CAPÍTULO 1: ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO, DIREITOS HUMANOS E DIREITO À SAÚDE
—
O Estado Democrático de Direito, tal qual hoje é conhecido, data do final do
século XIX. Resulta de um amplo processo de evolução da forma como as
sociedades foram se organizando ao longo dos séculos.
—
RACIONALIZAÇÃO ou DESSACRALIZAÇÃO DOS DIREITOS NATURAIS →
- Com o declínio do Absolutismo Monárquico, já no final do século XVIII, os “Direitos Naturais” emergem, não com a antiga roupagem do Direito Canônico, mas justificados na própria razão ou mesmo na “natureza humana”.
- A justificativa dos direitos naturais, apoiada na razão e na natureza, contribuiu para laicização do Estado, bem como para a limitação dos seus poderes sobre os cidadãos.
- Os direitos naturais correspondiam aos direitos fundamentais ao ser humano, direitos que não poderiam ser negados pelo Estado.
- Difusão da ideia de que as sociedades políticas (Estados) derivavam de um contrato, de um pacto social, firmado por indivíduos livres ao deixarem para trás o estado de natureza.
- A sociedade política não é natural (como a família, por exemplo). Ela é um artifício criado por homens livres para, com ela, viverem melhor.
- Grandes teóricos dos direitos naturais e do contratualismo: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau.
—
As revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII produziram documentos que até
hoje fundamentam os direitos humanos no mundo →
I.
Inglaterra
- Revolução Puritana, 1628. Petition of Rights, que institui a necessidade de aprovação parlamentar de tributos e a proibição de punição de súditos sem amparo na lei.
- Habeas Corpus Act, 1679, em proteção à liberdade e ao devido processo legal.
- Revolução Gloriosa, 1689, Bill of Rights. Obrigatoriedade de aprovação das leis pelo Parlamento e garantia de liberdade religiosa.
II. Estados Unidos
- Declaração de Independência, de 1776.
III. França
- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1779.
- Observe-se que a moderna Constituição da República da França (5ª República, 04 de outubro de 1958), incorporou em seu texto, integralmente, o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A Declaração de 1789 previa que “todos os homens são iguais pela natureza e perante a lei” e que “a finalidade da sociedade é a felicidade comum – o governo é instituído para garantir a fruição de seus direitos naturais e imprescritíveis. Esses direitos são a liberdade, a segurança e a propriedade”.
“A lei, considerada em sentido amplo,
passa a ter a partir de então um papel fundamental na organização das
sociedades, sendo o instrumento por meio do qual o poder do povo se manifesta,
que vincula a todos de forma igualitária: governantes e governados são igualmente
sujeitos às determinações da lei. A lei passa a representar a vontade da sociedade,
devendo ser respeitada por todos. Nasce daí a idéia de estado de direito”. (pp.
16).
—
ESTADO DE DIREITO → Sociedade
política disciplinada pela Lei, com a finalidade de promover e de proteger os
direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, difusos e coletivos.
“[...] Esses direitos, por sua vez,
exigem, para sua promoção e proteção, um ambiente social dotado de regras de
convivência que garantam a todos, sem exceção, o respeito à vida e à dignidade
do ser humano. Essas regras devem atingir não só a figura dos governados como
também, e principalmente, a figura dos governantes. O exercício do poder deve
sujeitar-se a regras preestabelecidas, voltadas à promoção, à proteção e à garantia
dos direitos humanos. A esse conjunto de regras, que define o âmbito do poder e
o subordina aos direitos e aos atributos inerentes à dignidade humana, damos o
nome de estado de direito (NIKEN, 1994, p. 22).” (pp. 18).
—
Nos Estados de Direito, o Ordenamento Jurídico costuma ser encabeçado por uma
norma de hierarquia mais elevada, denominada “Constituição”. Esse texto
normativo costuma conter diretrizes acerca da estruturação, do funcionamento e da
distribuição dos poderes e funções estatais. Também é matéria eminentemente
constitucional a definição dos direitos básicos dos cidadãos.
—
CONSTITUCIONALISMO é o movimento político,
social e cultural que, principalmente a partir do século XVIII, sugere a
limitação do poder político, com fins garantísticos. “O poder absoluto corrompe
absolutamente”.
I. Características
do constitucionalismo moderno:
- Positivação do princípio da legalidade;
- Surgimento de constituições escritas e rígidas, que exigem procedimentos mais complexos para sua alteração;
- Positivação do princípio de divisão de poderes;
- Positivação de direitos individuais inalienáveis e imprescritíveis – propriedade, liberdade e igualdade;
- Legitimação do poder político nas mãos da soberania popular, que pode exercê-lo diretamente ou por meio de representatividade no Poder Legislativo;
- Elevação da noção de cidadania;
- Surgimento de um Estado Liberal, destinado prioritariamente a garantir a liberdade individual, sem quase nenhuma preocupação com o bem-estar coletivo e caracterizado pelo absenteísmo laissez-faire (laissez-passer).
II. Constituições
liberais: Determinavam a não-intervenção do
Estado nas liberdades de iniciativa e de contrato (inclusive relativamente ao
trabalho). Resultou em um quadro de darwinismo social, de exploração absoluta
sobre a massa de despossuídos e desprotegidos.
III.
Exemplos
de constituições liberais.
a)
Constituições francesa, de 1791;
b)
Constituição dos Estados Unidos da
América, de 1787.
c)
Constituição espanhola e a portuguesa,
de 1812;
d)
Constituição belga, de 1822;
e)
Constituição brasileira, de 1824.
—
As distorções do Estado Liberal levaram à articulação dos trabalhadores em
sindicatos (século XIX) e agremiações.
- Opção Socialista e movimentos em prol da positivação dos direitos sociais.
- Papa Leão XIII. Encíclica Rerum Novarum, 1891. Incentiva a intervenção do Estado em questões sociais no sentido de melhorar as condições de vida dos miseráveis e excluídos.
- O Estado Liberal servia apenas ao burguês. Liberdades e garantias eram vistas como direitos meramente formais, dadas as brutais desigualdades sociais dos cidadãos.
- Direito de Liberdade suplantando a Igualdade e a Fraternidade. Mas a Revolução foi feita em prol dos três direitos.
—
Somente no século XX os direitos sociais começam a ser contemplados nas
constituições dos Estados. Constituição Mexicana, 1917 e Constituição de Weimar. Estado Social de Direito.
“[...] Essa evolução histórica de
constitucionalização (fundamentalização) resultou num modelo estatal adotado
pela grande maioria dos países do mundo, onde figuram, desde o início do século,
de um lado, os direitos individuais, derivados da Bill of Rights e da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os direitos individuais são
direitos que protegem o indivíduo contra o Estado. Vida, segurança, igualdade
de tratamento perante a lei, propriedade, liberdade (de ir e vir, de expressão,
de reunião, de associação, dentre outras liberdades). Além disso, podemos
encontrar em diversas constituições menções expressas aos direitos sociais,
econômicos e culturais, que refletem pretensões do indivíduo perante o Estado;
trabalho (greve, salário mínimo, jornada máxima de trabalho, aposentadoria),
acesso aos bens históricos e culturais e às ciências, educação, saúde, moradia,
lazer, segurança, previdência social, dentre outros.” (pp.
21 e 22).
—
Nas últimas décadas, têm surgido direitos que têm como titulares não os
indivíduos em sua singularidade, mas grupos humanos determináveis e
indetermináveis: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e direito à comunicação.
—
A Constituição Federal Brasileira de 1988 contempla a proteção aos direitos de
primeira, segunda e terceira gerações, isto é, os direitos de liberdade
(liberdades públicas e privadas), de igualdade e de fraternidade.
—
DIREITO À SAÚDE → Direito
social. Necessita da ação do Estado para a sua proteção.
- Patamar mínimo de vida e existência para os cidadãos.
- A promoção, a proteção e a recuperação da saúde dependem sempre de uma determinada ação a ser tomada pelos órgãos estatais, seja essa ação de cunho legislativo (elaboração de leis voltadas à proteção do direito à saúde), seja executivo (execução de políticas públicas, como vigilância sanitária, atendimento clínico ou hospitalar, regulamentação e aplicação de alguma lei, fornecimento de medicamentos), seja judicial (exercício da jurisdição quando um cidadão se sentir lesado no seu direito à saúde).
—
Observe-se que a separação entre direitos de liberdade, de igualdade e de
fraternidade é didática. A realização plena dos direitos civis e políticos é
impossível sem o gozo dos direitos culturais, econômicos e sociais (consenso na
I Conferência Mundial de Direitos Humanos, Teerã, 1968).
“Em suma, “entre as duas categorias de
direitos, individuais e sociais ou coletivos, não pode haver senão
complementaridade e interação, e não compartimentalização e antinomia” (TRINDADE,
1997, p. 360).” (pp. 26)
—
Última fase do Estado de Direito → Estado
Democrático de Direito, ou seja, um Estado que proteja os direitos humanos e se
baseie na democracia.
- A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1945, apregoa que a democracia é o único regime político compatível com os direitos humanos.
- Democracia é o regime político no qual os cidadãos exercem o poder de forma indireta (por meio de representantes) ou direta.
- Nas democracias modernas, tem-se sentido a necessidade de ampliar os canais de participação dos cidadãos na vida pública, sobretudo na elaboração de políticas públicas.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de direito sanitário com enfoque na vigilância em saúde. Brasília:
Ministério da Saúde, 2006, capítulo 01.
Nenhum comentário:
Postar um comentário