quinta-feira, 18 de junho de 2015

Resumo. O regime de chuvas na Amazônia Meridional e sua relação com o desmatamento. Nathan Debortoli.

Universidade de Brasília – UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável / Doutorado
Disciplina: Mudanças Climáticas
Professor: Saulo Rodrigues
Aluna: Juliana Capra Maia
Resumo
DEBORTOLI, Nathan dos Santos. O regime de chuvas na Amazônia Meridional e sua relação com o desmatamento. Tese de doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Université Rennes (co-tutela), Brasília, 2013. Introdução, capítulo 1 e capítulo 2.


INTRODUÇÃO

IPCC tem desenvolvido, por meio de modelagem, estudos acerca das mudanças climáticas a partir do foco no sistema “atmosfera-superfície-oceano”. As projeções do IPCC para a região amazônica incluem escassez hídrica devida, entre outros motivos, à expansão da fronteira agrícola. É que a supressão de vegetação nativa colabora para a emissão de gases de efeito estufa e para a perda da umidade no ambiente (consequência direta da diminuição ou eliminação da evapotranspiração).

Quer em decorrência das amarras estruturais geradas pelo sistema de produção de bens primários herdado dos tempos da colônia, quer pela fragilidade político-institucional, a política ambiental brasileira tem se mostrado ambígua. Por um lado, o país tem se comprometido internacionalmente com metas ambiciosas de redução de gases de efeito estufa. Por outro lado, recentemente promoveu a modificação de um novo Código Florestal, menos protetivo em relação ao anterior e mais adequado aos interesses econômicos dos grandes produtores de commodities agrícolas.

Debortoli observa que a iniciativa de revisão do Código Florestal partiu de agricultores da Região Sul, que lidam com grandes extensões territoriais de topografia acidentada. Sob essa perspectiva, as limitações topográficas contempladas no antigo Código Florestal reduziam muito o potencial produtivo das terras rurais. Outros grupos de agricultores enxergaram na revisão do Código Florestal uma oportunidade de aumentar a área desmatada das suas fazendas ou de legalizar desmatamentos ilegalmente realizados. Resultados de concessões mútuas entre agricultores, parlamentares e governo, o novo Código Florestal foi recebido, pelos ambientalistas, como uma derrota, como um retrocesso.

Sabe-se que a perda de florestas tropicais provoca prejuízos à vida mesmo que a muitos quilômetros de distância da área desmatada. O desmatamento provoca redução de chuvas nas regiões tropicais e a mortalidade de árvores devido ao stress hídrico (o que, por sua vez, provoca a proliferação de incêndios). A redução da disponibilidade hídrica, por sua vez, consiste um fator crítico para a economia: setores tais como a agricultura e a geração de energia hidrelétrica são altamente dependentes dos ciclos hidrológicos.

Tomando todos esses aspectos em consideração, Debortoli tomou, como objeto de pesquisa, a identificação dos padrões pluviométricos em escala regional e local, na porção meridional da Amazônia Brasileira e Cerrado adjacente (região conhecida como “Arco do desmatamento”). 


CAPÍTULO 01 – INTRODUÇÃO À MODELAGEM CLIMÁTICA EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES

A modelagem é uma das ciências mais caras do mundo, dada a sua dependência dos avanços da informática e da computação espacial estatística. A disciplina avança por meio de supercomputadores, radares e satélites com elevada capacidade de cálculo e produz poderosas ferramentas nas mãos de cientistas e tomadores de decisão: os modelos climáticos. Os modelos climáticos, por sua vez, têm como objetivo elucidar a interação, sobretudo em grande e média escalas, entre os sistemas atmosféricos, oceânicos e terrestres.

A disciplina vem sendo desenvolvida ao longo dos últimos 2 séculos. Ela se constituiu a partir dos conhecimentos produzidos por: 01. Ptolomeu (descrição do movimento das massas de ar e divisão climática latitudinal do planeta); 02. Halley (teoria dos ventos alísios);03. Hadley (efeito Coriolis de rotação do planeta e respectivas influências sobre as massas de ar). 04. Humboldt (divisão de isolinhas de contorno, transformando-as em linhas isotérmicas); 05. Milankovich (periodicidade de mudanças climáticas em larga-escala, causadas pela órbita da Terra); 06. Vilhem Bjerknes (criação de equações primitivas de movimento e de estado que permitiram espacializar dados em sistemas complexos). Contudo, sofreu decisivos avanços a partir de inventos tais como a fotografia, bem como de criações humanas com propósitos bélicos, tais como satélites, radares, reatores nucleares e aeronaves.

O intercâmbio de dados climáticos mundiais e a consolidação das informações esparsas em um núcleo de análise do clima – circunstâncias favorecidas por cento consenso a respeito do aquecimento do planeta – constituíram fatores decisivos para a construção de modelos globais a partir do final da década de 1960 e início da década de 1970.

Os modelos climáticos atualmente disponíveis – dentre eles aqueles utilizados pelo IPCC – constituem fruto dos esforços coletivos empreendidos por milhares de cientistas, militares e cidadãos comuns que, ao longo de várias décadas, se dedicaram a observar e a compreender o clima.


MODELAGEM CLIMÁTICA
Os modelos climáticos não consistem apenas teorias, mas hipóteses afinadas às condições naturais efetivamente observadas no mundo real. Os primeiros modelos climáticos (EBMS) lidavam com duas variáveis, tais como a relação entre quantidade de CO2 na atmosfera e temperaturas.

Debortoli esclarece que, ao contrário do que normalmente se imagina, o IPCC já iniciou seus trabalhos com modelos de 3 dimensões (GCMS), que incluem listas extensas de variáveis: movimento planetário e circulatório da atmosfera, correntes em jatos, interações entre a rotação do planeta, gravitação e níveis de insolação.

Entre 1980 e 1990, graças a avanços matemáticos, a modelagem do clima voltou-se à tentativa de reprodução de sistemas climáticos terrestres. Desse modo, paulatinamente incorporou elementos como capas de gelo, vegetação e neve, além de intervenções antrópicas tais como agricultura e nuvens de resíduos radioativos. Foi em 1986, contudo, que se operou à inclusão da variável que se mostrou mais importante para as previsões climáticas globais: a temperatura dos oceanos. Como as massas de água possuem temperatura mais constante do que os continentes, tendem a permitir inferências mais certeiras.

Atualmente, os modelos climáticos são construídos em 4 dimensões a partir de dados de satélite, o que permite maiores níveis de detalhamento.


INPUT DE DADOS EM MODELOS 
Há dificuldades intrínsecas à coleta e análise de dados climáticos, tais como a movimentação dos instrumentos de medição, a mudança do uso e da ocupação do solo nos arredores das estações pluviométricas e a calibração errônea dos instrumentos de medição. Dados históricos estão povoados com inconsistências provocadas por essa ordem de fatores. Os pesquisadores dedicados ao estudo do clima procuram diminuir as inconsistências dos dados por meio do seu sistemático cruzamento.

Atualmente, estações meteorológicas têm sido progressivamente substituídas por satélites. Ademais, a maior parte dos dados dos modelos climáticos é obtida por meio dos próprios modelos computacionais.


ASPECTOS DA MODELAGEM CLIMÁTICA NO BRASIL
Em geral, quer por indisponibilidade de recursos, quer por desinteresse dos governos, há um vácuo histórico de dados climáticos concernentes às regiões tropicais. Recentemente, o INPE adquiriu um supercomputador que terá como finalidade a análise climática de áreas tropicais. A pretensão do instituto é de se igualar aos padrões europeus e norte-americanos em qualidade de modelagem climática e previsão do clima para a América do Sul.


CAPÍTULO 02 - A FLORESTA AMAZÔNICA E O CLIMA

O vapor de água disponível para as precipitações no Brasil central durante o verão austral é proveniente da Bacia Amazônica. A evapotranspiração da floresta (e 50% da água das chuvas desse período provem de evapotranspiração) permite a formação de uma “estrada de nuvens” que alimenta as regiões centrais do país. Essa função ambiental do bioma amazônico, sozinha, é suficiente para que o combate ao desflorestamento seja considerado uma prioridade estratégica.

Todavia, conforme elucida Debortoli, secas na Amazônia e redução das dimensões do bioma não consistem novidades do nosso tempo ou produtos exclusivos do desmatamento. A Floresta Amazônica expandiu-se durante o Holoceno e regrediu durante os períodos secos. Há vários mecanismos – os mais relevantes, de mesoescala – que influenciam as precipitações na região. O ENOS, por exemplo, fenômeno de abrangência global que funciona como oscilação acoplada do oceano à atmosfera, produzindo alterações na superfície do mar, nas pressões, nos ventos e na convecção tropical, influencia diretamente o clima do Brasil. Debortoli salienta que El Niño e La Niña (as duas fases opostas do fenômeno ENOS), mais facilmente observáveis no Oceano Pacífico, constituem a principal fonte de variabilidade climática interanual no território nacional. 

Além do ENOS, Debortoli chama a atenção para outros fenômenos de mesoescala tais como as variações decenais na temperatura dos oceanos, a interação entre oceano e a atmosfera na América do Sul, as correntes de ar em jato (permitindo ventos de até 300 km/h), os jatos de ar em baixos níveis ao longo da Cordilheira dos Andes (canalização do vento devido às elevadas dimensões da Cordilheira), que carregam umidade das regiões tropicais para as subtropicais criando, assim, um sistema típico de monções. Alerta, ainda, para a influência, no clima, de fenômenos de menor duração e extensão tais como os sistemas frontais, as ondas atmosféricas ou frentes (que influenciam a estação das chuvas na Região Nordeste), os complexos convectivos de mesoescala (que permitem o agrupamento de nuvens cúmulos-nimbos) e a vorticidade potencial (formação de centros de baixa pressão que se originam na alta troposfera).  


CARACTERÍSTICAS DO CLIMA SUL AMAZÔNICO
Em linhas gerais, a Bacia Amazônica atua como verdadeiro sumidouro de umidade recebida a partir da floresta e do Atlântico tropicais. Debortoli elucida que o Oceano Atlântico contribui em 37% da umidade necessária para a formação das chuvas, ao passo que o continente (em outros termos, a floresta) contribui com 46%.

O clima do sul amazônico caracteriza-se por relativamente elevada oferta pluvial e pela diversidade de tipos climáticos associados às latitudes equatoriais continentais e tropicais. Também se caracteriza pela existência de duas estações bem marcadas: uma estação seca entre junho e setembro e uma estação chuvosa entre novembro e março. Durante a estação seca, a maior contribuição para formação de chuvas é oriunda do solo. Em outros termos, a transpiração consiste um grande serviço ambiental prestado pela floresta. 


PADRÕES PLUVIOMÉTRICOS DA AMAZÔNIA MERIDIONAL / SUL AMAZÔNICO E AS SÉRIES CRONOLÓGICAS DE PRECIPITAÇÕES
Conforme leciona Debortoli, o desmatamento da Amazônia teve início em 1964 e intensificou-se nos meados da década de 1970. A partir de 1983, entretanto, assumiria um ritmo frenético. E essa interferência antrópica provocou mudanças climáticas locais e regionais. 

Estudos com dados obtidos nas estações pluviométricas demonstraram decréscimo abrupto das precipitações para toda a Bacia Amazônica nos anos de 1993 e 1994. Também demonstraram especial decréscimo das precipitações entre 1996 e 2005, nas áreas cujo dossel da floresta é mais esparso. Finalmente, também houve identificação, entre os anos de 1979 e 1993, do aumento da sazonalidade do início e do término do período seco, bem como da ocorrência de precipitações mais violentas em curtos espaços de tempo. Em outras palavras, parece haver relação direta, em escala local e regional, entre floresta intacta e densa e resiliência do bioma amazônico frente às secas.

Há que se observar que atividades associadas ao mercado mundial de commodities continuam a exercer pressão política e econômica sobre a Floresta Amazônica, estimulando o desmatamento. A vegetação nativa tem sido substituída em favor da produção de biodiesel a partir do óleo de palma ou de outros biocombustíveis, em favor da ampliação de terras agricultáveis, em especial para a produção de grãos, em favor da pecuária bovina e da suinocultura.


PREVISÕES E DIAGNÓSTICOS DOS MODELOS CLIMÁTICOS PARA A AMAZÔNIA
Segundo os prognósticos construídos a partir dos modelos utilizados pelo IPCC, há 80% de probabilidade de o Sudeste da Amazônia sofrer com a intensificação das secas, em função do corrente processo de mudança climática global.

A principal causa desse prognóstico reside na mudança das temperaturas oceânicas (componente essencial do funcionamento dos fenômenos ENSO: El Niño e La Niña) que, aliada à barreira da Cordilheira dos Andes e à Zona de Convergência do Atlântico Sul, em ampla escala, determina o ritmo e a intensidade das chuvas na Amazônia. Portanto, sob essa abordagem, o desmatamento não seria o principal fator a influenciar as secas ou as mudanças ecológicas delas decorrentes.

Se o desmatamento não é a causa principal das secas anunciadas, entretanto, ele contribui para a degradação da floresta, isto é, para a deterioração da resiliência do bioma. É que a interação entre fatores climáticos (tais como correntes, jatos, bloqueios, monções, entre outros) e a floresta é responsável por boa parte das precipitações locais e regionais.

A floresta exerce a função de estabilizar os solos, por meio das suas raízes que funcionam como verdadeiras esponjas na absorção das águas pluviais. A floresta também transpira (fenômeno conhecido como “evapotranspiração”). Desse modo, local e regionalmente, ela contribui decisivamente para o aumento da umidade na atmosfera e, em consequência, para a formação de nuvens de chuva. Ademais, durante a estação seca (junho a setembro), a água armazenada pela floresta reduz a susceptibilidade do bioma a incêndios e disponibiliza, na atmosfera, umidade não fornecida pelos fenômenos climáticos de mesoescala.    

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