quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ensaio: Considerações acerca da interpretação de regras e princípios jurídicos

Inicialmente, vale esclarecer que normas-regra e normas-princípio constituem normas jurídicas.

Parece redundante mencionar essa circunstância mas, por muito tempo, a Teoria Geral do Direito só considerou norma jurídica o preceito cujo descumprimento fosse objeto de sanção, de reprimenda do Estado. A fórmula ainda é bem familiar aos estudantes de Direito:

Norma (N) = Preceito (P) + Sanção (S)

Logo,

~ P = S      e      P = ~S


Ora, uma vez que os princípios normalmente não vêm acompanhados de sanção jurídica (ao menos de sanção jurídica explícita), durante vários anos foram relegados ao papel secundário de auxiliares do intérprete em casos de lacunas da lei. Eram uma espécie de regras em sentido lato: o resíduo necessário de moralidade do mundo da Ciência Jurídica.

Recentemente, seja pela inoperância dos Legislativos; seja pela insistente negligência dos Executivos na concretização dos Direitos Fundamentais (principalmente os de 2ª Geração); seja pela globalização dos Direitos Humanos por meio de acordos e tratados internacionais; seja porque antigas técnicas interpretativas não se adequavam plenamente ao Princípio da Supremacia da Constituição, magistrados e filósofos afiliados à corrente interpretativa conhecida como "Neoconstitucionalismo" passaram a defender a necessidade de se deduzir todo o Ordenamento Jurídico a partir dos princípios (verdadeira expressão dos valores consagrados em sociedade) para, em um segundo momento, deles deduzir as regras. 

O Neoconstitucionalismo inverteu o valor heurístico das normas-princípio e das normas-regra.

Pois bem. Hoje se entende que Regras e Princípios constituem normas. E que constituem normas de estrutura diferente. De se presumir, pois, que demandarão métodos de interpretação diferentes.

Conforme já salieantava Ronald Dworking, no "Império do Direito", as regras estão submetidas a um juízo de "tudo ou nada", a um sistema binário: ou a regra é cumprida ou a regra não é cumprida. Exemplos:
a) Ou o motorista Alberto trafegou a até 80 km/h, ou o motorista Alberto ultrapassou o limite de 80 km/h;
b) Ou João matou seu desafeto José, infringindo o comando do Artigo 121 do Código Penal Brasileiro, ou se absteve de praticar essa conduta delituosa.
A interpretação de regras em aparente conflito (antinomia) segue padrões já bastante consolidados. Ou se exclui uma das regras ou se cria uma exceção à regra geral. Exemplos:
a) Exclusão.
a.1. Normas posteriores revogam normas anteriores. A Lei nº 11.343/2006, que trata das Políticas Públicas sobre Drogas revogou a Lei 6.368/1976, que tratava da mesma matéria.
a.2. Normas específicas prevalecem sobre normas gerais. A Lei Complementar nº 840/2011 do Distrito Federal prevalecerá sobre a Lei nº 8.112/1990 na análise de casos que envolvam servidores públicos do DF.

b) Exceção.
b.1. É proibido violar o domicílio dos sujeitos, exceto em caso de flagrante delito. Ou seja: 1. É proibido violar o domicílio dos sujeitos; e 2. É permitido violar o domicílio dos sujeitos em casos de flagrante delito.
Por sua vez, a interpretação de princípios em colisão depende de ponderação, não havendo que se falar em mera exclusão de um deles, tal como sucede às regras.
De fato, levados a extremos, diversos princípios se chocariam. A proteção da propriedade, por exemplo, levada a extremos, poderia laborar em prejuízo da saúde pública ou da proteção ao meio ambiente. O princípio da igualdade, levado a extremos, mitiga a liberdade dos cidadãos.
Dessa forma, em se diagnosticando a colisão de princípios, caberá ao intérprete adotar a solução que melhor atender à proporcionalidade, respeitados os seguintes critérios (R. Alexy):
(a) Adequação. A mitigação de determinado princípio laborará em favor da observância de outro, ou seja, a medida será útil.
(b) Necessidade. Não há outro meio menos danoso ao Direito que mitigar o princípio.
(c) Proporcionalidade em sentido estrito. Análise caso a caso, averiguando-se quais são os princípios em colisão no caso particular, bem como a possibilidade de sacrificar, ainda que parcialmente, um deles, para que ambos coexistam.  
No fim, na interpretação e ponderação de princípios, adotar-se-á uma das fórmulas:
I. Princípio A prevalece sobre Princípio B (Dignidade de pessoa humana prevalece sobre propriedade privada); ou 

II. No caso β, o Princípio A prepondera sobre o princípio B (no que concerne às cotas raciais, o princípio da isonomia prepondera sobre o princípio da igualdade).
Veja-se que a inversão do valor heurístico das normas-princípio face às normas-regra acabou por reforçar e ampliar o papel das Cortes Constitucionais, em sistemas de Civil e Common Law. Isso porque, em última análise, caberá às Cortes Constitucionais escalonarem hierarquicamente os valores (formulados como normas-princípio), bem como as situações em que determinado valor deverá preponderar sobre outro.

Em última análise, será o órgão máximo do Poder Judiciário, e não o Poder Legislativo, o responsável pelo escalonamento de valores socialmente relevantes. 

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