quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Resenha de Rachel Carson and Her Sisters: extraordinary women who have shaped America´s environment.

Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós-Graduação 
Doutorado
Discente/Resenhista: Juliana Capra Maia
Resenha publicada na Revista Sustentabilidade em Debate - Brasília, v. 5, n. 2, p. 104-107, mai/ago 2014 e disponível (livre acesso) em http://periodicos.unb.br/index.php/sust/article/view/11512/8216.
Texto resenhado:
MUSIL, Robert K. Rachel Carson and her sisters: extraordinary women who have shaped America´s environment. London: Rutgers University, 2014.


Robert K. Musil escreveu Rachel Carson and her Sisters ao redor de um argumento central: grande parte do que se conhece como militância e ciência ambiental norte-americanas deve-se à atuação de mulheres majoritariamente ignoradas pelo público em geral e mesmo pelos leitores especializados. De acordo com o relato de Musil, a ignorância acerca das contribuições das mulheres para o ambientalismo norte-americano não pouparia sequer a bióloga marinha Rachel Carson (1907 –1964), autora do clássico Silent Spring, publicado originalmente em setembro de 1962 e considerado por muitos como um verdadeiro divisor de águas para o movimento ambientalista no século XX. A despeito de ter falecido em 14 de abril de 1964 - isto é, há 50 anos - em decorrência de câncer de mama, Carson, nos dias atuais, continua a ser rotulada em talk shows e em pronunciamentos estigmatizantes de representantes da grande indústria como uma “solteirona defensora de passarinhos”.

Musil tem credenciais para escrever sobre o assunto. É um misto de acadêmico e ativista ambiental. É professor de política ambiental na American University, em Washington D. C., tendo estudado saúde ambiental e literatura em universidades prestigiadas como Yale, Northwestern e Johns Hopkins. Escreveu também o livro intitulado Hope for a Heated Planet: How Americans Are Fighting Global Warming and Building a Better Future (Rutgers, 2009).

Este livro de Musil busca se contrapor a esse estereótipo. Vai além da defesa de Carson, trazendo contribuições relevantes à história do movimento ambientalista, à história das mulheres envolvidas nesse movimento e à própria história da ciência. Resgata trajetórias de mulheres pioneiras que, desde o século XIX e a despeito dos preconceitos derivados de sua condição feminina, vêm lançando ideias e defendendo bandeiras que reverberaram na construção dos argumentos e das causas ambientalistas contemporâneas.

O autor apresenta os argumentos e as batalhas em prol da natureza, da saúde pública e da educação feminina travadas por diversas antecessoras de Rachel Carson, as pioneiras Susan Cooper, Graceanna Lewis, Martha Maxwell, Florence Merriam Bailey, Olive Thorne Miller, Mabel Osgood Wright, Neltje Blanchan, Anna Botsford Comstock, Mary Hunter Austin, Ellen Swallow Richards, Alice Hamilton, Harriet Hardy e Mary Admur. Essas mulheres ajudaram a fundar e militaram em organizações ambientais e cívicas, tais como Agassiz Association for Nature Study, American Ornithological Union (AOU), Audubon Naturalist Society (ANS), Women’s Education Association (WEA), American Association of University Women (AAUW), American Home Economics Association (AHEA), Association for the Advancement of Science (AAAS) e Women’s International League for Peace and Freedom. Elas contribuíram também para a expansão de diversas áreas do conhecimento e de ação vinculadas ao ambientalismo, dentre as quais taxidermia, montanhismo, jardinagem, medicina do trabalho, química, botânica, toxicologia, etnologia, estudos sobre áreas costeiras, agricultura, silvicultura, ornitologia, literatura, poesia, fotografia e pintura de aves, conchas e espécimes vegetais.

Musil desnuda, desse modo, a ancestralidade intelectual e cívica de Rachel Carson. Narra as condições sociais e históricas que permitiram que a nativa de Springdale, Pennsylvania, nascida em 27 de maio de 1907, caçula, lograsse estudar, trabalhar em órgãos ambientais federais, escrever livros de peso e, principalmente, ser ouvida em suas advertências acerca dos riscos que o uso indiscriminado do diclorodifeniltricloroetano (DDT) representava para a saúde humana e ao equilíbrio ambiental.

O autor também nos introduz às contribuições de três sucessoras políticas e intelectuais de Carson: Terry Tempest Williams, Devra Davis e Theodora Emily Colborn, que seriam as suas principais “irmãs”, para usar o termo que aparece no título. Sob diferentes perspectivas, essas mulheres dedicaram as suas vidas às premissas de Silent Spring, isto é, à investigação e à exposição das conexões entre os meios de vida da sociedade moderna, a degradação ambiental e os danos à saúde humana. Ao tratar das ideias dessas autoras, Musil demonstra que Silent Spring não se encerrou em si mesmo.

Terry Tempest Williams é uma admiradora declarada de Carson e, de acordo com Musil, ambas teriam muito em comum. Ambas são reconhecidas como cientistas que aliam explicações causais e sensibilidade, biologia e literatura. Tanto Carson quanto Williams foram chamadas a dar explicações a congressistas norte-americanos sobre assuntos ambientais de sua especialidade. Ao longo de suas trajetórias, ambas defenderam a necessidade da adoção de uma postura ética em prol da solidariedade entre os seres humanos e as demais espécies. Ambas participaram de movimentos ambientalistas e usaram achados científicos como argumentos em prol da transformação do status quo.

Finalmente, Carson e Williams partilham a experiência do engajamento em movimentos sociais pela erradicação de testes, rejeitos e armamentos nucleares. Consideravam a escalada nuclear como uma ameaça transfronteiriça à saúde ambiental, fomentada diretamente pela arrogância humana. A militância antinuclear não é a face mais conhecida de Carson. Entretanto, em plena Guerra Fria, a autora proferiu diversos discursos a respeito do tema (o que lhe rendeu os rótulos de “subversiva” e de “comunista”). No prefácio à segunda edição do seu livro The Sea Around Us (cuja edição original é de 1951), ela alertara que os radioisótopos, assim como o DDT, uma vez liberados na natureza, se assimilavam às cadeias alimentares, cujo topo é ocupado por humanos.

A segunda “irmã”, Devra Davis, por sua vez, escreveu, entre outras obras, When Smoke Ran Like Water: Tales of Environmental Deception and the Battle Against Pollution, publicado em 2002, e The Secret History of the War on Cancer, publicado em 2007. Tal como Carson, Davis é uma cientista engajada na luta contra a poluição. Conhece bem os corredores do poder e o jogo de dúvida-negação-protelação praticado pelas indústrias poluidoras. Os seus trabalhos enfocam os efeitos sanitários deletérios da poluição atmosférica (especialmente o câncer), que se tornou objeto de interesse da autora em decorrência das mortes provocadas em sua família pela fumaça poluente, na cidade de Donora, Pennsylvania. Não obstante as acusações de que os seus trabalhos seriam “cientificamente suspeitos”, Davis e os seus colaboradores estão no centro das discussões internacionais a respeito do aquecimento global.

Finalmente, as pesquisas da terceira “irmã”, Theodora Emily Colborn, Ph. D. em biologia pela University of Wisconsin e autora de Our Stolen Future, também partiram dos argumentos esposados em Silent Spring, segundo os quais poluentes despejados na natureza e absorvidos por animais e vegetais da base da cadeia alimentar provavelmente provocariam danos celulares e genéticos e, por consequência, câncer entre os predadores de topo de cadeia (seres humanos, em especial). Estudando populações humanas e de peixes da região dos Grandes Lagos – área da América do Norte bastante afetada por atividades poluentes –, não encontrou evidências da suposta ligação direta entre câncer e poluição, mas constatou evidências de conexão entre distúrbios endocrinológicos e poluição. De acordo com Colborn, o contato com os bifenilos policlorados (PCBs), poluentes não venenosos, mas persistentes e ubíquos, estaria diretamente relacionado à infertilidade masculina e feminina, à baixa libido, às irregularidades menstruais, aos nascimentos prematuros e às anormalidades no sistema imunológico, tais como a incapacidade de produzir anticorpos.

O ponto alto do texto de Musil, entretanto, é a segunda metade do Capítulo 3, intitulado “Carson and her sisters: Rachel Carson did not act alone”, que retrata os bastidores sociais e políticos da publicação de Silent Spring. Ficam claros os motivos pelos quais o trabalho de Carson é considerado o texto fundador do ambientalismo contemporâneo. Musil revela que, para além de consistir um livro bem escrito e baseado em sólidos argumentos científicos, isto é, para além de unir razão científica e boa literatura, a produção e o lançamento de Silent Spring foram cuidadosamente planejados como instrumento de advocacy ambiental. 

As conexões de Carson na academia e na política (pelas quais Marie Rodell e Marjorie Spock foram as grandes responsáveis) permitiram que Silent Spring se fortalecesse com dados empíricos, com apoio de associações civis (de caçadores e de pescadores, inclusive) e de eminentes pesquisadores de universidades norteamericanas de peso: E. O. Wilson, em Harvard; George J. Wallace, na Michigan State University; Joseph Hickey, na Universitade de Wisconsin.

Carson, o seu círculo de apoiadores e os seus editores sabiam que, tão logo publicado, Silent Spring seria duramente atacado pelos representantes da indústria química. Assim, revela Musil, para lhe garantir credibilidade, eles procuraram estrategicamente desvencilhar a obra de toda e qualquer manifestação ecologista considerada radical: vegetarianos, veganos, orgânicos ou defensores dos direitos dos animais, mesmo que, pessoalmente, Carson simpatizasse com algumas dessas manifestações.

Ademais, antes de sua publicação, em cuidadoso trabalho de marketing, os parceiros de Carson distribuíram exemplares de Silent Spring a personalidades políticas de alta importância, tais como o Secretário do Trabalho de John Kennedy, Frances Perkins; a Senadora Maurine Neuberger; a Congressista Leonor Sullivan; William O. Douglas, membro da Suprema Corte dos Estados Unidos. Receberam exemplares também os líderes de associações tais como Garden Clubs of America, American Association of University Women, League of Women Voters, National Federation of Women’s Clubs, National Council of Jewish Women, National Council of Women of the United States, Audubon Society e Consumer’s Union.

Como consequência dessa estratégia, Carson foi convidada a apresentar as suas ideias em congressos e seminários. Depois disso, a rede de contatos em prol da erradicação do DDT foi progressivamente ampliada, envolvendo o Secretário do Interior de John Kennedy, Stewart Udall, o diretor do Sierra Club, David Brower, e Howard Zahniser, da Wilderness Society.

Portanto, Silent Spring não tem apenas o mérito de ser um livro bem escrito, contendo graves denúncias – apoiadas em evidências científicas – acerca dos efeitos sanitários deletérios do uso indiscriminado de pesticidas. Silent Spring seguiu também uma fórmula de sucesso no seu lançamento, um modo de agir bem sucedido do nascente movimento ambientalista, motivo pelo qual, com justiça, Rachel Carson é apontada como uma das fundadoras do movimento ambientalista contemporâneo.

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