Universidade de Brasília - UnB
Departamento de Sociologia
Seminários: As consequências do pensamento radical
Professor: Luís Augusto de Gusmão
Aluna: Juliana Capra Maia
Anotações de aulas sobre Friedrich Nietzche, ministradas na USP pelo Professor Clóvis de Barros Filho e disponíveis nos links: https://www.youtube.com/watch?v=UFoamm0G2lM (aula 01); https://www.youtube.com/watch?v=UxgQHgLwhDU (aula 02); e https://www.youtube.com/watch?v=oTCpNPWVBcA (aula 03).
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** Sugestão de leitura, para melhor compreensão do autor:
(1) "O crepúsculo dos ídolos";
(2) "Além do bem e do mal";
(3) "Genealogia da Moral";
(4) "Gaia Ciência", nesta ordem. "Assim falava Zaratustra" deve ser o último livro de Nietzsche a ser lido, dado que se trata do mais hermético.
** Autor da segunda metade do século XIX. Nasce em 1844 e morre em 1900. É um pouco mais novo que Marx, outro ícone do século XIX. Nietzsche é considerado um filósofo vitalista.
- É um dos autores que acredita que aquilo que vem à consciência é infinitamente menor do que aquilo que existe na nossa mente. Para Nietzsche, a nossa mente seria muito mais ampla do que a nossa consciência, do que a nossa racionalidade.
- Noção de "inconsciente", de Freud [e mesmo de "inconsciente coletivo", em Jüng].
- Não é o "eu consciente" que controla os pensamentos, mas o que sentimos. E o que sentimos tem muito a ver com a nossa "vontade de potência". Como diria Freud, "não somos senhores em nossas próprias casas".
** Chaves interpretativas:
- Niilismo;
- Filosofia do martelo;
- A morte dos deuses;
- Vontade de potência;
- Vontade de verdade;
- Genealogia
** Niilismo >>
- A crítica do niilismo está em todos os livros do autor.
- Ocorre que Nietzsche atribui ao "niilismo" um significado diferente daquele usualmente defendido. Para Nietzsche, "niilismo" é justamente deixar-se levar por valores ou doutrinas últimas, tais como o cristianismo, o socialismo, o comunismo, o platonismo, etc.
- Ora, mas por que guiar-se por doutrinas e valores superiores seria equivalente a guiar-se por nada, pela falta, pelo vazio (nihil)? Como dizer que uma postura dogmática pode ser classificada como niilista? Para Nietzsche, o seguidor cego de doutrinas (o dogmático) nega a vida, nega a si mesmo, o mundo das energias vitais, o mundo das sensações e as pulsões.
- "Em nome do céu, nega-se a terra".
- Niilismo = decadência.
- Crítica endereçada não tanto às pessoas quanto às construções filosóficas.
- O primeiro niilista teria sido Platão [ou Sócrates?], que distingue o mundo inteligível (mundo das ideias) e o mundo sensível (mundo físico). Platão venera o além em detrimento do aqui mesmo; cospe na matéria em detrimento de uma suposta verdade sutil; sacrifica a vida em detrimento das ideias inventadas.
- Nietzsche também atribui a Aristóteles o niilismo. Isso porque o "cosmos" aristotélico (universo finito e ordenado) seria uma grande armadilha para o homem, uma forma de suprimir a liberdade humana. O "cosmos" seria apenas mais um modelo mental escravizador da vida. Ética aristotélica: alinhar-se com o cosmos, ou seja, abdicar da sua própria liberdade para "encaixar-se".
- Doutrinas monoteístas e religiões salvacionistas também seriam niilistas. Elas também exigiriam o sacrifício do presente em favor da vida eterna; o sacrifício da vida em favor o além.
"Os homens inventaram o ideal para negar o real".
** Filosofia do Martelo >>
- "Desconstrução". A filosofia de Nietzsche é uma filosofia da desconsturção, da exposição de todos os ídolos e conceitos deificados.
- Ideia também adotada por Derrida, Heidegger, Maffesoli, Foucault. Base do pós-modernismo em ciências sociais.
** A morte dos deuses >>
- "Deus morreu". Metáfora provocativa utilizada por Nietzsche, já que a frase é uma contradição em si. Isso porque, se há um Deus, ele não pode morrer (já que Deus não morre, ou não é Deus); por outro lado, se não há um Deus, não há como se constatar a sua morte, porquanto só morre o que já viveu.
- Na verdade, em Nietzsche, a frase "Deus morreu" marca o fim de uma certa forma de pensar, que é a estrutura religiosa do pensamento. Tratamos das oposições definitivas entre bem versus mal; céu versus terra; cidade dos homens versus cidade de Deus; certo versus errado; justo versus injusto. Fim da convicção de que o além é melhor do que o aqui.
- "Uma sombra aterrorizou a Europa durante séculos e esta sombra está indo embora, porque Deus morreu". Sem Deus, não existe fundamento para todas essas oposições entre ideal e real; justo e injusto; honesto e desonesto; certo e errado.
- O real é o que é, simplesmente.
- Com a morte dos deuses, também morreram as utopias: Atlântida, Eldorado, sociedade sem classes, paraíso cristão, etc. Fim das muletas metafísicas.
- Democracia: forma de governo degenerada de organização política que diminui e atrofia a humanidade. A democracia iguala os desiguais e só interessa e favorece aos fracos. Nietzsche parte do ideal grego de que existem pessoas superiores e pessoas inferiores. Em outras palavras, segundo o autor, a igualdade é apenas um artifício, criado para privilegiar os inferiores.
** Vontade de potência >>
- Sinônimo de "élan vital" (Henri Bergson), de "potência de agir" (Baruch Spinoza); e de "vontade" (Arthur Schopenhauer).
- A vontade de potência busca mais vontade de potência; o tesão busca mais tesão; o poder busca mais poder. Somos energia que busca mais e mais energia.
- Há dois tipos e força que movem a vontade de potência: forças ativas e forças reativas. A força reativa é apenas uma resposta à força ativa. O homem forte é aquele que é movido preferencialmente por forças ativas; o fraco, por sua vez, é movido majoritariamente por forças reativas.
- Força ativa por excelência: Arte; Força reativa por excelência: ressentimento (a moral seria a manifestação mais clara da reatividade, do ressentimento).
- Ocorre que o forte é um lobo solitário, ao passo que o fraco é associativo.
- O ataque de Nietzsche à democracia (em especial no Genealogia da Moral) é um ataque à igualdade e ao cristianismo.
- Outra vida = Compensação para os fracos; conforto para os ressentidos. Exemplo: Sermão da Montanha ("os últimos serão os primeiros"). Ou seja, ser um pária, neste mundo, não seria tão ruim assim.
- O Super homem (Übermensch) vive a vida "sem muletas" metafísicas, é um antiniilista. É movido pelo amor fati, isto é, AMOR (e não somente tolerância) pelo mundo como ele é: sem paraíso cristão, sem sociedade sem classes, sem utopias. Amor pelo real, pelo encontro, pela ocorrência. Rejeição de todo e qualquer "dever ser", que é o centro da estrutura religiosa do pensamento.
- Proposta de salvação na imanência: conceito de "amor fati", que se aproxima da perspectiva estoica e da filosofia oriental (budismo). Enquanto não desconstruirmos os ídolos, não conseguiremos nos reconciliar com o real.
Desconstrução do amor pelo ideal
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Exigência para a reconciliação com o real
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Exigência para a reconciliação com o real
** Vontade de verdade >>
- A verdade é um discurso sobre o mundo que pretende corresponder ao mundo tal e qual ele é.
- Para Nietzsche a verdade é mais um ídolo (daqueles cujos pés de barro o autor promete quebrar).
- A ciência e filosofia buscam a verdade. Ocorre que a verdade não é nada além de outra muleta metafísica. Pretender enunciar a verdade é mais uma forma de expressar a vontade de poder.
Vontade de verdade = Vontade de poder
- Quem acredita na verdade, acredita que a verdade possa ser enunciada em palavras. E também acredita que o real se permite traduzir por palavras. Em outros temos, a descrição será idêntica ao real.
- Ocorre que no mundo da vida as coisas transitam, mas as palavras são fixas. E se é assim, o mundo da vida não se permite apreender por palavras. Os "nomes" são desmentidos pela "realidade".
- E por que o homem deseja a verdade? Porque a verdade é estática, ao passo que o mundo da vida é impermanente. E ocorre que todos os homens temem a impermanência: todos os homens, exceto o Super homem (que é movido por vontade de potência).
Verdade é a busca de solidez em um espaço de fluidez.
** Genealogia >>
- De onde surgiram determinadas formas de pensar? Quais são as forças que estão por trás do pensamento que tivemos?
- O que passa pela nossa consciência é uma parte ínfima e menos importante da sua psique. O nosso pensamento é muito mais amplo e muito mais complexo do que a nossa consciência. Similar ao "inconsciente". "Es denkt in mir" = Algo (que escapa ao meu controle e à minha vontade) pensa em mim.
- O pensamento é tão livre quanto o coração, que bate sozinho. Não somos nós que forçamos o pensamento: é ele que nos possui.
- A interpretação do discurso é interpretável, ou seja, não há a verdade do mundo por trás do discurso, mas apenas a verdade daquele que discursa.
- Todas as filosofias são fachadas; todas as palavras são máscaras. Elas são apenas forças vitais em movimento.
** Eterno retorno >>
- Refere-se à discussão acerca do efeito do tempo sobre a ética.
- Um dos conceitos mais conhecidos da filosofia de Nietzsche. Trata-se de um conceito com diversas interpretações entre os comentadores e conhecedores do trabalho do autor.
- Uma dessas interpretações (Luc Ferry) classifica o "eterno retorno" como um critério de avaliação da vida.
- Há o critério de avaliação cristão, há o critério de avaliação marxiano, há o critério de avaliação aristotélico: todos eles, comparam a vida com um modelo ou um paradigma externo, que demanda a nossa obediência. Julga-se a sua vida de acordo com um critério externo, que está fora das suas mãos. Ocorre que não é outro o conceito de dominação!
- Eterno retorno = Critério interno de avaliação da vida. "Se te apetecer correr, corra; se te apetecer repousar, repousa; se te apetecer fugir, fuja. Mas saiba muito bem o que te apetece e não recue, porque o mundo vai tentar te dissuadir".
- Nada é apetecível em si mesmo. Em Nietzsche, nenhuma transcendência é tolerada: nenhum nirvana, nenhum paraíso, nenhuma sociedade sem classes. Nada é bom em si.
- Vida boa = "Aja de modo a desejar que aquele instante vivido não termine jamais"; "aja de modo a desejar a eternidade daquele instante vivido". Desejo de que determinado momento da vida não passe (porque nada permanece, o que justifica a existência do "desejo"). O eterno retorno é o sinal de uma vida que se basta.
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