Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento
Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Sustentável / Doutorado
Disciplina: Mudanças Climáticas
Professor: Saulo Rodrigues
Aluna: Juliana Capra Maia
Resumo
DEBORTOLI, Nathan dos Santos. O
regime de chuvas na Amazônia Meridional e sua relação com o desmatamento.
Tese de doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de
Brasília, Université Rennes (co-tutela), Brasília, 2013. Introdução, capítulo 1
e capítulo 2.
INTRODUÇÃO
IPCC tem
desenvolvido, por meio de modelagem, estudos acerca das mudanças climáticas a
partir do foco no sistema “atmosfera-superfície-oceano”.
As projeções do IPCC para a região amazônica incluem escassez hídrica devida,
entre outros motivos, à expansão da fronteira agrícola. É que a supressão de
vegetação nativa colabora para a emissão de gases de efeito estufa e para a
perda da umidade no ambiente (consequência direta da diminuição ou eliminação
da evapotranspiração).
Quer em decorrência das
amarras estruturais geradas pelo sistema de produção de bens primários herdado
dos tempos da colônia, quer pela fragilidade político-institucional, a política
ambiental brasileira tem se mostrado ambígua. Por um lado, o país tem se
comprometido internacionalmente com metas ambiciosas de redução de gases de
efeito estufa. Por outro lado, recentemente promoveu a modificação de um novo
Código Florestal, menos protetivo em relação ao anterior e mais adequado aos
interesses econômicos dos grandes produtores de commodities agrícolas.
Debortoli observa que a
iniciativa de revisão do Código Florestal partiu de agricultores da Região Sul,
que lidam com grandes extensões territoriais de topografia acidentada. Sob essa
perspectiva, as limitações topográficas contempladas no antigo Código Florestal
reduziam muito o potencial produtivo das terras rurais. Outros grupos de agricultores
enxergaram na revisão do Código Florestal uma oportunidade de aumentar a área
desmatada das suas fazendas ou de legalizar desmatamentos ilegalmente
realizados. Resultados de concessões mútuas entre agricultores, parlamentares e
governo, o novo Código Florestal foi recebido, pelos ambientalistas, como uma
derrota, como um retrocesso.
Sabe-se que a perda de
florestas tropicais provoca prejuízos à vida mesmo que a muitos quilômetros de
distância da área desmatada. O desmatamento provoca redução de chuvas nas
regiões tropicais e a mortalidade de árvores devido ao stress hídrico (o que, por sua vez, provoca a proliferação de incêndios).
A redução da disponibilidade hídrica, por sua vez, consiste um fator crítico
para a economia: setores tais como a agricultura e a geração de energia
hidrelétrica são altamente dependentes dos ciclos hidrológicos.
Tomando todos esses
aspectos em consideração, Debortoli tomou, como objeto de pesquisa, a
identificação dos padrões pluviométricos em escala regional e local, na porção
meridional da Amazônia Brasileira e Cerrado adjacente (região conhecida como
“Arco do desmatamento”).
CAPÍTULO 01 – INTRODUÇÃO
À MODELAGEM CLIMÁTICA EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES
A modelagem é uma das
ciências mais caras do mundo, dada a sua dependência dos avanços da informática
e da computação espacial estatística. A disciplina avança por meio de
supercomputadores, radares e satélites com elevada capacidade de cálculo e
produz poderosas ferramentas nas mãos de cientistas e tomadores de decisão: os
modelos climáticos. Os modelos climáticos, por sua vez, têm como objetivo
elucidar a interação, sobretudo em grande e média escalas, entre os sistemas
atmosféricos, oceânicos e terrestres.
A disciplina vem sendo
desenvolvida ao longo dos últimos 2 séculos. Ela se constituiu a partir dos
conhecimentos produzidos por: 01. Ptolomeu
(descrição do movimento das massas de ar e divisão climática latitudinal do
planeta); 02. Halley (teoria dos
ventos alísios);03. Hadley (efeito
Coriolis de rotação do planeta e respectivas influências sobre as massas de
ar). 04. Humboldt (divisão de
isolinhas de contorno, transformando-as em linhas isotérmicas); 05. Milankovich (periodicidade de
mudanças climáticas em larga-escala, causadas pela órbita da Terra); 06. Vilhem Bjerknes (criação de
equações primitivas de movimento e de estado que permitiram espacializar dados
em sistemas complexos). Contudo, sofreu decisivos avanços a partir de inventos
tais como a fotografia, bem como de criações humanas com propósitos bélicos,
tais como satélites, radares, reatores nucleares e aeronaves.
O intercâmbio de dados climáticos mundiais e a consolidação das
informações esparsas em um núcleo de análise do clima – circunstâncias
favorecidas por cento consenso a respeito do aquecimento do planeta –
constituíram fatores decisivos para a construção de modelos globais a partir do
final da década de 1960 e início da década de 1970.
Os modelos climáticos atualmente disponíveis – dentre eles aqueles
utilizados pelo IPCC – constituem fruto dos esforços coletivos empreendidos por
milhares de cientistas, militares e cidadãos comuns que, ao longo de várias
décadas, se dedicaram a observar e a compreender o clima.
MODELAGEM CLIMÁTICA
Os modelos climáticos não consistem apenas
teorias, mas hipóteses afinadas às condições naturais efetivamente observadas
no mundo real. Os primeiros modelos climáticos (EBMS) lidavam com duas
variáveis, tais como a relação entre quantidade de CO2 na atmosfera e temperaturas.
Debortoli esclarece que, ao contrário do que
normalmente se imagina, o IPCC já iniciou seus trabalhos com modelos de 3
dimensões (GCMS), que incluem listas extensas de variáveis: movimento
planetário e circulatório da atmosfera, correntes em jatos, interações entre a
rotação do planeta, gravitação e níveis de insolação.
Entre 1980 e 1990, graças a avanços matemáticos, a modelagem do clima
voltou-se à tentativa de reprodução de sistemas climáticos terrestres. Desse
modo, paulatinamente incorporou elementos como capas de gelo, vegetação e neve,
além de intervenções antrópicas tais como agricultura e nuvens de resíduos
radioativos. Foi em 1986, contudo, que se operou à inclusão da variável que se
mostrou mais importante para as previsões climáticas globais: a temperatura dos
oceanos. Como as massas de água possuem temperatura mais constante do que os
continentes, tendem a permitir inferências mais certeiras.
Atualmente, os modelos climáticos são construídos em 4 dimensões a
partir de dados de satélite, o que permite maiores níveis de detalhamento.
INPUT DE DADOS EM MODELOS
Há dificuldades intrínsecas à coleta e análise
de dados climáticos, tais como a movimentação dos instrumentos de medição, a
mudança do uso e da ocupação do solo nos arredores das estações pluviométricas
e a calibração errônea dos instrumentos de medição. Dados históricos estão
povoados com inconsistências provocadas por essa ordem de fatores. Os
pesquisadores dedicados ao estudo do clima procuram diminuir as inconsistências
dos dados por meio do seu sistemático cruzamento.
Atualmente, estações meteorológicas têm sido
progressivamente substituídas por satélites. Ademais, a maior parte dos dados dos modelos climáticos é obtida por meio dos próprios
modelos computacionais.
ASPECTOS DA MODELAGEM CLIMÁTICA
NO BRASIL
Em geral, quer por
indisponibilidade de recursos, quer por desinteresse dos governos, há um vácuo
histórico de dados climáticos concernentes às regiões tropicais. Recentemente,
o INPE adquiriu um supercomputador que terá como finalidade a análise climática
de áreas tropicais. A pretensão do instituto é de se igualar aos padrões
europeus e norte-americanos em qualidade de modelagem climática e previsão do
clima para a América do Sul.
CAPÍTULO 02 - A FLORESTA AMAZÔNICA E O CLIMA
O vapor de água disponível para as
precipitações no Brasil central durante o verão austral é proveniente da Bacia
Amazônica. A evapotranspiração da floresta (e 50% da água das chuvas desse
período provem de evapotranspiração) permite a formação de uma “estrada de nuvens” que alimenta as
regiões centrais do país. Essa função ambiental do bioma amazônico, sozinha, é
suficiente para que o combate ao desflorestamento seja considerado uma
prioridade estratégica.
Todavia, conforme elucida Debortoli, secas na
Amazônia e redução das dimensões do bioma não consistem novidades do nosso
tempo ou produtos exclusivos do desmatamento. A Floresta Amazônica expandiu-se
durante o Holoceno e regrediu durante os períodos secos. Há vários mecanismos –
os mais relevantes, de mesoescala – que influenciam as precipitações na região.
O ENOS, por exemplo, fenômeno de abrangência global que funciona como
oscilação acoplada do oceano à atmosfera, produzindo alterações na superfície
do mar, nas pressões, nos ventos e na convecção tropical, influencia
diretamente o clima do Brasil. Debortoli salienta que El Niño e La Niña (as
duas fases opostas do fenômeno ENOS), mais facilmente observáveis no Oceano
Pacífico, constituem a principal fonte de variabilidade climática interanual no
território nacional.
Além do ENOS, Debortoli chama a atenção para outros fenômenos de
mesoescala tais como as variações decenais na temperatura dos oceanos, a
interação entre oceano e a atmosfera na América do Sul, as correntes de ar em
jato (permitindo ventos de até 300 km/h), os jatos de ar em baixos níveis ao longo
da Cordilheira dos Andes (canalização do vento devido às elevadas dimensões da
Cordilheira), que carregam umidade das regiões tropicais para as subtropicais
criando, assim, um sistema típico de monções. Alerta, ainda, para a influência,
no clima, de fenômenos de menor duração e extensão tais como os sistemas
frontais, as ondas atmosféricas ou frentes (que influenciam a estação das
chuvas na Região Nordeste), os complexos convectivos de mesoescala (que
permitem o agrupamento de nuvens cúmulos-nimbos) e a vorticidade potencial
(formação de centros de baixa pressão que se originam na alta troposfera).
CARACTERÍSTICAS DO CLIMA SUL
AMAZÔNICO
Em linhas gerais, a Bacia Amazônica atua como verdadeiro sumidouro de
umidade recebida a partir da floresta e do Atlântico tropicais. Debortoli
elucida que o Oceano Atlântico contribui em 37% da umidade necessária para a
formação das chuvas, ao passo que o continente (em outros termos, a floresta)
contribui com 46%.
O clima do sul amazônico caracteriza-se por relativamente elevada oferta
pluvial e pela diversidade de tipos climáticos associados às latitudes
equatoriais continentais e tropicais. Também se caracteriza pela existência de
duas estações bem marcadas: uma estação seca entre junho e setembro e uma
estação chuvosa entre novembro e março. Durante a estação seca, a maior
contribuição para formação de chuvas é oriunda do solo. Em outros termos, a
transpiração consiste um grande serviço ambiental prestado pela floresta.
PADRÕES PLUVIOMÉTRICOS DA AMAZÔNIA MERIDIONAL / SUL
AMAZÔNICO E AS SÉRIES CRONOLÓGICAS DE PRECIPITAÇÕES
Conforme leciona Debortoli, o desmatamento da Amazônia teve início em
1964 e intensificou-se nos meados da década de 1970. A partir de 1983, entretanto,
assumiria um ritmo frenético. E essa interferência antrópica provocou mudanças
climáticas locais e regionais.
Estudos com dados obtidos nas estações
pluviométricas demonstraram decréscimo abrupto das precipitações para toda a
Bacia Amazônica nos anos de 1993 e 1994. Também demonstraram especial
decréscimo das precipitações entre 1996 e 2005, nas áreas cujo dossel da
floresta é mais esparso. Finalmente, também houve identificação, entre os anos
de 1979 e 1993, do aumento da sazonalidade do início e do término do período
seco, bem como da ocorrência de precipitações mais violentas em curtos espaços
de tempo. Em outras palavras, parece haver relação direta, em escala local e
regional, entre floresta intacta e densa e resiliência do bioma amazônico frente
às secas.
Há que se observar que atividades
associadas ao mercado mundial de commodities
continuam a exercer pressão política e econômica sobre a Floresta
Amazônica, estimulando o desmatamento. A vegetação nativa tem sido substituída
em favor da produção de biodiesel a partir do óleo de palma ou de outros
biocombustíveis, em favor da ampliação de terras agricultáveis, em especial
para a produção de grãos, em favor da pecuária bovina e da suinocultura.
PREVISÕES E DIAGNÓSTICOS DOS MODELOS CLIMÁTICOS
PARA A AMAZÔNIA
Segundo os prognósticos
construídos a partir dos modelos utilizados pelo IPCC, há 80% de probabilidade
de o Sudeste da Amazônia sofrer com a intensificação das secas, em função do
corrente processo de mudança climática global.
A principal causa desse prognóstico reside na mudança das temperaturas
oceânicas (componente essencial do funcionamento dos fenômenos ENSO: El Niño e
La Niña) que, aliada à barreira da Cordilheira dos Andes e à Zona de
Convergência do Atlântico Sul, em ampla escala, determina o ritmo e a
intensidade das chuvas na Amazônia. Portanto, sob essa abordagem, o
desmatamento não seria o principal fator a influenciar as secas ou as mudanças
ecológicas delas decorrentes.
Se o desmatamento não é
a causa principal das secas anunciadas, entretanto, ele contribui para a degradação
da floresta, isto é, para a deterioração da resiliência do bioma. É que a
interação entre fatores climáticos (tais como correntes, jatos, bloqueios,
monções, entre outros) e a floresta é responsável por boa parte das
precipitações locais e regionais.
A floresta exerce a função de estabilizar os solos, por meio das suas
raízes que funcionam como verdadeiras esponjas na absorção das águas pluviais.
A floresta também transpira (fenômeno conhecido como “evapotranspiração”).
Desse modo, local e regionalmente, ela contribui decisivamente para o aumento
da umidade na atmosfera e, em consequência, para a formação de nuvens de chuva.
Ademais, durante a estação seca (junho a setembro), a água armazenada pela
floresta reduz a susceptibilidade do bioma a incêndios e disponibiliza, na
atmosfera, umidade não fornecida pelos fenômenos climáticos de mesoescala.
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