quarta-feira, 31 de maio de 2017

Esquema de leitura: Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Azevedo, Antônio Junqueira.

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós-Graduação em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 90-101, março/maio 2002.


INTRODUÇÃO

** O uso da expressão "dignidade da pessoa humana" é razoavelmente recente. Remonta ao “Preâmbulo” da Carta das Nações Unidas, de 1945. Contudo, a compreensão de que determinados entes possuem "dignidade" (e não "preço") já é objeto de discussão em Kant (Fundamento da Metafísica dos Costumes).

** Contemplada em normas estatais, a expressão "dignidade da pessoa humana" torna-se um princípio geral de direito. 

** A "dignidade da pessoa humana" é um princípio contemplado pela CF/88 ("fundamento do Estado brasileiro); pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948); pela Constituição da República Italiana (1947); pela “Lei Fundamental” da Alemanha (1949); pela Constituição da República Portuguesa.

** 2 concepções distinta a respeito do que é o ser humano:
  • Concepção "insular". Homem como razão e vontade, como autoconsciência, com ser autônomo, separado da natureza. Homem e natureza não se encontram. Relação sujeito X objeto. Aqui, a natureza é um fato bruto, não tendo valor em si mesma. Imagem herdada do racionalismo iluminista (o homem é uma mente que possui um corpo). 
  • Concepção holística. Homem e natureza são uma coisa só. Entre homem e natureza ocorre um continuum de complexificação. O homem é o mais complexo dentre os animais. Homem como ser capaz de reconhecer no outro um igual, de utilizar a linguagem. O núcleo duro do conceito repousa na sua capacidade para o diálogo e para o amor. A natureza é um bem, cujo maior valor é a vida.
"A primeira concepção leva ao entendimento da dignidade humana como autonomia individual, ou autodeterminação; a segunda, como qualidade do ser vivo, capaz de dialogar e chamado à transcendência." P. 92.

** A concepção insular sobre o homem é redutivista. Ela retira do homem justamente o que lhe é especial: "seu reconhecimento do próximo, com a capacidade de dialogar, e sua vocação espiritual" (P. 92).

** Entre os seres mais simples, como as bactérias e os vírus, o ser humano, há um ininterrupto crescendo de complexidade. Para uma nova complexidade, uma nova faculdade emerge.


Equação da concepção insular: Dignidade humana >> Autonomia Individual >> Qualidade de vida



** E reduzindo dignidade humana à qualidade de vida, não se garante a vida humana. Há, por isso, necessidade de preencher a fórmula vazia "dignidade da pessoa humana" com um significado objetivo, evitando-se, desse modo, que seja utilizada de maneira retórica para os mais contraditórios fins.


A CONCEPÇÃO INSULAR DE "PESSOA"

** Ciências cognitivas (descobertas sobre o cérebro humano), biologia (teoria da evolução das espécies) e primatologia (estudo do comportamento de primatas) colocaram em xeque a "concepção insular" de pessoa.
  • As pesquisas paleontológicas não autorizam mais a conclusão dos iluministas, segundo a qual somente o homem é dotado de razão e vontade. Razão, vontade e consciência são aquisições obtidas lentamente pela humanidade, em um longo processo evolutivo. Desautorizam autores como Kant e Descartes.
  • A Etologia concluiu que animais como cachorros, macacos, vacas, gatos e burros pensam e querem. É inegável a existência de elementos subjetivos no agir e no sofrer dos animais. 
"Fundamentar toda a nossa dignidade numa “autonomia” individual, que, além de duvidosa in concreto, não é evidentemente absoluta e acaba sendo vista como “qualidade de vida” a ser decidida subjetivamente, não basta". P. 95.


** A biomedicina permite a manipulação da constituição física dos seres humanos. A antiga ética não consegue solucionar os dilemas advindos dessa possibilidade. 

** Seguindo a "ética da vida e do amor", entretanto, o pressuposto do respeito à dignidade da pessoa humana é a vida. Ou seja, neste ética, a vida é um imperativo jurídico categórico. 

** Derivados do imperativo categórico do respeito à vida, vêm o respeito à integridade física, à observância dos requisitos mínimos para que a vida seja possível (condições materiais) e o respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e de convivência igualitária. 


CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE HUMANA À LUZ DA NOVA ÉTICA

** "Vida", genericamente considerada, é o valor de tudo que existe na natureza. Para o autor, esse valor existiria por si mesmo, independentemente do homem. 

** Sob a perspectiva da pessoa humana, vida é condição de existência. Sem vida, não há pessoa; sem pessoa, não há dignidade. 

** Princípios jurídicos devem ser atenuados para que se adequem aos dilemas sociais. Até a dignidade da pessoa humana é atenuada pela dignidade de outra pessoa humana. Mas sem o pressuposto desses princípios -- a vida --, o princípio simplesmente não existe. Esse pressuposto não pode ser atenuado.


"E esse princípio, se pudesse ser totalmente eliminado, não seria princípio fundamental". P. 96.

** Concretização do princípio da dignidade da pessoa humana:
  • Proibição da cessação artificial da vida. Proibição da eutanásia; Proibição do suicídio (a vida não pertence somente ao sujeito: ela está inserida num fluxo coletivo). Cada vida é um valor que a todos interessa; Proibição do abortamento voluntário do embrião. Embrião não possui personalidade civil, mas já constitui sujeito de direitos; O embrião que não está implantado no ventre materno não pertence ao "fluxo da vida" e, por isso, não se pode defender que tenha vida (e direitos dela decorrentes); Clonagem terapêutica, pelo mesmo motivo, não é moralmente condenável. Faz parte da preservação da vida. Ilegitimidade da pena de morte;
  • Respeito à integridade física e psíquica da pessoa humana. Exames físicos forçados são moralmente inadmissíveis em matéria civil, mas moralmente admissíveis em matéria penal. Transfusão de sangue não pode ser proibida por parentes, caso o doente esteja impedido de manifestar a sua vontade.
  • Respeito às condições mínimas de vida. Aqui se incluem medidas jurídicas tais como a impenhorabilidade do bem de família (que pode ser o único teto de uma família ou de um solteiro, ou de um viúvo, etc.); a impenhorabilidade dos salários; a impenhorabilidade dos instrumentos profissionais; a impenhorabilidade do imóvel rural de até um módulo; a proibição de doar todos os bens; a previsão do direito de alimentos. Também se incluem as limitações às obrigações contratuais que se revelem excessivamente onerosas.
  • Respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária entre os homens. Direito à identidade, especialmente direito ao nome; Direito à liberdade (aqui, seriam moralmente contrárias à dignidade da pessoa humana sob o aspecto da liberdade as cláusulas de tempo excessivo de prestação de serviço, as cláusulas abusivas de exclusividade e de não-concorrência); Direito à igualdade; Direito à intimidade (inclusive à vida sexual) e ao sigilo de correspondência.
"Sintetizando tudo o que procuramos transmitir com este artigo, concluímos: a) diante da “confusão geral” criada por gregos e troianos na utilização do princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, impõe-se ao jurista brasileiro, evitando uma axiologia meramente formal, dar indicações do conteúdo material da expressão; b) há graves falhas científicas na concepção filosófica da pessoa humana como ser dotado de razão e vontade, ou autoconsciente (concepção insular). Segue-se daí que é insuficiente a idéia de dignidade como autonomia, a que essa concepção dá sustentação. A pessoa humana, na verdade, caracteriza-se por participar do magnífico fluxo vital da natureza (é seu gênero mais amplo), distinguindo-se de todos os demais seres vivos pela sua capacidade de reconhecimento do próximo, de dialogar, e, principalmente, pela sua capacidade de amar e sua abertura potencial para o absoluto (é sua diferença específica – concepção da pessoa humana fundada na vida e no amor); c) com esse fundamento antropológico, a dignidade da pessoa humana como princípio jurídico pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e dá origem, em seqüência hierárquica, aos seguintes preceitos: 1) respeito à integridade física e psíquica das pessoas; 2) consideração pelos pressupostos materiais mínimos para o exercício da vida; e 3) respeito às condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária". (P. 100)

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