Centro Universitário de Brasília – Uniceub
Faculdade de Direito
Pós Graduação Lato
Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Professora Lilian
Rose Rocha
Discente: Juliana
Capra Maia
Ficha de leitura: ALVES
JR., Luís Carlos Martins. Direitos
Constitucionais Fundamentais: Vida, Liberdade, Igualdade e Dignidade.
Editora Mandamentos, Belo Horizonte/MG, 2010.
· Os
direitos fundamentais visam à emancipação e à dignificação da pessoa humana.
Foi a partir dessa ideia que foram concebidos e é assim que devem ser lidos e
compreendidos.
CAPÍTULO 01: O
direito fundamental do feto anencefálico – uma análise do processo e julgamento
da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54.
· ADPF
54. Objeto >>>
Desautorizar a persecução criminal (Artigos 124, 126 e 128 do CPB) no caso de
aborto de fetos anencefálico.
· Aborto
de feto anencefálico >>> Antecipação terapêutica do parto.
Vida extrauterina inviável. Ampliação das excludentes de ilicitude do Artigo
128, I (aborto necessário) e II (aborto moral) do CPB.
· Problema
jurídico que envolve choque de interesses fortes (“Trouble Case”). Por um lado,
há o interesse da mulher em gerar um feto viável ou de ser mãe de uma criança
saudável. Por outro lado, há a defesa dos direitos do feto anencefálico,
desprovido de razão e alheio ao embate. Finalmente, há a “defesa do gênero humano em si, independentemente da sua viabilidade,
seja na fase intra-uterina, seja fora do útero materno ou em qualquer
situação”. Pp. 22.
· A questão
deve sair da esfera religiosa. Não porque a religião seja desprezível para a
regulação social, mas porque para se discutir dentro da religião faz-se
necessário que todos estejam de acordo com as suas premissas, dogmáticas.
· A
análise jurídica, contudo, também terá um ponto de partida necessariamente
dogmático, qual seja, a supremacia dos direitos fundamentais e a defesa radical
dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da vida e da
liberdade.
Petição
Inicial da ADPF 54
· ADPF
ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde pelo advogado,
hoje Ministro do STF, Luís Roberto Barroso. Relator o Ministro Marco Aurélio
Mello.
· Preceitos
fundamentais vulnerados >>> Artigo 1º, IV (dignidade da pessoa
humana); Artigo 5º, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da
vontade); Artigo 6º, caput e 196 (direito à saúde), todos eles violados pelo
conjunto normativo representado pelos Artigos 124; 126, caput; 128, I e II,
todos do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940).
· Pedido
>>>
Declaração, conforme à Constituição, dos Artigos 124; 126, caput; 128, I e II
do CPB, para que se declare inconstitucional a interpretação de tais
dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de
gravidez de feto anencefálico, reconhecendo-se o direito da gestante de se
submeter a tal procedimento sem a necessidade de autorização judicial prévia.
· Principais
argumentos:
a) A
interrupção terapêutica do parto de feto anencefálico não é aborto, já que o
feto anencefálico não tem sobrevida extrauterina e, dessa forma, não pode ser
considerado “nascituro”;
b) A
anencefalia é definida na literatura médica como má formação fetal congênita
por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto
não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do
tubo encefálico. Diagnosticada a anencefalia, não há nada que a ciência possa
fazer em prol do feto inviável. De fato, não há qualquer tratamento ou
possibilidade de reversão do quadro, o que torna a morte inevitável e certa;
c) Em
linguagem vulgar, a anencefalia é a “ausência de cérebro”, anomalia que importa
na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central:
consciência, cognição, vida racional, comunicação, afetividade e emotividade. A
patologia permite algumas funções inferiores, que controlam a respiração, as
funções vasomotoras e a medula espinhal;
d) Embora
haja relatos esparsos de fetos que viveram alguns dias fora do útero, o
prognóstico nesses casos é de sobrevida de, no máximo, algumas horas após o
parto;
e) Aproximadamente
65% dos fetos anencefálicos morrem durante a gestação;
f) Se
nada pode ser feito em relação ao feto, o mesmo não pode ser dito em relação à
gestante, de modo a reduzir os seus riscos à saúde e os danos emocionais
provocados pela gestação;
g) Aborto
equivale a interrupção da gravidez com morte do feto;
h) O
legislador de 1940 não tinha à sua disposição tecnologia suficiente para
diagnosticar fetos anencefálicos. Por isso, a anencefalia não figurou como
hipótese excludente de ilicitude;
i) O
anacronismo da legislação penal não pode obstar o exercício dos direitos
fundamentais consagrados na Constituição Federal;
j) Proteger
o feto pela criminalização do aborto tem a finalidade de resguardar a possibilidade
de o feto viável nascer com vida. Sem a viabilidade da vida extrauterina, não
há que se falar em crime de aborto;
k) Impedir
a antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico: (k.1) atenta contra a
dignidade da pessoa humana da gestante; (k.2) fere a autonomia da vontade da
mulher, haja vista a inexistência de proibição de norma proibitiva; (k.3) importa
em indevida e injustificável restrição ao direito de saúde da mulher, até
porque saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a
ausência de doenças; (k.4) equivale a tortura, já que impõe à mulher intenso
sentimento físico e mental intencional e evitável;
Decisão
do Ministro Marco Aurélio
· Deferimento
de liminar na ADPF, autorizando a interrupção da gravidez de fetos
anencefálicos. Ante a estrutura da Justiça Brasileira, dificilmente uma matéria
originada na primeira instância chegaria ao STF antes de 9 meses.
· Precedente
similar >>>
HC 84.025, Relator o Ministro Joaquim Barbosa.
Manifestação da CNBB
· Amicus curiae.
Requerimento da revogação da medida liminar deferida ad cautelam;
· Entre
o mal estar da gestante e a dignidade humana do feto, a CNBB fica ao lado do
feto;
· Feto
anencefálico >>>
Ser humano, possuidor do legítimo direito de viver no útero da mãe até o
esgotamento natural das suas possibilidades.
· Memorial
em que se formularam questões de natureza ética, tais como:
a) O
feto anencefálico é um ser humano ou uma “coisa”? Dizem que é um não-ser vivo.
Que vem a ser um não-ser vivo?
b) O
feto anencefálico é uma patologia ou a anencefalia é uma patologia? O doente se
confunde com a doença? O anômalo com a anomalia?
c) A
humanidade reside apenas na racionalidade? Apenas seres racionais são humanos?
d) Só o
nascituro com viabilidade extrauterina é protegido pelo Direito Brasileiro?
Somente seres viáveis devem ser protegidos?
e) O
bem-estar da gestante é superior em relevância à dignidade do feto
anencefálico?
f) Uma
gravidez pode ser comparada à tortura ou a tratamentos degradantes porque a
criança não atende às expectativas dos pais?
g) A
vida só deve ser protegida se for útil? Quem são os úteis?
h) O
feto anencefálico não tem direito a morrer naturalmente?
Parecer
do Procurador-Geral da República
· Cláudio
Fonteles. Pugnou pelo indeferimento da ADPF.
· A
intepretação conforme não pode ser utilizada para que o Judiciário inove no
Ordenamento Jurídico, agindo como verdadeiro legislador positivo;
· As
excludentes de ilicitude do crime de aborto, que não podem ser interpretadas
extensivamente, estão expressamente previstas no Código Penal Brasileiro e
nenhuma delas inclui o aborto de fetos anencefálicos:
a) Para
que a gestante não morra (aborto terapêutico);
b) Se a
mãe, vítima de estupro, consente com o aborto (aborto sentimental);
· A
Constituição Federal contempla a inviolabilidade do direito à vida, direito que
seria violado no caso da interrupção da gravidez do feto anencefálico;
· Há
vida desde a concepção;
· O
direito à vida é atemporal, isto é, não se mede pelo tempo: é indiferente que
haja vida por um minuto ou por cem anos;
Parecer
de José Néri da Silveira
· Parecer
em resposta à solicitação formulada pela União dos Juristas Católicos do Brasil
· De
acordo com o entendimento do ministro aposentado:
a) A
ADPF 54 não reúne condições de ser conhecida;
b) Desde
a concepção, há vida humana. O feto adquire personalidade jurídica no momento
em que nasce com vida, pouco importando se a ciência lhe previr 01 segundo ou
01 século de vida;
c) Todos
os seres humanos em vida intrauterina são protegidos pelo Ordenamento Jurídico:
é indiferente que sejam viáveis ou não, saudáveis ou não. Assim, os fetos
anencefálicos também são protegidos pelo Direito;
d) Interromper
a gravidez de feto anencefálico constitui crime de aborto tipificado no Código
Penal;
e) A
gravidez de feto anencefálico não implica risco de morte ou depreciação da
saúde da gestante. Igualmente, não diminui a dignidade da gestante;
f) Autorizar
o aborto de fetos anencefálicos atenta, sim, contra o direito à vida.
Decisão
cautelar do Pleno do STF
· Revogação
da autorização do aborto de fetos anencefálicos e, paralelamente, suspensão dos
processos penais com o mesmo objeto, até decisão final do STF.
· Por
maioria, o STF decidiu que a ADPF merecia ser conhecida.
ADPF
na jurisdição constitucional brasileira
· A
ADPF é uma ação do controle concentrado de constitucionalidade, subsidiária da
ADI e da ADC, em face de normas ou atos do Poder Público federal, estadual,
municipal ou distrital anteriores à edição da Constituição Federal de 1988.
Controle
difuso de constitucionalidade >>> Experiência
judicial norte-americana. Qualquer magistrado pode averiguar se os atos,
normas ou omissões estão de acordo com os mandamentos constitucionais.
Situações concretas. A causa de pedir (não o pedido) é a decretação da
inconstitucionalidade de determinado dispositivo. Sujeitos processuais
determinados ou determináveis.
Controle concentrado de constitucionalidade >>> Experiência judicial austríaca. O cotejo analítico entre a Constituição Federal e as normas, atos ou omissões infraconstitucionais é privilégio de um único órgão jurisdicional. Análise da norma in abstracto. Causa de pedir se confunde com o pedido. Sujeitos processuais indetermináveis. |
· Legitimados
da ADPF >>>
os mesmos da ADI;
· Ações de controle concentrado de constitucionalidade >>>
a) Ação
Direta de Inconstitucionalidade Genérica – ADI, Arts. 102, I, “a” e 103;
b) Ação
Declaratória de Constitucionalidade – ADC, Arts. 102, I, “a” e 103;
c) Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADI Omissão, Art. 103, §2º;
d) Ação
Direta de Inconstitucionalidade Interventiva – ADI Interventiva, Art. 36, III;
e) Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF (Art. 102, §1º).
Os
direitos fundamentais nos paradigmas constitucionais adequados
· Paradigma
>>>
Thomas Kuhn. Realizações científicas universalmente conhecidas e reconhecidas
que fornecem problemas e soluções durante certo tempo para certa comunidade
científica.
· Paradigma
pré-moderno X Paradigma moderno.
· No
paradigma pré-moderno do direito, há indistinção entre direito, moral,
costumes, religiosidade e tradições. Não existe a noção de direitos
fundamentais como um núcleo de proteção ao indivíduo (pessoa). O ser humano
tinha que cumprir o seu destino e ser útil à coletividade.
· No
paradigma moderno, há separação entre moral, costumes, religião e direito.
Marco: Revolução Francesa. O homem moderno faz o seu próprio destino e é tomado
como um fim em si mesmo, o grande fim da coletividade. A modernidade passou
pelo paradigma liberal, pelo paradigma social e pelo paradigma
democrático.
a) Paradigma
moderno / Liberal >>> Liberdade é pedra angular. Império da
autonomia da vontade. Redução da intervenção do Estado na vida particular.
Segundo o Autor, nesse paradigma, à mulher cabia escolher se abortaria ou não,
vez que sua vontade é soberana sobre o seu corpo.
b) Paradigma
moderno / Social >>> Igualdade. Em nome da igualdade material, a
igualdade formal sofre restrições. O Estado passa a ser chamado a intervir, não
apenas no cumprimento dos contratos e manutenção da ordem pública, mas na vida
particular e social das pessoas. Abortar ou não depende do interesse do Estado.
A vida do feto, tanto quanto a vida da mulher, se justificariam à medida que
fossem úteis para o Estado.
No quadro do paradigma social, o
Estado, por meio de um Direito intervencionista, avoca tarefas que eram
próprias dos indivíduos e da própria sociedade. O Estado se envolve nas
relações de trabalho, nas relações econômicas, passa a intervir na propriedade,
aumenta o quadro de serviços públicos, como saúde, educação, cultura, intervém,
inclusive, nas relações familiares. No paradigma social, a liberdade do
indivíduo e a autonomia de sua vontade sofrem redução em nome do interesse
estatal, confundido com o interesse da própria sociedade ou público. PP. 55.
c) Paradigma
moderno / Democrático >>> Fraternidade. O indivíduo, dotado de
dignidade intrínseca, é corresponsável por si e pela comunidade que o cerca.
Respeito à pluralidade e à diversidade. Indivíduo portador de direitos e de
obrigações. Reconhecimento de que o Estado, sozinho, não é suficiente para
garantir a boa convivência de todos os cidadãos. A questão do aborto torna-se
mais complexa, dado que existem choques de interesses legítimos. De um lado, a
mulher tem legítimo direito de ter autonomia sobre o seu corpo; de outro lado,
a coletividade tem o legítimo direito de resguardar a integridade de todos os
seus membros: nascidos ou não, viáveis ou não.
· Alguns
Estados Democráticos têm adotado uma solução conciliatória permitindo, por
exemplo, a interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação. Entendem que,
ausente o cérebro, o feto é desprovido de sentimentos e emoções e, portanto,
ainda não possuiria o diferencial da espécie humana.
· Engravidar
é um ato de vontade da gestante ou, pelo menos, um ato derivado da assunção de
um risco.
· O
feto não pertence à mãe, até porque pessoas não podem ser apropriadas.
Direitos
fundamentais na Constituição Brasileira
· Pedra
angular e inaugural de um novo Ordenamento Jurídico.
· Vasto
catálogo de direitos fundamentais.
· A
partir da própria Constituição, os direitos fundamentais podem ser
classificados em: direitos individuais, direitos coletivos, direitos liberais,
direitos sociais e direitos democráticos.
a) Direitos
Individuais >>>
Podem ser exercidos pela pessoa de forma autônoma. Exemplo: liberdade de crença
ou de descrença.
b) Direitos
Coletivos >>>
Somente podem ser exercidos por pelo menos mais de uma pessoa, por um grupo. É
indispensável o concurso de pessoas. Exemplo: Liberdade associativa.
c) Direitos
Liberais >>>
Reduzem ou excluem a intervenção do Poder Público na vida das pessoas. Direito
de negação da intrusão do Estado na vida dos indivíduos. Exemplo: direito à
intimidade e à vida privada.
d) Direitos
Sociais >>>
Dependem da atuação do Poder Público ou exigem prestações positivas do Estado
para a efetivação e exercício desses direitos. Exemplo: educação e saúde
públicas.
e) Direitos
Democráticos >>>
Dizem respeito à atuação participativa do cidadão na vida da
comunidade, permitindo-lhe a defesa dos próprios interesses ou dos interesses
públicos ou coletivos. Exemplo: meio ambiente.
· Para
o autor, existem dois tipos de direitos fundamentais:
a) Direitos
fundamentais substanciais >>> Vida e Liberdade. “As pessoas são
vivas e livres”.
b) Direitos
fundamentais de tratamento ou formalmente fundamentais >>> Dignidade e Igualdade.
“As pessoas são tratadas com dignidade e igualdade”.
· A
Constituição Federal escolheu proteger a dignidade de todos, inclusive dos mais
necessitados: crianças, idosos, deficientes, nascituros.
Assim posto, nada obstante o legítimo
interesse da mulher em gestar um filho saudável e viável, se se considerar que
esse feto possui vida, independentemente de sua viabilidade ou utilidade,
porquanto seja ele o elo mais fraco nessa cadeia sociobiológica, deve ser
protegido e garantido o seu direito fundamental de nascer e morrer
naturalmente, como todas as demais criaturas humanas.
Todavia, se se partir da premissa de
que o feto anencefálico encontra-se no mesmo estágio daquele que é considerado
morto, por falência de suas atividades cerebrais, não há porque obrigar a
mulher a continuar gestando um ser morto, porquanto não se terá um nascituro,
mas sim um natimorto. Pp. 64.
Insuficiência
da proteção criminal ao feto
· O
Direito Penal não tem força suficiente para assegurar que mulheres deixarão de
fazer aborto. Mulheres que abortam o fazem porque acreditam que esse era a
melhor ou única opção de que dispunham.
· Tratar
o aborto (inclusive do feto anencefálico) com política criminal é um equívoco.
Aborto é matéria para médicos e hospitais públicos, não para carcereiros e
presídios.
Prognoses
do julgamento de mérito da ADPF 54
· O
julgamento da ADPF 54 tem sido o mais emblemático julgamento da história do STF
como Tribunal de Direitos Fundamentais e como Corte Constitucional.
· O
resultado — como todos os outros em Direito — dependerá das premissas adotadas
pelos ministros:
a) Se
se entender que o feto anencefálico é um natimorto, não um nascituro, então se
concluirá pela possibilidade de interrupção terapêutica da gestação. Aqui,
dispensa-se ao feto anencefálico o mesmo tratamento que se dispensa àqueles que
têm morte cerebral decretada. Prevalência do direito da gestante de ser poupada
de sofrimento e frustração.
b) Se
se entender que o feto anencefálico é um ser vivo e, como tal, portador de
valor intrínseco, e que cabe ao Legislativo (e não ao Judiciário) inserir novas
hipóteses de excludente de ilicitude para o crime de aborto, então se concluirá
pela impossibilidade de interrupção da gestação.
· O
Direito Penal não tem força suficiente para assegurar que mulheres deixarão de
fazer aborto. Mulheres que abortam o fazem porque acreditam que esse era a
melhor ou única opção de que dispunham.
CAPÍTULO 02: A
interpretação constitucional e os direitos dos homossexuais – uma breve análise
da ADIN 4.277 e da ADPF 132, sob as luzes da liberdade, da igualdade e da
fraternidade.
· Os
conceitos invocados na Constituição Federal são polissêmicos,
plurissignificativos.
· Norma
Constitucional X Proposição Constitucional. Enquanto a proposição
constitucional é uma das diversas possibilidades de interpretação que podem sem
atribuídas ao texto constitucional, a norma constitucional é cogente,
vinculante e só pode ser enunciada por quem tem poder de decisão.
· Quem
decide, produz a norma. A norma é fruto de uma decisão, ao fim e ao cabo, de
uma decisão judicial. A decisão judicial é um ato de vontade (Kelsen).
· Texto
normativo ≠ Norma. A norma surge
do texto normativo, mas com ele não se confunde.
· “O direito não diz nada para ninguém.
Quem fala pelo direito é o seu intérprete.” Pp. 78. O direito não
é um universo fechado pelo legislador que o postulou. Ele só se completa com a
interpretação.
· Limites
para a atuação do intérprete >>>
(1) Texto legal. Limitação
semântica. O intérprete não pode deixar de dizer o que está escrito, ou
tampouco dizer o que não está escrito. Ele deve partir do texto para, se for o
caso, ir para além do texto. O mesmo se diz acerca dos precedentes
jurisprudenciais;
(2) Harmonia interna do texto,
evitando-se contradições internas.
(3) Bom senso. Prudência.
· Interpretação
do advogado ≠ Interpretação do juiz
≠ Interpretação do cientista do direito. O
cientista do direito deve apresentar todas as interpretações possíveis do texto
legal. O juiz e o advogado escolhem uma delas, quer pela sua noção de justiça,
quer pelo seu interesse processual.
· O
juiz não é neutro. Mas deve ser imparcial, isto é, deve estar aberto aos
argumentos trazidos pelas partes.
· STF >>> Órgão político.
· Direitos
dos homossexuais >>> Discussão a respeito da qual devem estar alheias
as ideologias e convicções religiosas, tanto mais porque, em uma democracia,
ninguém pode ser obrigado a acreditar ou a deixar de acreditar.
1) Dentro
das igrejas, sobre os púlpitos, os lideres religiosos podem sim pregar contra
práticas que sua religião considera impróprias. Artigo 5º, VI da CF;
2) Mesmo
dentro das igrejas e sobre os púlpitos, os líderes religiosos não podem exigir
o apedrejamento da mulher adúltera, a condenação criminal dos homossexuais ou o
apedrejamento daqueles que não acreditam em Javé;
ADIN
4.277 e ADPF 132
· APDF
132.
a) Interpretação
do Artigo 1.723 do Código Civil, conforme à Constituição Federal, para que
sejam vedadas as interpretações que obstem a união civil entre pessoas do mesmo
sexo.
b) Fundamentos
constitucionais >>>
Dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da CF); Liberdade,
Igualdade, Segurança (Art. 5º, caput);
Laicidade Estatal (Art. 5º, VI e VIII e 19, I da CF); Reconhecimento das uniões
estáveis (Art. 226, §3º da CF).
c) Fundamentos
encontrados no direito internacional >>> Art. 2º, §1º e Art. 26, ambos do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas.
d) Principais
argumentos favoráveis >>> (1)
Não é possível extrair/atribuir uma vedação às uniões familiares dos
homossexuais no texto do Artigo 226, §3º da Constituição Federal; (2) Se é possível reconhecer como “companheiro
familiar” o parceiro homossexual para efeitos de inelegibilidade eleitoral (Artigo
14, §7º) ou de nepotismo, também é possível lho reconhecer como “companheiro
familiar” para efeitos civis.
e) Principais
argumentos contrários >>> Sob pena de se fomentar a insegurança
jurídica, a modificação do texto constitucional deve ser objeto de interferência
legislativa, não judicial. O ativismo tem limites.
CAPÍTULO 03: As
cotas raciais na pós-modernidade – uma breve análise da ADPF 186 e do RE
597.285, sob as luzes do Estado Democrático de Direito.
Os
paradigmas constitucionais e o princípio da igualdade
· Políticas
afirmativas >>> Meio de concretização material do princípio da
igualdade em diversas nações, tais como os Estados Unidos, a Índia e o Canadá.
· Constituição
Federal de 1988 >>>
Vértice na Dignidade da Pessoa Humana. Determina a não-discriminação
(independente de raça, convicção religiosa, sexo, idade, etc.), a erradicação da
pobreza, da miséria e da exclusão social.
· Dado
>>> A
população negra, descendente de escravos, é visivelmente mais pobre, menos
educada, menos alfabetizada, mais doente, ou seja, tem menos acesso a recursos
e oportunidades de vida.
Políticas
afirmativas raciais no ensino superior
· O
número de universitários negros é muito inferior ao número de universitários
brancos, o que não reflete a proporcionalidade das raças no Brasil. Diante
desse dado, algumas universidades (citam-se UnB e UFRGS) criaram cotas para
negros, de modo a aumentar a sua participação entre os seus discentes.
· STF >>>
ADPF 186 (ajuizada pelo Partido Democratas) e Recurso Extraordinário 597.285,
ambos relatados por Ricardo Lewandowski. Ambas discutem a constitucionalidade do
sistema de cotas raciais.
a) A
ADPF 186, ajuizada pelo Partido Democratas, tinha como objetivo ver declarada a
inconstitucionalidade de todas as normas que estatuíram cotas raciais para
negros e pardos no vestibular da Universidade de Brasília.
b) O RE
597.285 foi ajuizado por um candidato ao curso de Administração, da UFRGS, que
se sentiu injustiçado por ter alcançado maior score no vestibular que seus concorrentes — admitidos na
Universidade — negros e estudantes de escolas públicas.
· O Supremo
realizou audiências públicas, com a oitiva de sociólogos, antropólogos,
educadores, etc.
Argumentos
favoráveis às cotas raciais
· Discriminação
positiva ou ação afirmativa. Conjunto de políticas públicas e privadas de
caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas para combater a
desigualdade de gênero, de origem nacional, de raça bem como para corrigir os
efeitos das discriminações praticadas no passado.
· Ações
afirmativas buscam induzir transformações culturais, psicológicas, sociais,
econômicas, simbólicas, aptas a retirar do imaginário social a idéia de
subordinação de uns (hipossuficientes) em relação a outros.
· Renúncia
explícita à pretensa neutralidade do Estado em matéria de oportunidades e de
emprego.
· Princípios
constitucionais que subsidiariam a política de cotas raciais >>>
igualdade, dignidade, fraternidade, combate às desigualdades sociais, erradicação
da pobreza, acesso à educação, busca ao emprego, pluralidade étnica, combate ao
racismo, respeito ao mérito e autonomia universitária. Ademais, no texto
constitucional existem precedentes de ações afirmativas para outros segmentos
sociais, tais como os deficientes físicos.
· A
adoção da política de cotas raciais representa o reconhecimento do Estado no
sentido de que, embora não oficial, desde os tempos da escravidão há, sim,
discriminação contra os negros.
Argumentos contrários às cotas raciais
· Não
é por causa da cor que os estudantes negros não alcançaram o ensino superior,
mas por causa da educação deficiente a que tiveram acesso, a qual, diga-se de
passagem, atingem os pobres em geral: brancos, negros, índios ou mestiços.
· Assim,
se a premissa do sistema de cotas raciais é equivocada, isto é, se não é por
causa da cor que os cidadãos negros não conseguem alcançar a universidade, mas
por causa da sua educação deficiente, então a criação de um mecanismo como as
cotas raciais representa uma afronta ao princípio da igualdade.
· Importação
de modelo estrangeiro, inadequado à realidade brasileira. No Brasil, nunca
houve o tipo de segregação verificado na Índia ou nos Estados Unidos.
· O
texto constitucional só previu reserva de vagas nos concursos públicos para os portadores
de deficiência física. Trata-se de uma exceção ao critério meritocrático que não
pode ser interpretada extensivamente.
· A
medida adequada para alcançar os resultados desejados consistiria em investimentos
maciços na educação de base, de sorte a preparar todos — inclusive os negros pobres
— em condições de competir por uma vaga nas universidades públicas.
· Cotas
raciais seriam simples medidas paliativas que poderiam provocar algo que não existe
no Brasil: o ódio inter-racial, ao dividir o país em duas raças (negros e
brancos), quando a população se enxerga como multicolorida, mestiça.
· As
cotas raciais estão na contramão da ciência, que já atestou não existirem raças
entre os homens.
· Mesmo
nos EUA, a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade do critério
exclusivamente racial para ingresso nas universidades.
CAPÍTULO 04: A
interpretação judicial dos direitos fundamentais – em homenagem a Francisco
Antônio Paes Landim Filho, mestre no sentido mais estrito do termo.
· Juiz
Imparcial ≠ Juiz Neutro. Juiz
neutro não existe, assim como não existe direito ou política neutros. O juiz
imparcial, por sua vez, é aquele que, mesmo não sendo neutro, está aberto à
força das provas e dos argumentos jurídicos. Suas decisões são co-decisões.
· “A
crença na imparcialidade do juiz é essencial para a construção de uma sociedade
civilizada” (pp. 142). A crença na imparcialidade do juiz (que garante a paz e
a justiça) é também a crença no Judiciário.
· E
como é construída uma decisão imparcial? Pela análise dos fatos, dos valores
sociais e dos enunciados normativos, os magistrados constroem a norma que
deverá disciplinar os casos concretos. Veja bem: “constroem”, não apenas
“extraem”.
Indiscutivelmente,
nesse ato de atribuir sentido, o juiz carrega toda a sua visão de mundo: os
seus interesses, os seus vícios, as suas virtudes, os seus conceitos e, também,
os seus preconceitos, ou seja, a sua experiência de vida e a sua visão do
Mundo. O juiz tem seus prismas e paradigmas. O juiz é demasiado humano.
O juiz não
é um ser neutro. Ele tem um passado, ele tem um presente e terá um futuro. Nada
obstante, apesar dos pesares, ele deve ser imparcial.
O juiz
imparcial é fiel à sua ciência, consciência e experiência. Mas julga o caso com
respeito pelas partes, com rigor no estudo dos fundamentos normativos e com
respeito pela sociedade na qual está incerto e da qual ele é seu representante.
Pp. 144.
· Os
textos legais são construídos com conceitos. E os conceitos são
plurissignificativos. Conceitos como “igualdade”, “dignidade”, “liberdade”
adquirem significados distintos ao longo da história e, em um mesmo momento
histórico, em diferentes realidades sociais.
· As
decisões judicias não são rigorosamente objetivas ou rigorosamente subjetivas.
Mas devem ser convincentes, principalmente, para as partes derrotadas.
A rigor,
deveria julgar segundo o Direito. Todavia, o Direito é aquilo que o juiz diz
que é na solução das controvérsias ou dos conflitos. Ou seja, em caso de
dúvida, o Direito é aquilo que o juiz decide.
Eis uma
situação paradoxal. No regime democrático, o juiz não é senhor absoluto do
Direito, mas representante da sociedade, autorizado pelo Estado, na solução de
conflitos e que deve aplicar o Direito da sociedade (ou do Estado).
O juiz não
tem legitimidade para impor suas razões subjetivas, mas para decidir segundo o
Direito. Todavia, repita-se, esse Direito é o alcançado pelo juiz. É
forçosamente um ato subjetivo.
Nada
obstante, essa subjetividade tem limites e controles. O limite são as
“palavras” da Lei e os controles são exercidos pelas partes (e procuradores) de
sorte que nenhuma decisão é absolutamente subjetiva. Mas também não é
rigorosamente objetiva. Pp. 146.
· Juiz
<<
>> Hércules. Deve julgar com
amor, com fé no Direito e na Humanidade.
CAPÍTULO 05: Os
paradigmas da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade no direito
político – uma singela reflexão sobre Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte e
Barack Obama.
Introdução
· O
respeito às regras do jogo democrático tem sido uma das características da
política norte-americana. Não há registros de “quebras institucionais”.
Constituição vigente desde 1787.
· Oposição
livre. Alternância legítima no poder. Liberdade de imprensa. Respeito aos
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.
· Diferentemente
do que ocorre no Brasil (indicação dos candidatos pelos “líderes” partidários),
os candidatos à Presidência dos Estados Unidos são eleitos pelos filiados aos
seus respectivos partidos.
· Barack
Obama. Advogado e professor de direito. Chances reais de vitória. Fruto da
miscigenação, não somente sanguínea, mas cultural. Conviveu com negros,
brancos, asiáticos, cristãos, muçulmanos e animistas.
Alexandre Magno >>> Símbolo da pré-modernidade
Napoleão Bonaparte >>> Símbolo da mordernidade
Barack Obama >>> Símbolo da pós-modernidade
· Pós-modernidade
>>>
Reino da amplificação das possibilidades.
· A
candidatura de Barack Obama é uma revolução paradigmática na sociedade e na
política tradicional.
O
direito político e os paradigmas jurídicos
· Direito
político >>>
Estatuto jurídico do poder político. Ideia moderna, que deriva da separação
entre direito, religião, moral, cultura, igreja e política.
· Política
>>>
Binômio legitimidade X ilegitimidade (aceitação ou não aceitação das escolhas e
decisões pelos destinatários das atividades políticas). Estabelece os fins;
· Direito
>>>
Binômio licitude X ilicitude (submissão ou não às normas jurídicas válidas e
vigentes). Estabelece os meios.
· Direito
e política visam, mediante previsibilidade e certeza, estabilizar a convivência
social. Busca da “paz social” e da “justiça possível”. Mas também podem ser
utilizados para perpetuar no poder aqueles que não têm a livre adesão de seus
governados (política ilegítima garantida de um poder mascarado).
· Nos
Estados Democráticos de Direito, prevalece a licitude da norma jurídica sobre a
legitimidade da decisão política. Nos Estados autoritários, a vontade política
atropela os freios jurídicos.
O
paradigma da pré-modernidade e Alexandre Magno
· Greco-Romana.
· Teocêntrica.
Tribo.
· Pré-modernidade
>>> Certezas
irracionais, baseadas nas concepções religiosas e nas tradições históricas.
· Indiferenciação
entre moralidade, costumes, direito e religião.
· Ser
humano >>>
Não é visto como indivíduo com direitos e deveres recíprocos, mas como membro
de uma coletividade sem valor em si mesmo, mas tão-somente enquanto útil para
essa mesma coletividade.
· Na
pré-modernidade, a idéia de direitos fundamentais como um núcleo de proteção do
ser humano (visto como indivíduo ou como pessoa) é inexistente. As principais
garantias das pessoas encontravam-se nas normas de natureza religiosa. Os seres
humanos eram considerados objetos à disposição de outros homens ou à disposição
das divindades (coisificação do ser humano).
Na
sociedade pré-moderna, o ser humano tinha de cumprir o seu destino de ser útil
à coletividade. E o seu destino estava traçado no momento de seu nascimento, a
depender do local ou do núcleo familiar. “Ao nascer, sabia-se como se ia viver
e como se iria morrer”. Pp. 158.
O
paradigma da modernidade e Napoleão Bonaparte
· Europeia.
· Antropocêntrica.
Nação.
· Tempo
das “certezas racionais” fundadas na ciência.
· Diferenciação
racional entre moral, direito, religião e política.
· Surgimento
da noção de indivíduo: ser indiviso dotado de racionalidade, direitos e
deveres. Revolução Francesa. “Todos nascem
livres e iguais em direitos e oportunidades” (pp. 159).
· O
homem moderno “faz o próprio destino”, ao passo que o homem pré-moderno apenas
cumpria o destino para o qual nascera.
O Direito
moderno é o direito da previsibilidade dos riscos e do reconhecimento da
imprevisibilidade dos perigos. É o Direito que atua com as “frustrações de
expectativas”, mas que não encontra respostas adequadas para os
“aborrecimentos” dos perigos inesperados.
A razão
jurídica não se preparou para os perigos imprevisíveis, apenas para os riscos
previsíveis. A razão menosprezou as vicissitudes da natureza e da cultura
humana. O Estado e o Direito se arvoraram senhores das condutas e
comportamentos das pessoas, como se o cumprimento ou descumprimento das leis
fosse uma conduta automatizada do ser humano, esquecendo-se dos outros aspectos
que envolvem o agir humano (psíquicos, emocionais, morais, éticos, etc.). O
homem ficou enjaulado na razão científica. Pp. 160.
· Culto
à razão iluminista e desprezo aos outros elementos na composição da sociedade e
do ser humano, especialmente os psíquico-emocionais e os religiosos
(“irracionais”).
· Apostou
todas as suas fichas em um direito organizador e sistematizador da vida humana,
garantido pelo poder coercitivo do Estado, reduzindo o papel da sociedade, da
família e das confissões religiosas no comportamento humano.
· Esse
direito não foi suficiente para garantir a paz social.
O
paradigma da pós-modernidade e Barack Obama
· Norte-americana.
· Ecocêntrica.
Mundo.
· “Incertezas
racionais”. Ceticismo em relação à força da ciência e das verdades universais.
· Nasceu
com o ataque às Torres Gêmeas, em 11/09/2001.
· Era
das mulheres, senhoras das possibilidades e das diferenciações.
· Desnudou
a insuficiência da razão e do direito estatal coerente e sistematizador para a
organização humana.
· Modificação
das famílias. Famílias fundadas no afeto. A criação dos filhos passou a
representar, também, sucesso aos pais, não apenas às mães. Morte da figura do
“pai provedor”.
· Rompimento
das fronteiras nacionais. Novos significados e contornos ao conceito de
soberania estatal.
· Homem pós-moderno >>> Homem
do mundo. Pessoa culturalmente miscigenada.
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