Universidade de
Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Disciplina: Oficina de textos científicos
Professores: José Augusto Drummond e Marcel Bursztyn
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura
Texto: TAVOLARO, Sérgio B. F. Existe uma modernidade Brasileira? Reflexões
em torno de um dilema sociológico brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, volume 20, nº 59,
Outubro/2005. Pp. 05 a 22.
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Crítica à Sociologia da Dependência e à Sociologia da Herança Patriarcal-Patrimonial,
correntes que resistem em ver a sociedade brasileira em pé de igualdade com as
sociedades modernas centrais.
- Tanto a Sociologia da Dependência quanto a Sociologia da Herança Patriarcal-Patrimonial seriam essencialistas: Caracteres historicamente construídos são deslocados de seus contextos e transformado e variáveis independentes, capazes de explicar qualquer momento da história ou da sociabilidade brasileira.
** Ambas as correntes assumem que a modernidade se estrutura em torno de três pilares:
- Diferenciação / complexificação social;
- Secularização;
- Separação entre público e privado.
** Teses da Sociologia
da herança patriarcal-patrimonial
- Autores: Freyre, Holanda, Faoro e Da Matta.
- As distorções da sociabilidade moderna brasileira seriam efeitos da herança patrimonial-patriarcal: “[...] certos códigos de sociabilidade típicos da família patriarcal e do pater familias teriam permanecido ativos na dinâmica social do Brasil contemporâneo para além do período colonial”. P. 07.
- Brasil: limbo de semi-modernidade.
- Sérgio Buarque de Holanda: Ética da aventura X Ética do trabalho.
- Raimundo Faoro: A singularidade da modernidade brasileira teria suas raízes no Estado patrimonial que se constituiu em Portugal desde os idos de sua formação. Porosidade entre os domínios públicos e a casa real. Pouco espaço para códigos impessoais.
- Roberto da Matta: O Brasil é marcado pela coexistência entre um código pessoal e um sistema legal individualizante enraizado na ideologia burguesa liberal. Casa X Rua. O Brasil seria semitradicional.
Assim, de acordo com a imagem da sociedade brasileira
contemporânea projetada por essa primeira abordagem, a despeito de ter passado
por processos de complexificação e modernização, nossa sociedade jamais atingiu
o grau e a extensão da diferenciação social, da
secularização
e da separação entre o público e o
privado observados nas
“sociedades modernas centrais”. Tais características explicariam o status semimoderno da sociedade brasileira contemporânea. P. 10.
** Teses da Sociologia
da Dependência
- Autores: Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso.
- A posição periférica ocupada pelo Brasil no mercado capitalista internacional: Motivo de as principais instituições, formas de sociabilidade e os principais valores das sociedades centrais jamais terem enraizado na nossa sociedade com a mesma dimensão e profundidade.
- De acordo com esta corrente, a experiência capitalista brasileira (capitalismo dependente) teria sido suficiente para solapar a ordem tradicional, mas não para instituir uma modernidade plena.
- Brasil: modernidade periférica (e não semimodernidade).
** Tanto a
Sociologia da Dependência quanto a Sociologia da Inautenticidade seriam
eurocêntricas, no sentido de que as instituições típicas das sociedades europeias
seriam vistas como etapa a ser alcançada por outras sociedades.
- Adoção do discurso sociológico hegemônico acerca da modernidade, consolidado pelos autores: Marx, Weber, Durkheim, Simmel, Parsons, Luhmann e Habermas.
- Sociedades modernas centrais seriam aquelas em que:
(a) Estado, mercado e sociedade civil ocupam necessariamente esferas plenamente diferenciadas entre si, reguladas exclusivamente por códigos próprios e dinamizadas por lógicas particulares;
(b) a normatividade que regula as relações entre indivíduos e deles com o Estado e o mercado são plenamente desencantadas além de protegidas de influências de concepções de mundo e sistemas normativos não-racionalizados; e
(c) os âmbitos público e privado, por sua vez, são também plenamente separados, cada um dos quais ordenado por códigos e lógicas particulares, comunicando-se apenas e tão-somente através de canais apropriados que mantêm inalterados os termos e as regras de cada um dos domínios.
- Problema: nem as sociedades modernas centrais, nem as sociedades de modernidade tardia se encaixam uniformemente nesses parâmetros.
- Sob essa visão, a sociedade brasileira seria invariavelmente “peculiar” em relação às sociedades centrais, dado que:
(a) Estado, mercado e sociedade civil são tidos como estruturalmente entrelaçados;
(b) a normatividade que as permeia é vista como passível de influências de concepções de mundo e sistemas de normas apenas parcialmente racionalizados; e finalmente,
(c) seus âmbitos de ação público e privado são, por sua vez, percebidos como interconectados.
** Soluções:
- Considerar as peculiaridades das sociedades modernas, não somente os aspectos em que lhes parecem comuns.
- Abandonar “as peculiaridades da modernidade brasileira” em favor da “modernidade no Brasil”. Foco na contingência.
- Abolição de qualquer pretensão essencializante. Nada deveria ser mais avesso a essencializações que a Sociologia.
- Compreender a modernidade como processo contingente decorrente de disputas entre grupos e forças sociais, isto é, como resultado de conflitos entre projetos, demandas, interesses e concepções de mundo.
- Argumentos de Domingues e de Ortiz em prol das “múltiplas modernidades”.
Domingues defende a necessidade de se avançar em direção a uma
concepção multifacetada de modernidade. Trata-se, para ele, de vislumbrar as
instituições modernas em sua dimensão processual, ou seja, como o resultado
contingente e historicamente variável dos confrontos entre projetos
particulares levados adiante por subjetividades individuais e coletivas. P. 11.
Ortiz, por sua vez, agumenta que o Brasil contemporâneo deve
ser interpretado tendo-se como pano de fundo a noção de “modernidade mundo”. Para
ele, atravessamos um momento em que a modernidade deixou de estar confinada a fronteiras
nacionais; ao deslocar-se do Ocidente, tal processo pôs em xeque a existência
de uma “única matriz moderna”. Parece-me, pois, que a modernidade vista como um
tipo de sociabilidade histórico e contingente (já que fruto de disputas constantes entre projetos díspares), multifacetado
e tendencialmente global abre-nos o caminho para uma alternativa àquele dilema sociológico. P. 11.
- Versão de modernidade utilizada pelo autor:
(a) padrões variados de diferenciação/complexificação social >>> padrão de diferenciação liberal-capitalista; padrão de diferenciação social-democrático; padrão de diferenciação capitalista-corporativo; padrão de diferenciação autoritário (socialista ou capitalista); e padrão de diferenciação totalitário (socialista ou fascista).
(b) padrões variados de secularização (tomados de José Casanova) >>> configurações em que associações religiosas têm papel ativo na vida pública; arranjos em que concepções religiosas se mantêm vivas e atuantes fundamentalmente em âmbitos sociais privados; e, finalmente, casos nos quais associações e concepções religiosas não têm peso marcante tanto em esferas sociais públicas como em âmbitos privados.
(c) padrões variados de separação entre domínios públicos e privados (tomados de Bryan Turner) >>> o privado como âmbito de ação de indivíduos movidos pela busca de interesses subjetivamente definidos; o privado como domínio de códigos familiais de sociabilidade; o público entendido como resultante da vontade geral; e o público como esfera de sociabilidade controlada e definida pelo Estado.
A
idéia de modernidade
entendida como um tipo de
sociabilidade multifacetada, constituída ao longo
de disputas
contingentes entre projetos,
interesses e visões de mundo num contexto crescentemente globalizado, ajuda-nos a encontrar uma possível alternativa para o dilema
que há muito intriga duas das principais abordagens no interior do pensamento
social brasileiro. Em vez de reduzir as diversas configurações políticas,
econômicas, institucionais e sociais experienciadas ao longo da recente história
brasileira a um supostamente único tipo de configuração moderna
(pré-determinado por tendências culturais e/ou econômicas), abre-se caminho
alternativo para que se considere como as disputas que se desenrolaram entre
nós vieram a se traduzir em padrões variados de diferenciação/ complexificação
social, de secularização
e de separação público/privado no decorrer de nossa história. P. 18.
** Minhas primeiras observações >>>
- Mau uso ou mau entendimento do que vem a ser a Sociologia Compreensiva e a formulação de tipos ideais: Causalidade versus Condição Adequada.
- Ao fim e ao cabo, para o autor, a modernidade é a ordem social pós-revolução industrial de cada nação que a experiencia? É o tempo presente em que cada uma vive? Relativismo exacerbado. Perda do valor explicativo dos conceitos. Falta de coragem científica?
- Sobre o Eurocentrismo: toda Sociologia, Antropologia ou Ciência Política será comparativa. É um imperativo da linguagem como forma de estruturação mental.
- Sobre a versão estendida de modernidade: “pode ser dominada pela religião... Ou não”. Que tipo de afirmação é essa? Que tipo de medição isso possibilita?