segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Anotações de Aula: Elementos da Ordem Jurídico-Urbanística

Uniceub - Centro Universitário de Brasília
Pós Graduação em Direito Urbanístico e Ambiental
Disciplina: Elementos da Ordem Jurídico-Urbanística
Professor Paulo José Leite Farias


Anotações de aula



Propriedade privada 
Direito real erga omnes, isto é, oponível contra todos, que vincula uma pessoa a um bem. Poder de usar, gozar (ou fruir), dispor e reaver o bem de quem o possua indevidamente. 

** Faculdades relacionadas à Propriedade Privada ==>>> "GRUD".
  • G - GOZAR. Fazer o bem frutificar e auferir os produtos que dele advierem.
  • R - REAVER. Proteção específica que se concretiza de ação reivindicatória. 
  • U - USAR. Corresponde à faculdade de se por o bem a serviço do proprietário, sem alterar a sua substância.
  • D - DISPOR. Poder de consumir o bem, de aliená-lo, de gravá-lo, de desfrutá-lo ou de submetê-lo ao serviço de terceira pessoa. 

** Atributos da Propriedade, conforme a definição clássica do Direito Romano (Artigo 1.231 do Código Civil) ==>>> "APE".
  • A - Absoluta. Assegura ao proprietário a liberdade de dispor do bem como melhor lhe aprouver.
  • P - Perpétua. A propriedade dura para sempre sendo, inclusive, transmitida para nossos descendentes por meio do direito das sucessões.
  • E - Exclusiva. Cada bem pertence a um único dono (Obs. nosso Ordenamento Jurídico aceita o condomínio).
 
** Ao longo do tempo, o direito de propriedade perdeu suas características mais marcantes, prórpias do Direito Romano e do Estado Liberal.
 
 
** As limitações históricas ao Direito de Propriedade remontam ao Código Napoleônico, de 1804 (Código fundador do Estado Liberal, na França).
 
 
** Limitações ao direito de propriedade, no Brasil:
  • O Código Civil de 1916 previa a figura do "abandono", artigo 520.
  • O Artigo 113 da Constituição Federal de 1934 (influência da Constituição Russa de 1917 e da Constituição de Weimar, de 1919), por seu turno, estatuía que o direito de propriedade era garantido. Porém, estatuía que esse direito não poderia ser utilizado contra o interesse social.
  • A função social sociedade privada está contemplada na Constituição Federativa do Brasil, artigo 5º, XXIII. "A propriedade atenderá a sua função social".
  • E o que vem a ser função social da propriedade privada? "O aproveitamento do bem está diretamente relacionado à sua funcionalidade, isto é, à aptidão natural do bem em conjugação com a destinação social que cumpre, segundo o contexto em que esteja inserido" (Celso Antônio Bandeira de Melo).      


Uso e Gozo do Bem <<>> Funcionalidade


Cidade 
  • Fruto do trabalho coletivo de uma sociedade.
  • Materialização da história de um povo, de suas relações sociais, políticas, econômicas e religiosas.
  • Funções múltiplas: habitação, trabalho, circulação, produção e recreação.
  • Proteção da cidade: interesse difuso. Indeterminação dos beneficiários da proteção.
 
 
Competência Legislativa em Direito Urbanístico 
  • Concorrente entre União, Estados e Municípios.
  • Cabe à União estabelecer regras gerais. Estados e Municípios estatuem normas específicas.
  • Estatuto da Cidade é norma geral em matéria de Direito Urbanístico.
  • Artigo 24, I e Artigo 30 da Constituição Federal de 1988.

 
Solução de conflitos normativos
  • 1ª Solução: "In dubio pro natura" ou "in dubio pro ordem urbanística constituída".
  • 2ª Solução: Princípio da subsidiariedade. O ente federativo mais próximo do problema vai tratar a matéria.
 

Problema hermenêutico: choque entre os princípios da subsidiariedade e "In dubio pro natura" (ou ordem urbanística) 

 

Função Social da Propriedade Urbana 
  • Meio-termo entre a completa falta de limitação da propriedade privada (Liberalismo) e a inexistência de propriedade privada (Socialismo).
  • Respeito aos planos diretores de ordenamento territorial.
 

Tragédia dos comuns 
  • Bens comuns viram "terras de ninguém". Ninguém é responsável por eles.
  • Exemplos:
  1. Deposição de lixo e esgoto nos mares (que são comuns e, portanto, acabam sendo de ninguém).
  2. Emissões de poluentes na atmosfera.  


  • Soluções:
  1. Todas os bens são privados. Não há bens públicos. Liberalismo. Tradição dos países de Common Law.
  2. Regulação do uso privado da propriedade pública. Países de Civil Law. 

 
Intervenção restritiva do Estado na propriedade privada 
  • A Função Social da Propriedade restringe as características originais da propriedade privada conforme a definia o Direito Romano (absoluta, perpétua e exclusiva). Exemplo: Direito de Vizinhança. Mesmo sendo proprietária de um apartamento, não posso ouvir música dentro dele no volume que desejar.
  • O Novo Código Civil contempla o Princípio da Função Social da Propriedade.
 

Função Social da Propriedade <<==>> Poder de Polícia


 
Espécies de intervenção do Estado na propriedade privada
 
** Desapropriação
  • Forma mais radical de intervenção do Estado na propriedade privada.
  • Supressão da propriedade particular.


** Limitação administrativa 
  • Intervenção restritiva do Estado na propriedade privada, geral, abstrata e unilateral.
  • Restringe o caráter absoluto do direito de propriedade.
  • Fundamentada no Poder de Polícia: prevalência do interesse público sobre o interesse particular.
  • A propriedade continua sendo particular.
  • Provém de lei (Obs. Doutrinadores entendem eque limitações administrativas só podem derivar de lei stricto sensu, não de atos normativos lato sensu).
  • Espécie mais freqüente de intervenção do Estado na propriedade privada.
  • Espécie que traz maiores limitações aos proprietários.
  • Exemplos: Normas de Gabarito, Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal, faixa non aedificandi de 15 metros ao longo das faixas de domínio das rodovias (Lei 6.766/79).
  • Espécies:
  1. Limitação Administrativa Positiva. O particular fica obrigado a realizar o que a Administração lhe impõe. Obrigação de fazer. Ex. Manter seu terreno limpo.
  2. Limitação Administrativa Negativa. Obrigação de não fazer. O proprietário fica obrigado a se abster de praticar determinada conduta. Ex. Não suprimir vegetação em área de preservação permanente (APP).
  3. Limitação Administrativa Permissiva. Obrigação de suportar. Ex. Suportar a fiscalização do IPHAN em imóvel tombado pela União Federal. 
  • OBS: A limitação administrativa (non aedificandi) imposta aos terrenos marginais nas estradas de rodagem, em zona rural, não afeta o domínio do proprietário, nem obriga a qualquer indenização.



** Servidão administrativa 
  • Conceito: direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel específico de propriedade alheia, com base na lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de serviço público ou de um bem afetado a fim de cumprir utilidade pública. Exemplo: instalação de redes elétricas em fazendas, instalação de aquedutos, placa indicando a rua no muro de uma casa de esquina.
  • Ônus real de o proprietário suportar que a Administração Pública faça algo em sua propriedade privada.
  • Elementos:
    1. Finalidade pública
    2. Direito real de gozo.
    3. Coisa serviente: imóvel de propriedade alheia
    4. Coisa dominante: serviço público ou bem relevante (bem tombado, por exemplo).
    5. Autorização legal (checar Decreto Lei 3.365/1941, artigo 40, que autoriza a instituição de servidões administrativas).
  • Intervenção restritiva do Estado na propriedade privada sobre bens imóveis (Hely Lopes e Roberto Dromy). Há correntes que defendem a sua incidência sobre bens móveis e imóveis, bem como a incidência sobre bens móveis, imóveis e serviços (Adilson Dallari).
  • A exclusividade da propriedade é afetada.
  • Só há indenização se comprovado o prejuízo. Mas o prejuízo é presumido. A Administração é que tem que provar que não existiu, no caso em concreto.
  • Inscrição da servidão, que é um direito real, no registro do imóvel.
  • Intervenção permanente.
  • Normalmente instituída por ato administrativo. Quando for instituída por lei, o legislador utilizará a palavra "servidão" ou mencionará expressamente que se trata de ônus real sobre imóvel. Exemplos:
  1. Servidão sobre terrenos marginais a corpos d'água navegáveis (Código de Águas).
  2. Servidão militar (normas especiais relativas a aeroportos, tais como proibição de edificar acima de determinado número de pavimentos).
  3. Servidão sobre prédios vizinhos de obras ou imóvel tombado, pertencente ao patrimônio histórico e artístico. 
  • Entre entes públicos, os autores têm entendido que não há servidão. Servidão se aplicaria a bens privados. Entes públicos doam seus bens uns aos outros.
  • A Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos, Lei nº 8.987/1995, previu a possibilidade de ser instituir servidões. Problema: Instalação de telefones celulares. A telefonia celular é exercida por entes privados. Como instalar antenas privadas em áreas públicas? E em áreas privadas? O problema do compartilhamento das antenas.
  • OBS. 01: Há autores que defendem a existência de servidão sobre serviços. Citam, como exemplo, a obrigatoriedade do serviço militar.
  • OBS. 02: Servidão sobre posse. APC 2003.33.00.016251-9/BA e APC 2003.33.00.013772-3/BA, ambas do TRF 1ª Região. 



** Ocupação temporária
  • Conceito: Utilização remunerada ou gratuita de imóveis particulares pelo Poder Público durante período de tempo limitado, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público.
  • Exemplo: acampamento de operários, em área privada, para a construção de uma rodovia.
  • Pressupõe a utilização do imóvel por terceiro (o Estado), diferentemente da limitação administrativa, em que o proprietário a utilizará, porém, com limitações.
  • Trata-se de uma intervenção restritiva do Estado que atinge a exclusividade da propriedade privada.
  • Só há indenização se houver prejuízo.
  • Transitoriedade (assim como a requisição administrativa).
  • Previsibilidade
  • Exige ato formal de instituição. 
  • Ocupação temporária sobre: 
  1. Bens imóveis >> Existência pacífica na doutrina.
  2. Bens móveis e serviços >> Discussão doutrinária. Checar hipóteses contempladas na lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93).
  • Hipóteses legalmente previstas: Lei de Desapropriação (DL 3.365/1941, Artigo 36); Uso de escolas, clubes e outros estabelecimentos durante as eleições; ocupação provisória de imóveis necessários à pesquisa e à lavra de petróleo e minérios nucleares; escavações para fins de arqueologia.


** Requisição administrativa
  • Ato administrativo unilateral, auto-executório e oneroso.
  • Conceito: Utilização de bens móveis, imóveis ou serviços particulares pela Administração, para atender necessidades coletivas em tempo de guerra ou em caso de perigo público iminente, mediante indenização ulterior.
  • Intervenção restritiva do Estado na propriedade privada. 
  • Atinge o direito de exclusividade.
  • Indenização posterior. Artigo 5º, XXIII e Artigo 170, III da CF/88.
  • Pressupõe urgência.
  • Pressupõe imprevisibilidade (perigo e guerra).
  • Pressupõe transitoriedade (tal como a ocupação temporária).
  • Competência legislativa privativa da União.
  • Estado de sítio. Pré-guerra. Pode-se requisitar administrativamente "a torto e a direito".
  • É possível haver requisição administrativa de bens públicos? Discussão jurisprudencial.
  • Auto-executoriedade: verificando-se a situação de perigo iminente, a requisição pode ser decretada imediatamente. O ato que a determina não exige qualquer decisão prévia do Poder Judiciário.
  • Exemplos: carro em filme do Bruce Willis. Serviço militar, em caso de guerra.



** Tombamento
  • Intervenção restritiva do Estado na propriedade privada.
  • Instrumento de proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural. Artigo 216 da CF/88.
  1. Proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural >>> Eqüidade geracional.
  2. O tombamento não é o único instrumento disponível ao administrador para proteger o patrimônio cultural. A CF/88 também admite o uso de limitações administrativas.

  • Objetivo do tombamento >>> Conservar a coisa com a sua fisionomia característica. fruição cultural do bem.

O Tombamento é ato meramente declaratório. RECONHECE o valor histórico, artístico e cultural de um bem, não CRIA o valor histórico, cultural e artístico de um bem.

  • Direito real. Exige inscrição no livro do tombo. Se imóvel, é conveniente (mas não indispensável) a inscrição no registro de imóveis, para tornar pública a intervenção do Estado na propriedade privada.  
  • Atinge o caráter absoluto do direito de propriedade.
  • O ato que institui o tombamento não enseja indenização.
  • O prédio vizinho ao tombado será objeto de servidão administrativa. Não poderá sofrer modificações que ofusquem o prédio tombado.
  • Quem pode tombar? O Poder Executivo de qualquer ente federado (artigos 23 e 24 da CF/88). O mesmo bem pode ser tombado na esfera federal, estadual e municipal. Também pode ser tombado internacionalmente (Unesco).
  • Competência Legislativa: Artigo 24, VII da CF/88. Competência concorrente. A competência da União se restringe à edição de normas gerais.
  • O Poder Público tem direito de preferência na aquisição de imóveis tombados. 
  • Se União, Estados e Municípios manifestarem interesse na aquisição do bem tombado? A norma vigente (que é anterior a 1988, e, portanto, pode ser questionada!) estatui que União tem preferência sobre Estados e Municípios; e que o Estado tem preferência sobre o Município.
  • Efeitos materiais >>> Valorização ou desvalorização imobiliária. Turismo. Financiamento nacional e internacional (Convenção para a proteção do Patrimônio Cultural e Natural Mundial, UNESCO, 1972).
  • Qual é o valor de um bem cultural (Ballart e Tresserras): 
  1. Valor de Uso (econômico);
  2. Valor de Forma (estética) e
  3. Valor Simbólico (associativo)
  • Pode haver "destombamento"? Sim. Hipóteses: (1) Se o tombamento foi feito de forma errada; (2) Por critérios de conveniência e oportunidade; (3) Perecimento do bem tombado.
  • Espécies:
  1. Tombamento voluntário X Tombamento compulsório.
  2. Tombamento definitivo X Tombamento provisório. O tombamento definitivo é aquele já concluído pela inscrição do bem no competente livro do tombo. O tombamento provisório ainda não foi concluído, mas já obriga o proprietário à conservação do imóvel.
  3. Tombamento Geral X Tombamento Individual. O tombamento geral atinge todos os bens situados em determinado sítio. Exemplo: Brasília ou Ouro Preto. O tombamento individual recai apenas sobre um único bem. Exemplo: Igreja N. Sra. do Rosário dos Pretos.
  4. Tombamento Total X Tombamento Parcial.
  • Caso em Brasília: Ações Civis Públicas contra o empreendimento denominado Brisas do Lago. Empreendimento residencial, pseudo-hoteleiro. Ausência de RIVI e de Estudo de Impacto de Trânsito. Redes de infra-estrutura dimensionadas para o uso hoteleiro, não para o uso residencial. Publicidade enganosa (o empreendimento era vendido como residência, não como apart hotel). Ausência de manifestação do Iphan. 

Outorga onerosa e transferência do direito de construir
  • A revolução industrial dá origem à propriedade horizontal, ou seja, aos edifícios com vários andares.
  • A verticalização aumenta a pegada ecológica. Maior demanda por recursos naturais. 
  • Coeficiente de aproveitamento = área da construção / área do terreno.
  • Direito de construir X Direito de propriedade. São direitos separados. O direito de construir depende de autorização do Estado.
  • SOLO CRIADO >> possibilidade de construir acima de determinado coeficiente de aproveitamento legalmente fixado. Norma de referência para autorizar solo criado >> Planos Diretores de Ordenamento Territorial e Leis de Uso e Ocupação do Solo (LUOS, caso do DF).
  • OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR (ODIR) >> Autorização para construir além do coeficiente básico, mediante contrapartida econômica. Artigo 28 do Estatuto das Cidades. Regulamentação pelos municípios. Destino dos recursos = Fundurb.
  • OUTORGA ONEROSA DE ALTERAÇÃO DE USO (ONALT) >> Autorização para edificar estabelecimentos com outro uso, mediante contrapartida econômica. Artigo 29 do Estatuto das Cidades. Regulamentação pelos municípios. Destino dos recursos = Fundurb.
  • TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR >> Direito de construir acima do coeficiente máximo. Direito real ou pessoal? Discussão ampla na doutrina. Nos EUA é direito pessoal.
  • ODIR e ONALT são instrumento de arrecadação ou de gestão urbana? Não são tributos, já que não são compulsórias. É compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da infraestrutura urbana.


Bibliografia Sugerida

CARMONA, Paulo. Elementos de Direito Urbanístico.

MANZATO, Maria. Transferência do direito de construir como forma de indenização do tombamento. Direito urbanístico brasileiro, dissertação de mestrado em Direito, PUC/SP, disponível em http:\\infoecidade.blogspot.com.br

ROCCO, Rogério. Estudo de Impacto de Vizinhança: instrumento de garantia do direito às cidades sustentáveis. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.

SOARES, Inês Virgínia Prado. Direito do (ao) patrimônio cultural brasileiro. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2009.

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