quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ficha de leitura: Sobrepesca e o recente colapso dos ecossistemas costeiros. Jeremy Jackson et. allii.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Ciência e Gestão da Sustentabilidade
Professores: Elimar Nascimento, Maurício Amazonas, Frederick Mértens e Thomas Ludwigs.
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura: JACKSON, Jeremy B.C et. Allii. “Historical Overfishing and the Recent Collapse of Coastal Ecosystems”. Science, vol. 293, Julho de 2001.


Introdução

** Colapso de ecossistemas marinhos << >> Sobrepesca.
  • A sobrepesca precede todas as outras perturbações humanas nos ecossistemas marinhos: poluição, degradação da qualidade da água, mudanças climáticas antropogênicas.
  • O número de espécies costumava ser muito maior que o atualmente observado, circunstância pouco explorada nos estudos disponíveis.  


 ** Populações sobrepescadas não interagem mais, de forma significativa, com outras espécies da comunidade.


Importância dos dados históricos

** A maioria dos estudos acerca de ecossistemas marinhos é realizada por meio de pesquisas in loco. Tais pesquisas datam da década de 1950 até o presente e normalmente desconsideram a perspectiva histórica.

** O estudo apresentado no artigo considera dados biológicos, biogeoquímicos, físicos, biogeográficos e históricos.

** Hipótese: seres humanos vêm provocando a degradação dos ecossistemas marinhos desde que aprenderam a pescar.

** Método: utilização de dados coletados em várias disciplinas.
  • Utilização da análise de sedimentos marinhos dos últimos 125 mil anos.
  • Registros arqueológicos dos últimos 10 mil anos dos assentamentos humanos ao longo da costa.
  • Registros históricos contidos em documentos, jornais e cartas desde o século 15 até os dias atuais.
  • Registros de ecologia existentes na literatura científica desde os últimos cem anos até o presente.



Períodos de tempo, Geografia e análises

** Períodos de relevante impacto humano sobre ecossistemas marinhos:
  • Aborígene: exploração de subsistência sobre os ecossistemas costeiros por culturas humanas locais, mediante artefatos relativamente simples.
  • Colonial: exploração sistemática dos recursos costeiros por potências mercantis estrangeiras, que incorporavam recursos naturais distantes a mercados em desenvolvimento.
  • Global: exploração intensa e ubíqua dos recursos pesqueiros costeiros e oceânicos, com a finalidade de fornecer produtos para um mercado internacional. Causa, frequentemente, a exaustão e a substituição dos nichos explorados.    


** Na Ásia, Europa e África esses períodos se confundem no tempo e no espaço. Nas Américas, na Nova Zelândia e na Austrália, entretanto, são tempos bem marcados.


Florestas de algas

** Florestas de algas constituem habitats oceânicos de diversas espécies de peixes e de invertebrados.

** No Hemisfério Norte, as Florestas de Algas foram sensivelmente reduzidas devido à pesca dos mamíferos que predam herbívoros.
  • Peixe-boi marinho (Steller’s sea cow): espécie de grande distribuição no Pacífico Norte e praticamente extinta durante o período aborígene. Os últimos foram mortos por comerciantes de peles durante o período colonial.
  • Lontra-marinha: espécie que preda ouriços do mar. Amplamente pescada pelos aborígenes. Protegida a partir do século XX. Entrou para a dieta das orcas (dado o declínio da população de focas e de leões marinhos), o que tem diminuído seu número novamente. 
  • Ouriços do mar: predam as florestas de algas. 

Northern Pacific kelp forests presumably flourished before human settlement because predation by sea otters on sea urchins prevented the urchins from overgrazing kelp. Aboriginal Aleuts greatly diminished sea otters beginning around 2500 yr B.P., with a concomitant increase in the size of sea urchins. Fur traders subsequently hunted otters to the brink of extinction in the 1800s with the attendant collapse of kelp forests grazed away by sea urchins released from sea otter predation. P. 631.


** Florestas de Algas do Golfo do Maine. A localidade nunca teve lontras-marinhas. Entretanto, os ouriços eram predados pelo Bacalhau do Atlântico e por outros grandes peixes.
  • Apesar da pesca aborígene (com linha e anzol), as populações de ouriços e as florestas de algas permaneceram estáveis até 1920, quando a introdução de novas técnicas pesqueiras desequilibrou completamente os ecossistemas oceânicos.
  • Lagostas, caranguejos e ouriços do mar cresceram em abundância, devorando as florestas de algas.




Arrecifes de corais

** Mais complexo dentre os ecossistemas marinhos, tanto do ponto de vista estrutural quanto do ponto de vista taxonômico. Fornecem habitats para diversas espécies de peixes e de invertebrados.

** A pesca nos arrecifes de corais começou há 40 mil anos. Não obstante, apenas nos últimos séculos as perturbações humanas provocaram colapsos.

** Locais em que o colapso dos corais é mais visível: Caribe e Arrecifes Australianos.
  • Caribe: mortandade dos corais a partir de 1980, devido ao supercrescimento de algas. Causa: mortandade do ouriço do mar, seu último predador, devido a doenças.
  • Austrália: mortandade dos corais a partir de 1960, devido à superpopulação de estrelas-do-mar. Fenômeno recente, sem registros nos períodos aborígene e colonial.




Campos marinhos subtropicais e tropicais

** Campos marinhos (sea grass) cobrem grandes extensões de baías, lagoas e plataformas continentais. Fornecem habitats para diversas espécies de peixes, tubarões, arraias, tartarugas marinhas.
  • Assim como os arrecifes, os campos marinhos mostraram-se bastante resilientes até recentemente, quando sua mortandade se espalhou por largas extensões: Baía da Flórida, Golfo do México e Baía de Moreton, Austrália, por exemplo.
  • Causas do colapso: turbidez, sedimentação e doenças. Mas essas causas foram aprofundadas pela extirpação de grandes vertebrados herbívoros, em especial a tartaruga marinha verde e os peixes-boi (dugong). 
In the near absence of green turtles today, turtlegrass beds grow longer blades that baffle currents, shade the bottom, start to decompose in situ, and provide suitable substrate for colonization by the slime molds that cause turtlegrass wasting disease. Deposition within the beds of vastly more plant detritus also fuels microbial populations, increases the oxygen demand of sediments, and promotes hypoxia […]. Thus, all the factors that have been linked with recent die-off of turtlegrass beds in Florida Bay […], except for changes in temperature and salinity, can be attributed to the ecological extinction of green turtles. P. 634.


Ostras e a eutrofização dos estuários

** Ecossistemas marinhos mais degradados: sedimentação, turbidez, hipóxia e anóxia, perda de campos marinhos, perda generalizada do habitat das ostras, eutrofização, multiplicação de águas-vivas, surtos de algas tóxicas.
  • Chesapeake Bay, Pamlico Sound (ambos nos EUA) e Mar Báltico. A agricultura e o carreamento de sedimentos, em si, não destruíram os estuários nessas localidades. A extinção da fauna marinha, especialmente a sobrepesca mecanizada das ostras, o provocou.   
Vast oyster reefs were once prominent structures in Chesapeake Bay […], where they may have filtered the equivalent of the entire water column every 3 days […]. Despite intensive harvesting by aboriginal and early colonial populations spanning several millennia, it was not until the introduction of mechanical harvesting with dredges in the 1870s that deep channel reefs were seriously affected […]. Oyster catch was rapidly reduced to a few percent of peak values by the early 20th century […]. Only then, after the oyster fishery had collapsed, did hypoxia, anoxia, and other symptoms of eutrophication begin to occur in the 1930s […], and outbreaks of oyster parasites became prevalent only in the 1950s […]. P. 634.



Sobrepesca de ostras
Degradação dos estuários

  • Pamlico Sound: reintrodução das ostras. Finalidade: reintroduzir coletores de plâncton em suspensão, limitando o supercrescimento do plâncton e a consequente eutrofização dos estuários.   




A precedência da sobrepesca dentre os distúrbios humanos causados nos ecossistemas marinhos

** Causas da degradação dos ecossistemas costeiros e oceânicos, em ordem de precedência cronológica e de relevância:
  • Sobrepesca
  • Poluição
  • Destruição mecânica de habitats (exemplo: coleta de ostras em larga escala)
  • Introdução de espécies invasoras
  • Mudanças climáticas.
Overfishing of large vertebrates and shellfish was the first major human disturbance to al coastal ecosystems examined [...]. Ecological changes due to overfishing are strikingly similar across ecosystems despite the obvious differences in detail. […]. Their timing in the Americas and Pacific closely tracks European colonization and exploitation in most cases. However, aboriginal overfishing also had effects, as exemplified by the decline of sea otters (and possibly sea cows) in the northeast Pacific thousands of years ago.
There are three important corollaries to the primacy of overfishing. The first is that pollution, eutrophication, physical destruction of habitats, outbreaks of disease, invasions of introduced species, and humaninduced climate change all come much later than overfishing in the standard sequence of historical events […].
The second important corollary is that overfishing may often be a necessary precondition for eutrophication, outbreaks of disease, or species introductions to occur […].
The third important corollary is that changes in climate are unlikely to be the primary reason for microbial outbreaks and disease. The rise of microbes has occurred at different times and under different climatic conditions in different places, as exemplified by the time lag between events in Chesapeake Bay and Pamlico Sound […]. Anthropogenic climate change may now be an important confounding factor, but it was not the original cause. Rapid expansion of introduced species in recent decades […] may have a similar explanation, in addition to increase in frequency and modes of transport. Massive removal of suspension feeders, grazers, and predators must inevitably leave marine ecosystems more vulnerable to invasion. P. 635.


** A eutrofização dos mares e oceanos tem sido atribuída tão-somente ao acúmulo de nutrientes e, mais recentemente, às mudanças climáticas. Dada a carência de pesquisas com enfoque histórico, a sobrepesca tem sido negligenciada.

** Nos períodos mais recentes a velocidade dos impactos da sobrepesca sobre os ecossistemas aumentou exponencialmente.

** A sobrepesca alterou sensivelmente os ecossistemas marinhos em todos os períodos estudados: aborígene (ao contrário do comumente apregoado), colonial e global. Sobrepesca da lontra marinha e do peixe boi marinho (cow fish) por sociedades simples do nordeste do Pacífico há milênios (levando-os praticamente à extinção antes do início do período colonial).
  • Desse modo, eventos tais como poluição, eutrofização, destruição física de habitats, doenças, introdução e disseminação de espécies invasoras, muito mais recentes, não são suficientes para explicar os colapsos ocorridos milênios atrás.
  • Extinção de espécies por meio da sobrepesca é pré-condição da eutrofização.
  • Proliferação de micro-organismos nos habitats aquáticos: não é recente. Desse modo, não pode ser explicada exclusivamente pelo aquecimento global.



Efeitos sinérgicos das perturbações antropogênicas

** A extinção de níveis tróficos inteiros torna os ecossistemas mais vulneráveis a perturbações naturais e humanas, tais como carreamento de sedimentos, eutrofização, doenças, tempestades e mudanças climáticas.

** O colapso dos ecossistemas marinhos não ocorre gradualmente. Antes, ocorre de forma abrupta, como resultado da sinergia das perturbações antropogênicas e naturais.  

** A biodiversidade funciona como mecanismo de redundância que atrasa o colapso dos ecossistemas marinhos.


Microbialização da costa oceânica ao redor do globo

** Sobrepesca Multiplicação dos microorganismos responsáveis pela eutrofização das águas dos mares e oceanos.
  • Deterioração das algas in situ >> Eutrofização.
  • Proliferação de algas venenosas.
  • Doenças em espécies marinhas.
  • Ameaças à saúde humana (exemplo: cólera).


** Chesapeake Bay, Mar Báltico, Mar Adriático.

** Diante da falta de perspectiva histórica, os planos de recuperação de áreas degradadas têm sido elaborados considerando que as principais causas da proliferação de micro-organismos nos ecossistemas marinhos deriva do carreamento de nutrientes, da poluição ou do aquecimento global, não da sobrepesca.

** Como fruto da perspectiva histórica, descobriu-se que é possível restaurar os ecossistemas marinhos degradados, mediante manejo faunístico.
  • Experimentos em Pamlico Sound demonstraram que até mesmo a restauração parcial da população de ostras é  capaz de reduzir significativamente a eutrofização das águas costeiras. 

In summary, historical documentation of the long-term effects of fishing provides a heretofore-missing perspective for successful management and restoration of coastal marine ecosystems. Previous attempts have failed because they have focused only on the most recent symptoms of the problem rather than on their deep historical causes. Contrary to romantic notions of the oceans as the “last frontier” and of the supposedly superior ecological wisdom of non-Western and precolonial societies, our analysis demonstrates that overfishing fundamentally altered coastal marine ecosystems during each of the cultural periods we examined. Changes in ecosystem structure and function occurred as early as the late aboriginal and early colonial stages, although these pale in comparison with subsequent events. Human impacts are also accelerating in their magnitude, rates of change, and in the diversity of processes responsible for changes over time. Early changes increased the sensitivity of coastal marine ecosystems to subsequent disturbance and thus preconditioned the collapse we are witnessing. P. 293.

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