terça-feira, 17 de setembro de 2013

Anotações: legitimidade ativa ad causam dos sindicatos nas ações civis públicas

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Processo Ambiental
Discente: Juliana Capra Maia


 
A Lei Federal nº 7.347, de 24 de Julho de 1985, não prevê textualmente a legitimidade ativa ad causam dos sindicatos para a propositura da Ação Civil Pública.
Limita-se a prever a legitimidade do Ministério Público, da Defensoria Pública, da União, dos entes federativos (Estados, Distrito Federal e Municípios), das autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e das associações que comprovem 01 (um ano) de existência e pertinência temática, senão vejamos:

Lei nº 7.347/1985 

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

 
Ocorre que os sindicatos consistem um tipo especial de associação civil: um tipo que aglutina pessoas do mesmo segmento econômico ou trabalhista (REsp 549.794/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 5/11/2007).
A Constituição Federal de 1988 estatuiu como atribuição dos sindicatos a defesa dos interesses coletivos ou individuais homogêneos das categorias que representam, in verbis:

Constituição Federal 

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
[...]
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; 

Dessa forma, já restou pacificado pela doutrina e pela jurisprudência que, para garantir ampla vigência ao Artigo 8º, III da Constituição Federal, deve-se interpretar o Artigo 5º, V da Lei nº 7.347/1985, extensivamente, motivo pelo qual hoje se entende que os sindicatos detenham legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento de ações civis públicas, desde que comprovem pertinência temática.
Leiam-se os seguintes excertos doutrinários acerca da legitimidade dos sindicatos para a proposição de ação civil pública: 

Registre-se que hoje, forte no argumento de que os sindicatos revestem natureza jurídica de associação civil, já vai se formando consenso em sua admissão no rol dos legitimados ativos à ação civil pública, naturalmente nas questões afetas à categoria ou meio ambiente do trabalho, v.g., dissídio coletivo (CF, art. 114, § 2.º); ações concernentes aos direitos de seus aderentes (CF, art. 5.º, XXI, e 8.º, III); ainda nas chamadas ações de cumprimento (CLT, art. 872, parágrafo único); ou mesmo no mandado de segurança coletivo (CF, art. 5.º, LXX, b), este writ, no caso, visto como modalidade potencializada de ação civil pública. [...]. A propósito da legitimação dos sindicatos, João Batista de Almeida anota que, sobre "assegurar-lhes legitimidade para o ajuizamento da ação civil pública, a Constituição Federal defere-lhes, ainda, legitimidade para atuar em juízo na defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria (CF, art. 8.º, III)”. Isso permite que possam ajuizar ação civil pública para a tutela de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo da categoria. Deverão demonstrar interesse, pertinência temática e representatividade adequada [1].
 

Como a CF 5.º, XXI, 8.º, III e 114 § 1.º legitimou os sindicatos para a propositura de ação coletiva na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais da categoria, podem eles propor qualquer tipo de ação visando a tutela daqueles direitos. O TST 286 está superado e o TST 310 é inconstitucional, nas partes em que impõe restrições ao direito de ação dos sindicatos, não limitado pelo texto constitucional[2].
 

Interesses individuais de caráter não homogêneo só poderão ser defendidos pelo sindicato ou outras entidades associativas em ações individuais por meio de representação; mas interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem ser defendidos pelo sindicato ou associações civis, em ações civis públicas ou coletivas, por meio de substituição processual. [...]
O sindicato está, portanto, legitimado à defesa judicial de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos integrantes da categoria, pouco importa estejam eles sindicalizados ou não. Na defesa de interesses individuais homogêneos ou coletivos, eventual procedência do pedido formulado na ação civil pública ou coletiva a todos beneficiará, mas a improcedência só prejudicará aqueles que tiverem intervindo no feito como litisconsortes. Já na defesa de interesses difusos do grupo, a improcedência por falta de provas não impedirá o ajuizamento de outra ação civil pública ou coletiva, desde que a nova ação esteja fundada em nova prova; entretanto, se transitar em julgado a sentença de improcedência fundada em motivo outro que não a falta de provas, não se admitirá o ajuizamento de outra ação civil pública ou coletiva com o mesmo objeto. Mas a improcedência das ações civis públicas ou coletivas não será óbice à eventual propositura de ações individuais [3]. 


Na mesma linha, transcrevem-se precedentes jurisprudenciais das cortes superiores, os quais demonstram que esse entendimento já está pacificado (grifou-se):  


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL.  VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458 E 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA.
1. A alegada ofensa ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil não subsiste, porquanto o acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento.
2. A doutrina tem entendido que os sindicatos possuem natureza jurídica de associação civil, o que lhe concede a legitimidade ativa para a propositura de eventual ação civil pública em defesa de direito afeto à categoria que representa; e que eventual limitação a essa legitimidade implica restrição ao direito de ação dos sindicatos, não limitado pelo texto constitucional, em seus arts. 5.º, inciso XXI, 8.º, inciso III e 114, § 1.º.
3. A despeito da existência de julgados em sentido diverso, já encontra eco na jurisprudência pátria o entendimento no sentido de que os sindicatos, mormente quando houver expressa autorização em seu estatuto, tem legitimidade ativa para propor ação civil pública, em atendimento a princípios constitucionais, especialmente o da democratização do acesso ao Judiciário e da celeridade na prestação jurisdicional, entre outros.
3. No caso, sendo o direito vindicado afeto à toda a categoria representada pelo Sindicato Recorrente e estando este, por meio de seus estatutos, autorizado a promover a defesa daquela em juízo, não há como restringir a legitimidade da entidade sindical para propor ação civil pública.
4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 549794/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ 05/11/2007, p. 344).
 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. IMPOSSIBILIDADE PORQUE NÃO COMPROVADA TEMPESTIVAMENTE A MISERABILIDADE DO SINDICATO. ISENÇÃO DE CUSTAS. APLICAÇÃO DO ART. 18 DA LEI N. 7.347/85.
1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o processamento da presente demanda sob o rito da Lei de Ação Civil Pública e o pedido de assistência judiciária gratuita. O acórdão manteve este entendimento.
2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 5º e 21 da Lei nº 7.347/85 e 81 e 87 da Lei nº 8.078/90 — postulando o cabimento de ação civil pública ajuizada por sindicato em defesa de direitos individuais homogêneos da categoria que representa — e 4º da Lei nº 1.060/58 — requerendo a concessão de benefício de assistência judiciária gratuita. Aponta, ainda, divergência jurisprudencial a ser sanada.
3. Em primeiro lugar, pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que o art. 21 da Lei n. 7.347/85, com redação dada pela Lei n. 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores. Precedentes.
4. É cabível o ajuizamento de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores, devendo ser reconhecida a legitimidade do Sindicato recorrente para propor a presente ação em defesa de interesses individuais homogêneos da categoria que representa. Precedente em caso idêntico.
5. O Superior Tribunal de Justiça entende que mesmo as pessoas jurídicas sem fins lucrativos devem comprovar situação de miserabilidade para fins de concessão do benefício de assistência judiciária gratuita. Precedente da Corte Especial.
6. Com o processamento da presente demanda na forma de ação civil pública, plenamente incidente o art. 18 da lei n. 7.347/85, com a isenção de custas, ainda que não a título de assistência judiciária gratuita.
7. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1257196/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 24/10/2012).
 
 
Finalmente, cabe tecer breves considerações acerca da pertinência temática como limite à atuação dos sindicatos na proposição de ações civis públicas.
Hugo Nigro Mazzilli [4] defende que os sindicatos possuem ampla legitimidade para a proposição de ações civis públicas, não estando adstritos às questões advindas da relação trabalhista em si. Entende que o critério a ser observado é a autorização da assembleia ou do Estatuto. Dessa forma, o julgador deverá perquirir se o objeto da demanda constitui um dos objetivos de atuação da entidade sindical.
Leiam-se, a esse respeito, os seguintes precedentes colhidos da jurisprudência brasileira (grifou-se):
 

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. O alegado direito à utilização, por agricultores, de sementes geneticamente modificadas de soja, nos termos da Lei de Cultivares, e a discussão acerca da inaplicabilidade da Lei de Patentes à espécie, consubstancia causa transindividual, com pedidos que buscam tutela de direitos coletivos em sentido estrito, e de direitos individuais homogêneos, de modo que nada se pode opor à discussão da matéria pela via da ação coletiva.
2. Há relevância social na discussão dos royalties cobrados pela venda de soja geneticamente modificada, uma vez que o respectivo pagamento necessariamente gera impacto no preço final do produto ao mercado.
3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente.
4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate.
5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.
6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica.
7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido.
Recurso dos Sindicatos provido.
(REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012).




[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 8.ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 150/151.
[2] NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 8.ª edição, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, item 29, p. 1.417
[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: Meio Ambiente, Consumidor, Patrimônio Cultural, Patrimônio Público e outros Interesses, 16.ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, p. 268/269.
[4] Mazzilli, H. N. Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: Meio Ambiente, Consumidor, Patrimônio Cultural, Patrimônio Público e outros Interesses, 16.ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Artigo publicado em periódico. De naturalista a militante: a trajetória de Rachel Carson

Universidade de Brasília - UnB Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS Centro Universitário de Brasília - Uniceub Faculdade de Direito P...