sábado, 11 de agosto de 2012

Esquema de Leitura: O Federalista e o Federalismo


NOTAS ACERCA DO FEDERALISTA

Contexto Histórico
  • Logo após a independência dos EUA, em 1776, as ex-colônias inglesas se reuniram em forma de confederação. A estrutura adotada conferia ampla autonomia às unidades estaduais e um limitado papel à confederação.
  • Após muitas críticas à confederação, em 1787, com a Convenção Federal, elaborou-se a primeira Constituição Nacional dos EUA. O novo modelo reduzia a autonomia dos Estados Federados e ampliava as atribuições do poder central. Entretanto, o poder central tinha limites bem definidos.
  • Os textos que compõem O Federalista constituem os ensaios escritos por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, publicados na imprensa de Nova York entre outubro de 1787 e abril de 1788, em defesa do modelo federalista de organização estatal, adotado pela Constituição Federal dos EUA, de 1787.
  • Os três federalistas (Hamilton, Madison e Jay) estavam empenhados em argumentar a favor da substituição da confederação pela federação, estabelecendo uma nova orientação para a distribuição territorial do poder político.

Acerca do Modelo
  • O modelo federalista proposto por Madison procurava conciliar duas necessidades opostas: centralizar o poder para consolidar a formação do Estado e limitar a ação do Estado, assegurando a descentralização territorial do poder político.

Estado Unitário                Estado Federado            Confederação 
________________________________________________________________________________________________
     > Centralização do Poder                                                                < Centralização do Poder

  • Principais características do desenho institucional proposto na Constituição Nacional de 1787, segundo a descrição dos federalistas (Hamilton, Madison e Jay):
  1. Adoção da democracia representativa sugerida por John Locke e da tripartição dos poderes sugerida por Montesquieu. A tripartição dos poderes seria refinada por um sistema de controles mútuos entre Executivo, Legislativo e Judiciário (sistema de freios e contrapesos), cuja principal finalidade seria garantir a estabilidade política.
  2. Estabelecimento de uma República Federativa ao invés da antiga Confederação. O governo central ganha mais poderes frente aos Estados-Membros, embora ainda seja bastante expressiva a sua autonomia.
  3. Introdução da representação política nacional, com a manutenção da representação política estadual, de modo que os Estados-Membros convivem com dois grupos distintos de representantes.
  4. Parlamento Bicameral, constituído de Câmara dos Deputados (número de representantes proporcional ao número de eleitores) e Senado (todas as unidades possuem o mesmo número de participantes). O Senado torna-se uma “câmara territorial”, em que a tarefa principal é a manutenção da associação entre os Estados que deu origem à federação. A instituição deve procurar resguardar os direitos dos Estados menos populosos, igualando-os em números de representantes aos grandes, para garantir o equilíbrio federativo e impedir a opressão das unidades estatais mais populosas.
  5. Sistema de governo = Presidencialismo.
  6. Não foi enfrentada a questão do trabalho escravo na economia norte-americana, o que facilitou a adesão dos Estados do Sul ao texto constitucional.

"A relação entre a União e os Estados, no texto constitucional, revela uma dupla soberania, ou seja, diferentemente do modelo unitário, a federação pode ser vista como uma associação de unidades soberanas, em que a soberania da União convive com a dos outros participantes do pacto federativo”. (FERREIRA; GUANABARA e JORGE: 232)

Contribuições de Alexander Hamilton
  • Artigos nº 01, 21 e 22. Trata das debilidades de um sistema federal excessivamente descentralizado.
  • Exposição das fragilidades da Confederação. As críticas dirigiam-se, principalmente:
  1. À inoperância das resoluções da Confederação que não passavam de recomendações, já que não havia poderes para aplicar as penalidades aos Estados-Membros recalcitrantes.
  2. À total dependência, da Confederação, de recursos financeiros das unidades estaduais. A Confederação não tinha autorização para arrecadar impostos.
  3. À impotência da associação política vigente para firmar acordos comerciais com outros países, o que prejudicava enormemente o comércio exterior dos EUA.
  4. À inexistência de um exército unificado da Confederação. A defesa do território contra alguma agressão estrangeira dependia da disponibilidade das tropas estaduais. Assim, a mobilização de um exército unificado era incerta.
  • Art. nº 09. Trata dos mecanismos institucionais para garantir maior estabilidade política aos governos republicanos.
  1. Adoção do modelo republicano, mesmo em um país de grandes dimensões territoriais (Montesquieu assinalava o Despotismo). Sugere que o modelo a ser implantado assemelha-se a uma associação de Repúblicas, bem diferente da idéia de um único governo republicano administrando todo o território nacional.
  2. O modelo federalista funcionaria como uma barreira contra facções e insurreições internas, assegurando maior estabilidade política aos governos populares.

Contribuições de John Jay
  • Preocupação com a preservação da unidade territorial e com a integração política dos Estados-Membros.
  • Alerta para o risco de separatismos e fragmentação territorial, pois existe a possibilidade de forças centrífugas serem estimuladas por interesses estrangeiros.
  • Vinculação da prosperidade econômica à manutenção da unidade nacional, que somente poderia ser assegurada com a implantação de uma Constituição Federal.

Contribuições de James Madison
  • Artigo nº 10. Estabilidade política. Controle sobre os efeitos das facções (entendidas como grupos de cidadãos, representando a maioria ou a minoria do conjunto, unido e agindo sob um impulso comum de sentimentos ou interesses contrários aos direitos de outros cidadãos ou aos interesses da comunidade).
  • Apesar das conseqüências indesejáveis que as facções podem trazer, não é possível eliminá-las, pois isso significaria afastar-se dos princípios liberais contemplados na Constituição Federal (liberdade de pensamento e de associação).
  • Solução contra as ações facciosas = Fortalecer a democracia representativa, menos vulnerável às facções que a democracia direta. A simples existência de um Congresso Nacional tendia a reduzir ou eliminar as ações facciosas. A uma, porque haveria mais diversidade de opiniões acerca de cada tema discutido. A duas, porque “afasta” os congressistas de seus Estados de origem, reduzindo a pressão exercida pelos interesses locais.
  • Artigos nº 14, 41/45. Limitação da jurisdição nacional a determinados assuntos, de interesse da União, ou seja, que digam respeito a todos os membros da República (paz, guerra, negociações e comércio exterior). Assim, as instâncias estaduais não ficam “vazias”. Ao contrário, caberia aos Estados-Membros legislar acerca do curso normal da vida no país (liberdades e ordem interna).
  • Artigos nº 14, 41/45. Finalidade do poder do Estado, ou seja, objetivo a ser atingido = Bem-Estar da grande massa do povo.

Sobre o Sistema de Freios e Contrapesos
  • Hamilton e Madison eram seguidores da teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu. Entretanto, defenderam algumas inovações, quais sejam:
  1. Controles mútuos entre Executivo, Legislativo e Judiciário (Madison). Finalidade = Não conceder a nenhum homem, ou grupo de homens, poder ilimitado. Acreditava que as ações humanas são movidas por paixões ou por interesses imediatos e egoístas. Busca do equilíbrio entre os três poderes do Estado.
  2. Fortalecimento institucional do Poder Judiciário (Hamilton) que seria o mais fraco dos poderes da República. Estabilidade dos cargos judiciais, assegurando a exigência de eleições periódicas apenas para o preenchimento das cadeiras do Congresso Nacional e para a escolha do Presidente da República.

NOTAS ACERCA DO FEDERALISMO

O Estado Federal como Federação
  • Quanto à sua forma, os Estados podem ser Unitários (quando o poder central é a cúpula e o núcleo do poder político) ou Federais (conjugam vários centros de poder político autônomo)
  • A palavra Federação vem do latim foedus, que quer dizer pacto ou aliança.
  • A discussão acerca do Federalismo está relacionada:
  1. À distribuição constitucional do poder entre o governo central e as unidades governamentais constituintes
  2. A uma certa forma de aliança entre corpos políticos

“Dessa forma, é possível dizer que o arranjo federativo é estabelecido e regulado por uma aliança cujas conexões internas refletem um tipo particular da divisão que deve prevalecer entre os participantes, isto é, cada um reconhece a integridade de cada associado e busca promover um tipo especial de unidade entre eles”. (FERREIRA; GUANABARA e JORGE: 228)
  • O Estado Federal é uma aliança ou união de Estados com peculiaridades que as distinguem das demais
  • Embora alguns autores afirmem que a Confederação Helvética, de 1291, foi o primeiro modelo de Federação, a verdade é que nem a Antigüidade, nem a Idade Média conheceram o fenômeno federativo (Bonavides)
  • Trata-se de um fenômeno moderno / contemporâneo, extra-europeu, inaugurado no século XVIII com a Constituição Federal dos Estados Unidos da América, em 1787
  • A confusão deve-se, em grande parte, ao fato de que “Federação” e “Confederação” são conceitos atualmente imiscuídos, embora se refiram a realidades diversas: direito interno e direito internacional, respectivamente. Veja-se:

Estado Federal                Direito interno

Confederação            Direito internacional


Características Fundamentais dos Estados Federais
  • A União faz nascer um novo Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estados Soberanos
  • A base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um Tratado. Baseando-se a união numa Constituição, todos os assuntos que possam interessar a qualquer dos componentes da Federação devem ser conduzidos de acordo com as normas constitucionais.
  • O Tratado é mais limitado, porque só regula os assuntos nele previstos expressamente, além de ser possível sua denúncia por qualquer dos contratantes
  • Na Federação, não existe direito de secessão. Única exceção historicamente registrada: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
  • Só o Estado Federal tem Soberania
  • No Estado Federal, as atribuições da união e das unidades federadas são fixadas na Constituição Federal, por meio de distribuição de competências
  • A cada esfera de competência se atribui rendimentos próprios (ex.: impostos de competência federal, estadual e municipal)
  • O poder político é compartilhado pela União entre as unidades federadas (Estados Federados) e o povo, por meio de um Poder Legislativo bicameral (no Brasil, Câmara dos Deputados e Senado Federal)
  • O cidadão do Estado que adere à Federação adquire a cidadania do Estado Federal e perde a anterior. Não há coexistência de cidadanias.

Lei da Participação da Lei da Autonomia
  • Pela Lei da Participação, os Estados-Membros tomam parte no processo de elaboração da vontade política válida para toda a organização federal.
  • Pela Lei da Autonomia, confere-se caráter estatal às unidades federadas, admitindo-lhes ordem constitucional própria e três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário estaduais).
  • Para Alexis de Tocqueville, o Federalismo implicava a existência de duas sociedades distintas “encaixadas uma na outra”.

Estado Federal Frente aos Estados-Membros
  • O Estado Federal, sede da Soberania, aparece como único sujeito de direito na ordem internacional
  • Os Estados Federados são destituídos de Soberania internacional
  • Supremacia jurídica do Estado Federal frente aos Estados Federados:
  1. Limitação dos ordenamentos dos estados-membros;
  2. Definição de competências;
  3. Predomínio do ordenamento constitucional do Estado Federal;
  4. Observância obrigatória de certos princípios mínimos da organização federal;
  5. Tribunal Supremo para dirimir conflitos constitucionais.

Estados-membros como unidades constitutivas do sistema federativo
  • Unidades federadas = Estados, na medida em que atuam como sistema completo de poder, com legislação, governo e jurisdição próprios.
  • Organização do parlamento federal = duas casas, sendo uma do povo (Câmara dos Deputados), uma dos Estados Federados (Senado Fedral).
  • Igualdade na representação parlamentar dos Estados participantes da federação, o que ocorre de forma independente ao seu contingente populacional.
  • A participação dos Estados-Membros é básica para a formação da vontade federal tocante à qualquer reforma da Constituição.

Crise do Federalismo
  • Crise ou mudança? Bonavides defende que o Federalismo passa por uma grande mudança, relativamente ao seu conteúdo à sua forma.
  • Novo Federalismo. As alterações vêm sendo vistas como o fim do Federalismo pelos autores mais liberais.
  • Eras do Federalismo:
  1. 1ª Era do Federalismo = Adoção do princípio federalista e das duas leis que regem a federação: autonomia e participação. A autonomia vigorava sobre a participação. Estados Federados “entrincheirados”.
  2. 2ª Era do Federalismo = Equilíbrio entre União e Estados Federados.
  3. 3ª Era do Federalismo = Ruptura do equilíbrio da 2ª fase do Federalismo, com predomínio do princípio da Participação sobre o princípio da Autonomia. Desequilíbrio em detrimento dos Estados-Membros.
 
  • Causas da alteração/ crise do Federalismo:
  1. Expansão industrial do Século XX;
  2. Alargamento das vias de comércio entre Estados Federais e entre os Estados-Membros, mutuamente;
  3. Progresso tecnológico unificador;
  4. Propagação das ideologias que apagam as variações dos particularismos políticos (camadas maciças e uniformes de opinião);
  5. Incremento da legislação social apaziguadora do conflito entre capital e trabalho;
  6. Dirigismo econômico.

“Tal transformação, sacrificando a competência efetiva dos estados-membros, deixou quase revogada a lei da autonomia, fez do intervencionismo estatal necessidade indeclinável à subsistência mesma do Estado Federal, tornou o poder central mais sensível e sujeito ao influxo dos estados membros, colocou os estados, em face da deficiência dos seus recursos, debaixo da servidão financeira do poder federal [...] e desenvolveu em suma, nos cidadãos mesmos, certo sentimento de menoscabo ou de ruinosa indiferença às prerrogativas autonomistas das entidades componentes, o que, em algumas federações como o Brasil e os Estados Unidos, veio avolumar as correntes de opinião mais favoráveis aos interesses da União, identificados, portanto, com o interesse nacional contraposto ao dos estados”. (BONAVIDES: 198/190)

  • No Brasil, a crise do Federalismo tem origens da inflação galopante. Os Estados Federados, sempre em déficit¸ estavam sempre precisando de “socorro financeiro” da União Federal.
  • Essa relação de dependência comprometeu a pretendida autonomia dos Estados-Membros, artificialmente produzida pela República.
  • Some-se a esses fatores o fato de que a autonomia local jamais foi tradição brasileira. De fato, desde o Império, as liberdades locais eram severa e sistematicamente reprimidas pelo poder central.
  • Nos EUA, a crise do federalismo também se deve a desequilíbrios financeiros entre União e Estados Federados.


Vantagens do Federalismo
Desvantagens do Federalismo
— Historicamente demonstrou capacidade de dificultar a acumulação de poderes num só órgão e, em conseqüência, a formação de governos totalitários.
— Assegura oportunidades mais amplas de participação no poder político, pois aqueles que não obtiverem ou não desejarem a liderança federal poderão ter acesso aos poderes locais.
Ajuda na preservação de características locais, reservando uma esfera de ação autônoma para cada unidade federada
— Mais favorável à defesa das liberdades individuais que o Estado Unitário
— É mais democrático, pois assegura maior aproximação entre governantes e governados
— Inadequado para a época atual, em que, para atender a solicitações muito intensas, é necessário um governo forte.
— A federação dificulta ou mesmo impede a planificação, pois é impossível determinar a uma unidade federada que se adéqüe aos planos da União
— A federação provoca dispersão de recursos, pois é necessário alimentar várias máquinas administrativas diferentes
— A organização federativa tende a favorecer a ocorrência de conflitos políticos e jurídicos, pela coexistência de inúmeras esferas autônomas, cujos limites nem sempre estão claramente fixados.



BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política, Brasília: Universidade de Brasília, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
FERREIRA, Lier Pires; GUANABARA, Ricardo; JORGE, Vladimyr Lombardo (org.) Curso de Ciência Política: grandes autores do pensamento político e contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática, 2003.

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