Pós Graduação Lato
Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Professora: Fernanda
Cornils
Aluna: Juliana Capra
Maia
Resenha:
DIAMOND, Jared. “Os colapsos maias”, in Colapso: como as sociedades
escolhem o fracasso ou o sucesso. 5ª Edição, Editora Record, Rio de Janeiro,
São Paulo: 2007, pp. 139/158.
Jared
Diamond, biólogo, fisiologista e biogeógrafo, autor de “Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso [1]” é
um respeitado professor do Departamento de Geografia da Universidade da
Califórnia (UCLA) dedicado a investigações em História Ambiental.
No livro
“Colapso”, Diamond examina um curioso e diversificado rol de civilizações
antigas com o objetivo de identificar os motivos que as levaram a perecer ou a
sobreviver. Trata, entre outras sociedades (perifericamente mencionadas em cada
um dos capítulos), dos povos que habitavam a Ilha de Páscoa, dos povos que
habitavam as Ilhas de Pitcairn e Henderson, dos Anasazis, dos Vikings e dos
Maias. Argumenta, sinteticamente, serem 05 (cinco) os principais fatores que
teriam contribuído para o seu colapso ou para a sua perpetuação, citem-se:
a) Dano ambiental. A
relevância dos danos ambientais de origem antrópica para o declínio das
sociedades parece estar diretamente relacionada à capacidade de resiliência dos
ecossistemas afetados e à extensão dos danos efetivamente provocados pela ação
humana.
b) Mudanças climáticas.
Alterações das características esperadas para cada uma das estações do ano,
derivadas de fenômenos de alcance global (grandes terremotos, degelos, erupções
vulcânicas, tempestades solares, entre outras). Essas alterações exerciam
fortíssima influência (para o bem ou para o mal) nas sociedades do passado,
ainda mais fortemente dependentes que as atuais dos ciclos anuais de morte e
renascimento (inverno/primavera).
c) Vizinhança hostil, ou
seja, conquista de uma civilização por outra, superior em armas, alimentos,
tecnologia ou em número. De acordo com Diamond, deve-se avaliar esse fator com
cautela. De fato, antes de uma sociedade vir a sucumbir perante seus vizinhos,
podem ter ocorrido e perdurado diversas outras circunstâncias favoráveis ao seu
enfraquecimento e, em conseqüência, à sua ruína.
d) Parceiros comerciais amistosos.Basicamente, parcerias comerciais baseadas na troca de produtos essenciais a cada uma das sociedades. Daí, se um dos parceiros por qualquer motivo enfraquecer, arriscará a sobrevivência do outro.
d) Parceiros comerciais amistosos.Basicamente, parcerias comerciais baseadas na troca de produtos essenciais a cada uma das sociedades. Daí, se um dos parceiros por qualquer motivo enfraquecer, arriscará a sobrevivência do outro.
e) Respostas da sociedade aos seus
problemas.Depende das instituições políticas, econômicas e
sociais, bem como dos valores de cada sociedade envolvida.
Esses
mesmos fatores seriam úteis para compreender tragédias contemporâneas, tais
como o genocídio em Ruanda, as degradações ambientais na Austrália, bem como as
raízes das gritantes diferenças entre a República Dominicana e o Haiti, dois
Estados muito diferentes construídos sobre condições ambientais bastante similares.
De
acordo com Diamond, os “colapsos maias [2]”
exemplificariam 04 (quatro) desses 05 (cinco) fatores, quais sejam: danos
ambientais, mudanças climáticas, hostilidades entre os próprios maias e incapacidade
dos reis ou nobres agirem em prol da resolução dos problemas sociais e
ambientais detectados. Explica-se.
As
ruínas das cidades maias abandonadas, ruínas oficialmente descobertas em 1839 por
John Stephens e Frederick Catherwood, atestam que a Península de Yucatán/México
foi o berço de sociedades urbanas especiais, as quais partilhavam de uma das
culturas nativas pré-colombianas mais avançadas do Novo Mundo.
Abundam
registros nativos e europeus acerca dessa cultura nativa pré-colombiana tão
especial. A uma, porque ainda existem povos descendentes dos antigos maias,
falando línguas utilizadas por seus ancestrais. A duas, porque os sítios
arqueológicos da Península de Yucatán dispõem de inscrições em vasos, paredes e
monumentos. A arte e a arquitetura maia sobreviveram nesses locais
completamente desabitados (“sítios
arqueológicos puros”, conforme Diamond). A três, porque os espanhóis
observaram os Maias por praticamente 02 (dois) séculos — desde o início das
guerras de conquista (1527) até a queda do último principado maia (1697) —,
circunstância que possibilitou o contato e o registro escrito de diversos aspectos
de sua cultura [3].
Tais
registros, combinados com análises acerca dos aspectos físico-ambientais da
Península de Yucatán,fornecem consistentes hipóteses acerca dos motivos que
ensejaram o enfraquecimento e, finalmente, o desaparecimento da sociedade maia.
Generalidades acerca do modo de vida maia
Conforme
assinala Jared Diamond, diversamente do que consta do imaginário popular, as
terras habitadas pelos antigos maias não estão situadas em uma zona equatorial
permanentemente úmida, abundante em terras férteis. Em verdade, essas terras
estão a mais de 1600 quilômetros da Linha do Equador, em um habitat conhecido como "floresta tropical estacional".
A
região é dividida em duas estações anuais: uma estação seca; uma estação
chuvosa. Dessa forma, pode ser compreendida como uma floresta tropical sazonal
ou como um deserto sazonal.
As
estações das águas e das secas são mais ou menos imprevisíveis. De acordo com o
autor, ainda hoje — quando dispomos de sofisticados mecanismos de previsão
meteorológica —é comum acontecer de os agricultores locais plantarem esperando
chuvas que acabam não vindo.
Ao
norte do território maia as chuvas são mais escassas que ao sul. Não obstante,
os maias do sul úmido sofriam mais com a carestia de água que os do norte seco.
É que o lençol freático é mais raso ao norte e mais profundo ao sul da
Península de Yucatán. Ademais, o solo típico da região (Karst) é um terreno calcário poroso assemelhado a uma esponja e
pelo qual a água infiltra rapidamente. Noutras palavras, a retenção de água nas
camadas superficiais do solo (mais acessíveis ao homem) da região sul da
Península de Yucatán é dificultada pelo tipo de solo, extremamente poroso.
Engenharia
foi a solução encontrada pelos maias para mitigar o problema da escassez de recursos
hídricos. Os maias não edificavam as cidades nas proximidades dos rios, mas nas
terras altas. Para isso, construíam reservatórios artificiais, engessando o
fundo de depressões no relevo (depressões naturais ou escavadas). A cidade maia
de Tikal, por exemplo, possuía um reservatório grande o suficiente para
abastecer 10 (dez) mil pessoas por 18 (dezoito) meses.
Secas
mais severas, entretanto, provocavam carestia generalizada, até porque a
sociedade maia era fortemente dependente da cultura do milho (que correspondia
a 70% da dieta da população) e do feijão [4]
A
suscetibilidade da sociedade maia à fome provocada pelas secas era agravada
pelas circunstâncias de não ser possível armazenar alimentos por longos
períodos, dado que a umidade local os punha a perder. Também era agravada pelo
rudimentar sistema de transportes, totalmente dependente da tração humana [5].
A estratificação social maia está intrinsecamente relacionada à sua produção agrícola. O rei era o sumo sacerdote da sociedade maia, com a função de ministrar rituais astronômicos e de calendário, propiciando ao seu povo a chuva e a prosperidade. Por outro lado, os camponeses aceitavam sustentar o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte, desde que o alegado parentesco do monarca com os deuses lhes garantisse chuva e prosperidade. De se concluir que, em tempos de seca e, portanto, de carestia, a sociedade maia passava por graves turbulências políticas [6].
A estratificação social maia está intrinsecamente relacionada à sua produção agrícola. O rei era o sumo sacerdote da sociedade maia, com a função de ministrar rituais astronômicos e de calendário, propiciando ao seu povo a chuva e a prosperidade. Por outro lado, os camponeses aceitavam sustentar o estilo de vida luxuoso do rei e de sua corte, desde que o alegado parentesco do monarca com os deuses lhes garantisse chuva e prosperidade. De se concluir que, em tempos de seca e, portanto, de carestia, a sociedade maia passava por graves turbulências políticas [6].
Aliás,
vale dizer que turbulências políticas não eram raras na sociedade maia já que,
ao contrário do comumente difundido, os maias não eram povos pacíficos. Suas
guerras eram, de fato, “intensas,
crônicas e insolúveis” [7]. Escavações
arqueológicas evidenciaram grandes fortificações cercando diversos sítios
maias. Ademais, há descrições claras de guerras e prisioneiros em monumentos de
pedra, em vasos, e em murais. Finalmente, a decifração da escrita maia revelou
que boa parte dos textos constitui-se de inscrições de reis gabando-se de suas conquistas
militares.
Os maias e as secas
Dada
a fragilidade da sociedade maia diante das secas, Diamond lhes atribuiu
relevante papel nos colapsos maias, papel, aliás, que chega às raias do
determinismo.
Estudos
relativos ao macroclima da Península de Yucatán apontaram a ocorrência de 07
(sete) grandes ciclos climáticos mais úmidos ou mais secos, diretamente
correspondentes à ascensão e aos colapsos dos maias.Esses ciclos envolvem grandes
períodos desde 5500 a.C (úmido) até 760 d.C (início da pior seca dos últimos 7
mil anos e associada ao colapso maia clássico). Esquematicamente:
- 5500 a.C. até 500 a.C. >>> Área maia úmida.
- 475 a 250 a.C. >>> Período pouco anterior à ascensão da civilização maia pré-clássica. Seco.
- 250 a.C. até 125 d.C. >>> A ascensão do pré-clássico.
- 125 d.C. até 250 d.C. >>> Seca. Associada ao colapso pré-clássico em El Mirador e outras regiões.
- 250 d.C. a 600 d.C. >>> Novas condições úmidas. Construção das cidades clássicas.
- 600 d.C. >>> Seca. Declínio em Tikal e outras regiões.
- 760 d.C., aproximadamente >>> Começou a pior seca dos últimos sete mil anos, que atingiu seu auge por volta do ano 800 d.C., e que supostamente está associada ao colapso clássico.
Ao
longo do colapso maia clássico, isto é, entre 760 d.C e 909 d.C, as terras maias
do sul, mais sensíveis às secas, perderam mais de 99% (noventa e nove por
cento) de sua população, situação que teria implicado altas taxas de
mortalidade e baixas taxas de natalidade, visto que não existem quaisquer
indícios de realocação das populações atingidas pela seca.
Ao
longo desse período, igualmente, há uma redução progressiva do número de
monumentos, prédios, inscrições e objetos de cerâmica (indicadores de
sociedades complexas), o que, no entendimento do autor, o autorizaria a falar
em “colapso” da sociedade maia.
Conclusões do autor
Os
colapsos maias demonstrariam que tragédias também podem recair sobre sociedades
avançadas e criativas, não se restringindo, portanto, às pequenas, ágrafas e
isoladas sociedades simples que habitavam a Ilha de Páscoa, as Ilhas de
Pitcairn e Henderson e aos Anasazis.
Demonstrariam,
ainda, que sociedades que vivem em ecossistemas mais ou menos estáveis [8]
também podem colapsar, desde que os fatores propícios ao colapso se apresentem.
No caso dos maias as condições adequadas ao colapso se caracterizaram pelo
seguinte:
a) Dano ambiental: Os maias danificaram o
seu ambiente, especialmente por meio de desmatamento e da erosão de encostas.
As práticas agrícolas voltadas ao abastecimento de uma enorme população (muito
superior aos recursos ambientais disponíveis) consistiram na causa principal da
degradação do meio ambiente local. Por causa da erosão, em tempos de absoluta
necessidade, houve diminuição de terras cultiváveis.
b) Mudanças climáticas:As secas,
provavelmente repetidas vezes, foram fundamentais para o colapso maia, quer
obstando a união política das cidades sob um único império, quer provocando
verdadeiras catástrofes aos agricultores de regiões maias específicas. Ademais,
a seca à época do colapso clássico não foi a primeira, mas a mais intensa seca
que os maias atravessaram.
c) Vizinhança hostil. As hostilidades
entre os próprios maias tiveram um papel importante. Em tempos de carestia, cada
vez mais gente lutava por recursos sempre mais escassos. A hostilidade entre
cidades vizinhas diminuiu, também, as terras disponíveis para a agricultura,
criando insegurança nos arredores dos principados (onde não era seguro
cultivar).
d) Respostas da sociedade aos seus problemas.Omissão
dos líderes. A atenção dos reis e dos nobres maias estava direcionada para o enriquecimento
em curto prazo, para as guerras, para a construção de monumentos e para a
competição mútua. Assim como muitos líderes ao longo da história, os reis e os
nobres maias não prestavam atenção aos problemas de longo prazo, mesmo que os
percebessem.
A comparação entre os maias e as sociedades ocidentais contemporâneas (especialmente a sociedade norte-americana) aparece, no texto, de forma bastante evidente.
O
autor fala aos ocidentais modernos quando se preocupa em ilustrar o colapso de
uma sociedade avançada e criativa esclarecendo, portanto, que a tecnologia não
pode ser tomada como tábua de salvação para os limites ambientais do
crescimento.
O
autor fala aos ocidentais modernos quando afirma que os colapsos atingem,
inclusive, os povos habitantes de áreas ambientalmente estáveis. Dessa forma, todos
—não apenas os japoneses e os islandeses —devem se preocupar com a contribuição
de seus modos de vida para o colapso de sua sociedade.
Finalmente,
o autor fala aos ocidentais modernos quando ressalta o papel, determinante para
o colapso, da omissão das elites maias, leia-se:
Assim como os chefes da ilha de Páscoa,
erguendo estátuas cada vez maiores, finalmente coroadas com um pukao, e assim
como a elite anasazi, que usava colares com duas mil gemas de turquesa, os reis
maias procuraram superar uns aos outros construindo templos cada vez mais
impressionantes, cobertos com camadas de gesso cada vez mais grossas - o que
por sua vez nos faz lembrar do extravagante e conspícuo consumo dos modernos
presidentes de empresa norte-americanos. A passividade dos chefes de Páscoa e
reis maias diante das grandes ameaças que rondavam suas sociedades completa a
nossa lista de preocupantes comparações. P. 158.
[1] Originalmente editado em inglês, sob
o título “Colapse:
How Societies Choose to Fail or Succeed”.
[2] Cabe a ressalva, constante do próprio
texto, de que não há consenso entre historiadores e arqueólogos acerca da
ocorrência de um colapso da sociedade Maia, até porque um enorme contingente
populacional foi encontrado pelos espanhóis quando da conquista da América no
século XVI. Ademais, há quem entenda que os tais “colapsos” seriam apenas o
declínio de uma cidade e a ascensão de outras. Diamond entende que houve, sim,
o colapso (na verdade, os colapsos) da sociedade Maia, sobretudo quando se
observa o desaparecimento de cerca de 90% a 99% da sua população após 800 d.C.
Ao longo do texto, descreve as demais razões de seu convencimento.
[3] Diamond refere-se, especialmente, ao
Bispo Diego de Landa. Viveu na Península de Yucatán entre 1549 e 1578. Mandou
queimar todos os manuscritos maias que pôde encontrar (só restam 04 nos dias
atuais). Descreveu detalhadamente (e por escrito) a sociedade maia e obteve,
com um informante,“dicas” para a decifração dos escritos maias.
[4] A pecuária maia era bastante restrita em número de animais e em fornecimento de proteína. Os maias dispunham apenas de perus, de cachorros, de patos e de abelhas sem ferrão (produção de mel). Proteína animal também era obtida, minoritariamente, por meio da caça de veados (alimento restrito à nobreza), pela pesca ou pela criação de peixes e de tartarugas.
[5] De acordo com Diamond, os maias não dispunham de animais de carga e não utilizavam a roda para transportar produtos. Também não dispunham de roldanas ou de barcos a vela. Os transportes eram realizados exclusivamente por meio de tração humana. Essa circunstância impunha severos limites às campanhas militares e acabou por perpetuar os conflitos políticos entre as cidades maias, in verbis:
Tais
considerações sobre estoque de comida podem contribuir para explicar por que as
sociedades maias continuaram politicamente divididas em pequenos reinos
perpetuamente em guerra uns com os outros, e que nunca se unificariam em
grandes impérios como o dos astecas do vale do México (alimentados com a ajuda
de sua agricultura de chiampa e outras formas de intensificação) ou o Império
Inca, nos Andes (alimentado por culturas mais diversificadas, carregadas por
lhamas através de estradas bem construídas). Pp. 148.
[6] Elucidativo é o caso da cidade de
Copán, em que os maias incendiaram o palácio e mataram o rei diante das longas
secas características do colapso clássico (após 800 d.C).
[7] Crônicas dada a limitação de recursos naturais. Insolúveis porque as limitações de transporte e de fornecimento de alimentos impossibilitavam que qualquer principado dominasse os demais, unificando-os em um único império.
[8] Apesar das grandes secas sazonais, a Península de Yucatán era (como ainda é) ambientalmente mais estável que a Groenlândia ou a Islândia. Tal circunstância, contudo, não impediu o colapso da sociedade maia.
Muito interessante, o colapso realmente é democrático. A soberba dos líderes levará as civilizações ao caos. Somente sociedades em harmonia com a natureza e o mais horizontal possível, nas relações sociais, conseguirão sobreviver.
ResponderExcluirThales, não sei se você teve a oportunidade de ler esse livro do Diamond (Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso). Lá há diversas descrições (e várias novas hipóteses) a respeito de sociedades que colapsaram (também ou principalmente) em decorrência de desequilíbrio ambiental. Nesta resenha, limitei-me a tratar de um entre os vários capítulos do livro. Se puder, dê uma olhada nos capítulos que tratam da Ilha de Páscoa, do Haiti e de Ruanda.
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