Pós Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Professora Lilian Rose Rocha
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura:
BALESTRERI, R. B. Direitos humanos, segurança pública e promoção da
justiça. Passo Fundo: Gráfica Editora Berthier, 2004.
As políticas de direitos humanos como instrumentos para a promoção da justiça e da segurança pública (Nilmário Miranda).
Argumenta o autor que direitos humanos, justiça
e segurança pública são temas convergentes.
Explica-se.
No Brasil, a elaboração, o sucesso ou o fracasso
das políticas públicas em Direitos Humanos estariam intrinsecamente
relacionados a duas ordens de fenômenos sociais que funcionariam, ao mesmo
tempo, como cenário e como problema a ser superado.
Por um lado, as políticas públicas em Direitos
Humanos seriam orientadas e limitadas pelo panorama de violência, de
insegurança e de dificuldade de o Estado garantir que todos os cidadãos possam
conviver em tranquilidade. E não haveria como pensar em direitos (e, portanto,
em Estado de Direito) quando as pessoas são orientadas, no seu dia-a-dia, pelo
ódio, pelo medo, pelo desrespeito, pela vingança e pela prática de
tortura.
Por outro lado, essas políticas também estariam orientadas
e limitadas pela impunidade, pela dificuldade de acesso à justiça e pela
sensação de que o aparato legal é ostensivamente desobedecido. A sensação de
injustiça laboraria em desfavor dos laços de solidariedade: faria pulularem
discriminados vivendo à margem das garantias fundamentais e fortaleceria as
trincheiras da criminalidade (pela aposta na impunidade).
Ora, para o autor, a sociedade civil não só tem
o direito, mas o dever de exigir o cumprimento de suas leis. E no cumprimento
dessas leis — quer para reprimir a criminalidade, quer para atuar
preventivamente à sua ocorrência — urge que se observem os direitos humanos.
É que, em seu entender, abrir mão dos direitos
humanos representaria desistir da dignidade da pessoa humana, uma ética
construída ao longo de vários séculos.
Capítulo: As políticas
públicas de segurança como instrumentos para a garantia dos direitos humanos e
a promoção da justiça (Luiz Fernando Correa).
De acordo com o autor, os militantes
dos direitos humanos enfrentam um panorama esquizofrênico no Brasil: deparar-se-iam,
por um lado, com modernas normas jurídicas que os amparam largamente e, por
outro lado, por uma realidade política e socioeconômica desfavorável, cética,
quando não cínica.
Não raro os militantes dos direitos
humanos seriam incompreendidos até mesmo pelos segmentos que visam proteger: acusá-los-iam
de “defender bandidos”.
Para o autor, esse discurso favorece
amplamente os violadores dos direitos humanos, posto que legitimaria
barbaridades tais como torturas e extermínios. Não fora suficiente, serviria
também para disfarçar a leniência dos agentes responsáveis pelos aparatos de
segurança pública.
Também a imprensa brasileira, em seu entender, desempenha
um papel bastante contraditório. Se, por um lado, atuaria na denúncia de
violações aos direitos humanos, também acabaria incitando a discriminação
religiosa, a discriminação de gênero, o racismo.
O autor entende que a sociedade não deve apenas
exigir que as polícias respeitem os direitos humanos (obrigação de não fazer).
Entende que a sociedade deva exigir que as polícias tenham os direitos humanos
como objetivo a alcançar (obrigação de fazer). Essa postura representaria uma
crítica à ideia generalizada de que o verdadeiro trabalho da polícia é
repressivo. Citação:
De fato, não queremos
policiais que estimem o conflito ou a prisão. Queremos policiais que sejam
capazes de se antecipar ao crime e que saibam organizar as comunidades para
evita-lo. Não queremos policiais saudosos do período de arbítrio, viúvas da
prisão sem ordem judicial ou da conivência com a tortura. Queremos policias que
estimem a justiça e a democracia. Também por isso, não nos satisfaz a promessa
de polícias que estejam apenas atentas aos seus limites legais. Isso deve ser
sempre o começo de uma vocação, mas não a vocação em si mesma. O que queremos é
a constituição de polícias profundamente identificadas com as comunidades a que
servem e profissionais de segurança que sejam recebidos pela população como
seus mais legítimos e honrados defensores. Pp. 16.
Capítulo: Direitos
humanos, segurança pública e promoção da justiça (Cláudia Maria de Freitas
Chagas)
A violação aos direitos humanos está
na raiz de quase todos os problemas brasileiros. Observe-se que direitos
humanos não se restringem a direitos para presidiários ou criminosos. São, ao
contrário, direito de todos os cidadãos. Policiais sem remuneração digna, sem
treinamento e sem equipamento, tanto quanto presidiários, também estão sujeitos
a violações de direitos humanos.
Para modificar a cultura sobre direitos humanos
no Brasil será necessário modificar a cultura policial. A identificação das
polícias com segmentos corruptos ou violentos não é mais bem-vinda.
A mudança cultural é urgente e não se deve
esperar que aconteça “por inércia”. O crime organizado alcançou proporções
inimagináveis. Hoje, agentes públicos no exercício de suas funções, apenas por
aplicarem a lei e defenderem a ordem social, são ameaçados ou mesmo eliminados
por organizações criminosas. A morosidade do Estado torna insuportável a vida
do cidadão comum.
E observe-se que a ação estatal não se limita a
editar leis mais severas ou a construir penitenciárias.
Não raro, nos momentos de crise, o Legislativo
edita normas que recrudescem as punições. A edição de normas nesse contexto frustra
expectativas sociais e passa, no máximo, apenas uma ilusão de segurança.
Finalmente, observe-se que nos últimos anos
foram construídas diversas penitenciárias no Brasil. Ocorre que segurança
pública não pode se resumir à construção de presídios, mesmo porque esses
estabelecimentos têm funcionado como verdadeiras escolas do crime.
Quando pertinente, deve-se priorizar a aplicação
de penas alternativas, que permitam a reconstrução de laços sociais na vida do
delinquente. Em última instância, deve-se partir para as penas privativas de liberdade,
desde que cumpridas em estabelecimentos dotados de agentes penitenciários
treinados, de projetos educacionais executados de forma competente, de projetos
de profissionalização e de assistência médica satisfatória.
Por que direitos
humanos?
Apesar das enormes riquezas naturais de que a
Terra é dotada, grande parte da humanidade vive na ignorância e na miséria.
No Brasil, apenas cerca de 15% (quinze por
cento) de toda a população tem acesso aos direitos fundamentais: lazer, educação
de qualidade, alimentação, trabalho digno, moradia.
Para piorar, a economia tem se focado cada vez
mais no consumo e cada vez menos na produção. Com a mecanização da produção, os
desempregados não são apenas circunstancialmente, mas estruturalmente
excluídos.
Defender os direitos humanos é defender a
dignidade dos seres humanos. Esse é o seu papel nesse novo contexto.
Qual a base contemporânea
dos direitos humanos e qual a sua importância?
O grande referencial dos direitos humanos, nos
dias de hoje, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela
ONU em 1948. Embora não contemple os direitos econômicos e sociais, trata-se de
uma espécie de “Constituição da Humanidade”, uma das obras mais formidáveis
invenções do ser humano.
Por que, no Brasil, a
defesa dos direitos humanos é rejeitada por muitos como “defesa de bandidos”?
O primeiro motivo seria a ignorância.
Há uma crença generalizada em simplificações
tais como “para eliminar a criminalidade, eliminamos os criminosos”.
Historicamente, esses mecanismos foram tentados
(encarceramento, eliminação, tortura de infratores) sem, contudo, melhorar a
vida da população em geral. Ao contrário, aumentaram a sensação de insegurança
entre os cidadãos.
Não fora suficiente, os padrões criminológicos
foram sensivelmente alterados e essas medidas tornaram-se bastante ineficientes.
O crime organizado — indústria mais lucrativa do planeta — não se padece com a
eliminação de um ou dois integrantes. Como indústria, providencia imediatamente
a sua substituição, de modo a permanecer intacta.
Dessa forma, os Estados devem atuar na prevenção
e na repressão, mantendo presença ostensiva, profissional e exemplar dos
operadores policiais e realizando a correta produção de provas. Devem atuar de
forma estratégica, científica, racional.
Não se pode combater condutas
destituídas de senso moral a partir da abdicação do senso moral. À repressão às
práticas socialmente lesivas precisa ser enérgica mas sem perda da identidade
de valores do sistema democrático e de seus operadores. Pp. 32.
Não obstante, boa parte da sociedade está alheia
a essas discussões e realmente acredita que a violência do Estado deve combater
a violência dos criminosos.
O segundo motivo seria a herança
histórico-cultural do período militar.
Durante a ditadura militar brasileira, organizações
defensoras dos direitos humanos e polícias estavam em lados opostos. Embora a
política tenha sido sensivelmente modificada com o advento da ordem
democrática, é comum que as instituições continuem, por algum tempo, agindo dentro
dos mesmos padrões do período autoritário.
Deve-se compreender que a polícia é uma instituição
essencial à defesa da ordem social, e não deve ser identificada com más práticas
policiais.
Por que os grupos de
direitos humanos destinam tanta atenção aos presídios e à situação dos
criminosos que neles se encontram?
Porque o Brasil tem um dos piores e mais cruéis
sistemas prisionais do planeta: superpopulação, promiscuidade, falta de condições
de higiene, má alimentação, inexistência de serviços de saúde, falta de
atividades produtivas, domínio do crime organizado, presença de drogas e armas,
tortura como prática institucionalizada.
Grande parte da população prisional não precisaria
efetivamente cumprir pena privativa de liberdade, visto que não representa risco
contínuo à sociedade (crimes passionais, oportunistas).
Diversos presidiários poderiam cumprir penas
reparatórias ou compensatórias: mais baratas ao Estado e mais produtivas para a
sociedade.
Os direitos humanos
estão alinhados com algum partido ou ideologia?
Não. Os direitos humanos transcendem questões político-partidárias.
Não obstante, há ideários partidários dentro dos quais “não cabe” a proteção
aos direitos humanos.
Qual a importância da
mídia no campo dos direitos humanos e como ela tem se portado?
A mídia pode atuar destruindo ou apoiando a
causa dos direitos humanos.
Nos dias de hoje, paradoxalmente, ela tem
trabalhado nessas duas frentes.
Isso porque, ao divulgar atos e processos
ofensivos aos direitos das pessoas, socializa o conhecimento e mobiliza a
reação de parte da opinião pública, gerando ações saneadoras, o que consolida a
democracia.
Não obstante, como realiza essa divulgação sem
critérios, às vezes de forma repetitiva e exaustiva, acaba por banalizar a dor,
gerando medo, sentimento de impotência, de hostilidade ou mesmo certa
insensibilidade à violência.
A mídia — cinema e programas televisivos em
geral — expõe a população a incontáveis cenas de violência, motivo pelo qual o
autor defende que ela sofra algum tipo de controle social.
Qual a importância das
ONGs de direitos humanos?
ONGs são entidades organizadas da sociedade
civil, voltadas à mobilização e à defesa de causas como a educação, a saúde, a
justiça social, entre outras. Aqui, a sociedade representa a si mesma.
Durante o período autoritário, as ONGs de
direitos humanos no Brasil lutaram contra as muitas violações perpetradas pelos
militares. Hoje, em ambiente democrático, essas ONGs lutam pela inclusão educacional,
pela preparação de policiais éticos, pela sensibilização das pessoas aos
direitos humanos por meio das artes, pela proteção de crianças e adolescentes
em situação de risco, entre outras ações de igual relevância.
Qual a relação entre direitos
civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais?
Direitos humanos são indivisíveis. Sem direitos
civis e políticos não há como alcançar os direitos sociais e econômicos. Não é
acaso que os países mais atrasados do globo se identifiquem com regimes
autoritários, ao passo que os países mais avançados se identificam com regimes
democráticos.
Qual a relação entre direitos
humanos, desenvolvimento e promoção da justiça?
Estudos mostram que desenvolvimento com bem
estar depende de redes de engajamento cívico, depende da possibilidade de gente
simples conseguir sair da posição de vítimas e exercer plenamente a sua
cidadania, assumindo as rédeas do próprio destino.
Qual a relação entre justiça
legal e direitos humanos?
Direitos humanos, expressos formalmente por meio
de documentos internacionais, constituem valores, inspirações éticas para os
textos normativos. Dessa forma, constituem o roteiro mais seguro para nortear
sistemas legais que desejem garantir e articular a real promoção da justiça.
Qual a relação entre
direitos humanos e segurança pública?
Segurança pública constitui um direito
fundamental. Os agentes de segurança, aliás, devem se enxergar como promotores
de um direito, e não como violadores de vários.
Qual é a missão dos
operadores diretos de segurança pública (policiais, guardas municipais,
bombeiros, agentes penitenciários) em termos de respeito e promoção aos
direitos humanos?
Não basta que os agentes diretos de segurança
pública se limitem a “respeitar” os direitos humanos. Esse é um papel passivo e
coloca os direitos humanos como limitação ao poder desses agentes.
Ao contrário, cabe-lhes co-protagonizar a promoção
dos direitos humanos, conscientes de que são balizadores das condutas
coletivas. Direitos humanos constituem missão essencial das polícias. E não se
deve desconsiderar que a polícia também é uma educadora da sociedade.
Como a segurança pública
pode ajudar a promover a justiça?
Sem segurança pública as pessoas não têm
liberdade de se organizar, de se expressar, de denunciar, de empreender. O
empreendedorismo social e a educação crítica não devem precisar pedir licença a
quem quer que seja.
Cuidar da segurança pública, portanto, também
significa preservar e promover espaços para o cultivo de uma cultura de
direitos humanos (pp. 54).
Qual é o papel do Estado
no campo dos Direitos Humanos?
Indutor e garantidor.
Como indutor, deve sentir-se obrigado a
implantar políticas públicas destinadas a socializar a consciência moral de
direitos e deveres.
Como garantidor, deve ajustar seus sistemas
burocráticos — legal, econômico e de justiça — à proteção aos direitos humanos,
garantindo qualidade de vida social, cultural, educacional, sanitária, civil e
política a todos, sem discriminações de qualquer natureza.
Deve o Estado proteger as maiorias, que devem
ser democraticamente respeitadas, bem como as minorias culturais e políticas,
mais frágeis em termos de poder.
Só o Estado e seus
agentes podem violar os direitos humanos?
Não. Essa é uma concepção atrasada, segundo a
qual os Estados figuram como únicos garantidores dos direitos humanos nas
declarações e tratados internacionais.
Além de obrigações do Estado para com seus cidadãos,
os direitos humanos também obrigam cidadãos reciprocamente considerados.
Ademais, hoje há instituições paraestatais
bastante poderosas, que ainda não existiam em 1948, ano da Declaração Universal
dos Direitos Humanos: a mídia, o capital internacional, o crime organizado, os
enclaves terroristas.
Qual é a importância da educação
para os direitos humanos?
Exerce papel indispensável na construção e
disseminação de uma cultura de direitos humanos, de democracia, de justiça e de
paz.
A educação ajuda a população a perceber seu
papel transformador, revolucionário e de força irresistível.
Observe-se que educação não equivale a escolarização.
Aqui, o autor fala em um processo educativo transversal, que modifica os pais,
os filhos e as instituições, fazendo com que pais, filhos e instituições modifiquem
outros cidadãos.
Quem são e como devem atuar os educadores de direitos humanos?
Devem atuar rompendo os velhos paradigmas mantenedores
da exclusão e da injustiça social.
Os principais atores a serem envolvidos nesse
processo devem ser os pais, os professores, os advogados, os enfermeiros, os
médicos, os comunicadores, os promotores, os juízes, os psicólogos, os
assistentes sociais, os líderes religiosos, os líderes comunitários, os
empresários, os agentes de saúde, os guardas municipais, os bombeiros, os
agentes penitenciários, os policiais, os operadores de instituições de proteção
à criança, ao adolescente e ao idoso, representantes de organizações não governamentais,
administradores públicos.
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