. 
-- A agricultura brasileira, com exceção do café, estava definhando devido à combinação dos seguintes fatores, interdependentes entre si: a) Falta de instrução profissional e tecnologias modernas; b) Falta de crédito; c) Dificuldades de transporte; d) Escassez de braços; e) Destruição ambiental.

A ignorância dos lavradores, por exemplo, impedia a introdução de máquinas modernas (muitas estavam paradas por não ter quem as soubesse manejar ou reparar). O crédito agrícola era escasso porque as propriedades não ofereciam a necessária garantia de valor, já que os capitais estavam “precariamente comprometidos” em escravos e os recursos naturais das fazendas cada vez mais destruídos (Pacova, 1859:5). O tão falado problema da falta de capitais possuía uma clara dimensão ecológica, não podendo ser entendido apenas no âmbito financeiro. A lavoura brasileira era “nômade pelo seus [sic.] sistema de trabalho, como em geral o são os nossos estabelecimentos rurais; ao contrário do que acontece nos países de cultura permanente, eles perdem sua importância com o tempo, porque o solo, perdendo todos os anos parte dos seus princípios nutrientes, necessários aos vegetais, torna-se avaro, improdutivo e portanto sem valor”. O crédito para estas propriedades apenas se consolidaria a partir de uma reforma tecnológica que fizesse com que “o solo, em vez de ser exaurido, receba cada ano uma soma de trabalho amelhorador e de matérias fertilizantes, de modo a torná-lo mais rico e produtivo”. (Pacova, 1859:11). A questão da falta de estradas, por outro lado, que era uma outra fonte constante de reclamações dos produtores, não podia ser vista sem levar em conta o modelo agrícola, pois ligava-se ao modo nômade da agricultura, ao sistema de produção que estava “sempre em procura de terras virgens”, aumentando assim “a distância dos mercados” e agravando “cada vez mais sua situação já tão desvantajosa” (Pacova, 1859:13). Apud. Pádua, 1988, p. 146.

-- Crise da agricultura = Risco político. 
-- Sugestão do autor: transformação completa do modelo agrícola. Mudanças nas relações de trabalho (substituição do trabalho escravo pelo trabalho dos colonos), nas tecnologias empregadas (diversificação das culturas, plantio do café à sombra da floresta), nas práticas educativas (disseminação das escolas técnicas), nas relações com a natureza, na infraestrutura, no financiamento das atividades produtivas.


** Apesar dos alertas, entretanto,

A rotina predatória continuou seu curso em levar em conta as relativamente poucas advertências que eram feitas quanto à sua insustentabilidade. Esta realidade permaneceu inclusive no período posterior à década de 60, quando o problema da degradação ambiental na pátria do café já despertava um número maior de consciências. Em 1864, o próprio ministro da agricultura, Domiciano Ribeiro, em seu relatório anual à Assembléia Legislativa, criticava o fato de que o “lavrador entre nós é um nômade, que hoje cria e destrói aqui, para amanhã criar e destruir acolá”. Pádua, 1998, Pp. 148.


** Luiz Corrêa de Azevedo, 1878. 
-- Rotina agrícola = Continuidade irrefletida e automática das práticas agrícolas predatórias. “Fanatismo da velha lavoura”; “pertinácia no erro”; colher “sem nunca indenizar o terreno dos frutos que prelevava: tirar e nunca repor”. P. 148.
-- Compreensão de que os danos ambientais provocados em uma propriedade ultrapassavam as suas fronteiras. 
-- Sugestão: mudança nas relações de trabalho (erradicação da escravidão); mudança das técnicas empregadas no cultivo do café (fim da derrubada e queimada) e mudança das mentalidades.  

Era necessário que os fazendeiros entendessem não ser a agricultura apenas uma “coisa para fazer dinheiro”, mas sim uma forma de “dar ocupação e felicidade aos vindouros, que por força hão de ser filiados à escola do progresso e da cultura”. Era imperativo criticar aqueles que, apesar de “saírem ricos”, deixavam “a miséria estampada no solo ao qual com violência extorquiram safras, descuidando-se do porvir”. Deveriam ser condenados todos os que “só cuidam de transformar terras em capital, ainda mesmo sugando-lhe a última seiva de sua vida vegetal, sem se importar de formar o patrimônio futuro dos filhos e dos vindouros, guarnecido de todos os meios que garantam a perpetuidade da uberdade do solo” (Azevedo [1898]:195 e 224). Apud. Pádua, 1998, p. 150.


** Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (IIFA).
-- Rio de Janeiro, 1869 a 1890. 
-- IIFA: criado pessoalmente pelo Imperador em 1860. Entidade semiprivada. Espaços associativos que reuniam intelectuais, políticos, fazendeiros e outros membros da elite imperial. Recebia fundos do Imperador e de particulares. Missão: aproximar a ciência agronômica dos agricultores. Dirigido por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde do Bom Retiro. 
-- A revista foi acusada de ser o “meio de comunicação da classe senhorial durante o Império”. Pádua entende que o seu papel não era tão raso: 
a) Editores da revista do IIFA. Miguel Antônio da Silva e Nicolau Moreira. Intelectuais profundamente críticos das práticas adotadas pelos proprietários rurais, condenavam a destruição ambiental, a monocultura, a concentração fundiária e o escravismo. 
b) Os autores e participantes, em geral, eram abolicionistas moderados. 
c) As ideias difundidas pela Revista Agrícola chocavam-se frontalmente com a realidade em vigor.

Muitas das idéias difundidas pela Revista Agrícola, apesar de apresentadas com a tintura legitimadora da modernidade, chocavam-se tão frontalmente com a realidade em vigor que dificilmente poderiam ser reconhecidas pelos setores dominantes da economia. É significativo constatar, neste sentido , que o “Congresso Agrícola” de 1878 a presença do IIFA praticamente não se fez notar. A principal Revista Agrícola do país, ao que parece, não era considerada uma voz desejável, ou pelo menos essencial, no debate estabelecido pelos congressistas. Pádua, 1998, p. 152.


** José Saldanha da Gama. A importância dos pássaros para a agricultura. Proposta: desenvolver programas voltados para “conservar a todo o transe as espécies úteis e destruir as que vivem somente para embaraçar-nos” (Gama, 1874: 101). Apud. Pádua, 1998, p. 152.


** Nicolau Moreira. Estudo do esgotamento dos solos. Proposta: “Sistema permanente de restituição à terra dos elementos químicos dos quais ela era despojada em cada colheita. Para isso era necessário organizar, ademais da pesquisa agroquímica aplicada, um sistema abrangente e sistemático de reciclagem de materiais, que teria como eixo os esgotos urbanos”. Pádua, 1998, p. 153.
-- Menciona o “reinado de 375 anos de cultura esgotadora”.


** Dionísio Martins. Agrônomo baiano que escrevia na Revista Agrícola do IIFA. Mencionava “os males produzidos nas áreas cultivadas pelo cancro da imprevidência” (Martins, 1871: 10), e diagnosticava um futuro de fome, caso os métodos agrícolas não fossem radicalmente modificados. Pádua, 1998, pp. 155.


** Proposta básica dos intelectuais da Revista Agrícola:
-- O produtor tinha que agir de forma racional, cuidando do meio natural, de modo a garantir a sua exploração bem sucedida, para as presentes e futuras gerações. 
-- Tratava-se de uma escolha entre os velho sistema classificado como “extensivo”, “rotineiro”, da “derrubada”, do “ferro e fogo”, e o novo sistema “intensivo”, calcado na terra “adubada, arada e plantada pelo sistema racional”. Pp. 157.   

Entre os elementos comuns que a caracterizam encontra-se a forte presença de uma postura antropocêntrica, cientificista e progressista. Em nenhum dos autores brasileiros que criticaram a destruição ambiental naquele período, até onde eu tenha podido investigar, apareceu uma defesa da conservação do meio natural e da vida selvagem a partir do seu direito autônomo à existência e do seu valor intrínseco, seja biológico, espiritual ou estético. A idéia de conservação estava sempre calcada no valor instrumental da natureza para a sociedade e o país. A questão não estava em isolar, o meio natural da ação humana, mas sim em promover o seu uso inteligente e cuidadoso, buscando conciliar o aumento da produção econômica com a continuidade dos recursos naturais. Pp. 158.


Geração dos séculos XVIII e XIX: caracterizada pela fé na ciência e no progresso. Antropocêntricos, valorizavam a natureza por seu valor instrumental ou utilitário para a sociedade e para o país. Não atribuíam à natureza valor intrínseco, seja biológico, estético ou espiritual. 


** Os intelectuais de então viam a modernização como panaceia contra a degradação ambiental. Elogios à infraestrutura e às tecnologias vigentes na Europa (arado, charrua, grade, estrumação, poda, variação de cultivos, adubos químicos).


** A degradação era vista como o preço do atraso, não como o preço do progresso (olhar que hoje nos parece ingênuo, dada a degradação provocada pelas tecnologias agrícolas avançadas).


Degradação ambiental = Preço do Atraso


Em linhas gerais, desta forma, a aposta histórica dos autores que estiveram sendo examinados [...], passava pela superação do trabalho servil, da derrubada, da queimada, da lavoura extensiva e da grande propriedade em favor de uma ordem rural calcada no trabalho livre, na lavoura intensiva e na pequena propriedade. Uma aposta histórica que, guardadas as grandes diferenças de contexto, não perdeu totalmente a sua atualidade, continuando a ser, ainda nos dias de hoje, um desafio necessário para a democratização da sociedade brasileira. Pádua, 1998, pp. 160 e 161.

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