domingo, 3 de maio de 2015

Esquema de leitura: The idea of Public law, de Martin Lougulin

Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sustentável / Doutorado
Disciplina: Ideias, Teoria e Historiografia (2)
Professores: Cristiano Paixão e José Otávio Guimarães
Aluna: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura
Referência: LOUGULIN, Martin. "Politics" e "Constituent Power", em The Idea of Public Law. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 32-52 e 99-113.



CAPÍTULO 03 - POLÍTICA

** Em "A política como vocação", Weber define política como a atividade por meio da qual se adquire a liderança de uma associação política (Estado). 
-- Utilidade do conceito: esclarece que a política é uma operação prática primariamente preocupada com a orientação do ente que toma decisões pela coletividade, isto é, o Estado. 
-- Problemas do conceito: 
(1) Não explica o engajamento político. 
(2) Definição auto-referenciada.

**  "O político" << >> Carl Schmitt.
-- Esfera orientada pela díade "amigo" versus "inimigo" (assim como a moral orienta-se pela díade "bem" versus "mal" e a estética pela díade "belo" versus "feio"). 
-- Pressupõe que o conflito é uma condição primordial, existencial e que faz nascer a política. Desse modo, a própria política torna-se um aspecto essencial da condição humana.
--  Valores morais não são irrelevantes na esfera política. Mas não são sine qua non. A multiplicidade de mapas morais leva à inevitabilidade de choques com o âmbito político.
"The enemy according to Schmitt is not an evil person to be reviled: that would be too moralistic. Nor is he a criminal to be punished: that is too legalistic. The enemy is simply a foe to be defeated". P. 34.
-- Inimigo: grupo distinto do meu, que acredita e quer impor sua visão de mundo. Approach com a antropologia, segundo a qual culturas são formadas apenas uma vez que um grupo consegue se definir em contraste com outro, que dele se distancia.


A POLÍTICA E O ESTADO

** Apesar do trabalho de Carl Schmitt isolar "política" de "Estado", o autor entende que, somente por meio do estabelecimento de um Estado um grupo de pessoas de certo território torna-se uma unidade pacificada pela política. 
-- Reconhecimento de um "nós", que se opõe a um "eles" >>> externalização da distinção "amigo" versus "inimigo".
-- No início, o nacionalismo estava indissoluvelmente associado à ideia de guerra. 
-- Adquirindo o monopólio do uso coercitivo da força, o Estado torna-se capaz de impor a ordem pacífica, bem como de forjar certa noção de unidade de um povo. 
** Soberania interna e soberania externa.  

** Ideologia nacionalista >> Energia construtora do Estado.

** Institucionalização das tensões domésticas em um nível de intensidade mais baixo que aquele da dicotomia "amigo" versus "inimigo" >> 
-- Conflitos são enquadrados em um quadro de ordem. 
-- Controle, regulação e manipulação das tensões sobre quem temer, quem apoiar, quem confiar, com quem cooperar e a quem matar. 


O POLITICO ENQUANTO APARATO ESTATAL

** Condução da dimensão política >> segunda ordem da dimensão política. Não é construída sobre a celebração do conflito, mas sobre a necessidade de gerenciá-lo.

** Schmitt acreditava que o conflito não era apenas endêmico, mas existencial. Um grupo sem conflitos -- isto é, uma sociedade sem política -- constituiria uma negação da condição humana e, se concretizado, tenderia para a degeneração moral.

** Maquiavel também acreditava no caráter intrinsecamente conflitivo da sociabilidade humana.
-- Maquiavel foi o primeiro escritor a argumentar que a política, entendida como conjunto de práticas relacionadas à arte de governar um Estado, está assentada em princípios próprios.
-- Um bom governante tinha de dispor de virtú (coragem, vigor, vitalidade e propósito). 
-- Agindo com virtú e dispondo de alguma fortuna, o governante seguramente alcançaria a glória.
-- Pressupostos a respeito da condição humana: Teoria das paixões. A alma dos homens não é lar da paz, da racionalidade e do auto-controle. Ela é o lar de emoções arrebatadoras e contínuas. Os homens não são governados pela razão, mas pelo apetite, pela ambição, características que levam, inevitavelmente, à competição e ao conflito.
-- A política, entretanto, não pode ser reduzida à perseguição do apetite e do desejo. Ela deve voltar-se à construção do bem comum.
-- Prudência. Melhor maneira de atingir as finalidades perseguidas, curso mais apropriado para os objetivos. Falar com fluência, agir de forma persuasiva e decidir sabiamente. Seguir as boas virtudes quando possível. Mas afastar-se delas caso representem ameaça à manutenção do poder. Amoralidade da dimensão política. 
** Grandes impérios foram construídos sobre leis. Mas os limites das leis devem ser conhecidos e os governantes, se necessário, devem poder quebrá-los.
"Politics enables the activity of governing to be effectively conducted. Through the development of political practices, especially when harnessed to the forces of nationalism, bonds of allegiance are strengthened and a unity of a people is forged. And this forging of a sense of common identity, which may be based on ethnicity, culture, language or common history, provides the key to explaining why the political antecedes the state".  P. 41.

** Conflito e dissenção não constituem uma dimensão destrutiva. Antes, são ingredientes vitais da coesão social. 
"Machiavelli here impresses on us two important messages: that politics is concerned with handling conflict, not its elimination, and that the source of liberty is not to be found in ideas or texts but in political struggle". P. 42.



THE THIRD ORDER: CONSTITUTIONAL LAW

** A crença no império da lei constitui um poderoso aspecto da construção e da legitimação de um Estado. Mas isso quer dizer que a lei transcende o politico?

** Norma constitucional >>> Terceira ordem da dimensão política. 
-- Estabelecimento de um sistema legal que opera de acordo com seu próprio arcabouço conceitual, enquanto permanece livre da manipulação grosseira dos detentores do poder.
** Normas constitucionais. Problema mais profundo que as disputas cíveis ou criminais quotidianas. 
-- Embora seja possível construir a norma constitucional como uma norma positivada, o seu significado, funcionamento e modo de aplicação é, na verdade, governado por práticas políticas.
(1) Autonomia da dimensão política.
(2) Norma constitucional como princípios máximos da prudência política.
(3) A política não pode se restringir à lógica da tomada de decisões legais (baseada em normas), dado que a política é precondição do bem estar humano.


CONSTITUIÇÕES

** O vocábulo "constituição", historicamente, significava "legislação formalmente declarada". Era também utilizado como a totalidade do corpo político.

** Toda constituição invariavelmente deixa espaço para a ação extra-legal. Em Roma: gubernaculum versus jurisdictio. Na Grã-Bretanha: prerrogativas "absolutas" versus prerrogativas "ordinárias" da coroa. 

** Soberano é aquele que decide em situação de exceção. 

** Constitucionalismo >> 
-- Repousa no princípio de que o poder constituinte emana do povo, que delega limitada autoridade aos governantes em prol da promoção do bem comum. Governantes são apresentados como servos do povo, que devem prestar contas dos poderes recebidos. 
-- Esconde a questão da soberania definida como governo de exceção.
-- Ganhou ímpeto na Revolução Francesa e na Revolução Americana.
-- Com o constitucionalismo, o governo tornou-se a criatura gerada pela constituição. 
"But once 'the constitution' is assumed to establish the foundation for all polticial engagement and is viewed as a legal texto to be interpreted and enforced by lawyers, we enter a new phase. Once the modern constitutional text is treated as positive law, the idea of the constittion undergoes an important shift". p. 47.



LEGALISMO CONSTITUCIONAL 

** Uma constituição tradicionalmente tem sido vista como um conjunto de instituições e práticas que conferem identidade a um regime político. De acordo com essa noção de constituição, apenas alguns -- e não necessariamente os mais importantes -- desses arranjos se refletem em leis positivas. As constituições modernas, em contraste, se apresentam como a lei fundamental. 

** Esse tipo de legalismo constitucional ofusca a autoridade governamental.

** Em todo lugar, "governo" foi substituído por "executivo". E esse executivo exerce enorme poder, a despeito de todas as regras constitucionais.  Legalistas constitucionais enxergam esse fenômeno como um abuso que precisa ser combatido por meio de usos mais assertivos da lei. 

** Locke e Montesquieu. Fundadores do constitucionalismo moderno. Ambos reconheciam o papel primordial do Executivo. 
-- Locke reconhecia o Executivo como o poder que concretiza as leis. Mas também como o poder que age de acordo com certa discricionariedade em prol do bem comum, seja na ausência, seja contrariamente à lei. Para Locke o governo não podia estar restrito à lei.
-- Montesquieu. O Executivo está focado em questões imediatas. Ele alcança o que a lei não pode, suprindo suas carências e, mesmo assim, permanecendo subordinado a ela. Equilíbrio entre a lei e a prudência.

** Tendência de que as constituições modernas, colonizadas por juristas, acabem substituindo os fins pelos meios. "Todas as respostas estão na lei".

** A ordem política deve preceder a ordem constitucional enquanto texto. O político provê a fundação do constitucional.
"Ronald Dworkin, one of the principal exponents of this position, occasionally sees to recognize the sensitive political character of constitutional reasoning. But more commonly, the political aspects are suppressed. 'Some issues from  the battleground of power politics', he argues, area called 'to the forum of principle' and in this special constitutional arena such 'conflicts' are converted into 'questions of justice' [...]. but the process of conversion from political to legal remains mysterious, and his call for a 'fusion of constitutional law and moral theory' suggests that ultimately he seeks to circumvent politics by appealing to the transcendental character of law". p. 51.


CONCLUSÃO

** A natureza especial do direito público está assentada na autonomia da esfera política.

** Política >>>
-- A política está enraizada em certa condição essencialmente conflitiva entre os humanos. Tais conflitos estariam relacionados à luta pela materialização das diferentes concepções de "boa vida". Luta.
-- O grande valor da política consiste na criação de uma gama de técnicas que nos habilitam a lidar com os conflitos e com as inimizades de forma construtiva. Crenças.
-- A construção de um Estado sobre a primazia da lei é uma técnica poderosa, dado que apela para o valor da "imparcialidade". Entretanto, nunca se deve esquecer que a interpretação da lei pode ser manipulada por propósitos políticos. Dirigida primariamente por considerações prudenciais. 



CAPÍTULO 06. PODER CONSTITUINTE 

** Os juristas reconhecem que a hierarquia de normas repousa em certa fundação. Entretanto, questionamentos políticos a respeito da natureza dessa fundação tendem a ser evitados. 
-- Substituição de questionamentos acerca da natureza política do poder constituinte por fórmulas tais como "norma fundamental" e "regra de reconhecimento".

** Redução da questão à rudimentar dicotomia entre poder constituinte e poder constituído.

** Substituição do poder constituinte, de base para ápice. 

** O poder constituinte é a expressão jurídica do ímpeto democrático. 
-- O conceito expressa a tensão entre democracia e lei. E democracia e lei não são facilmente conciliáveis.
(1) democracia reflete um princípio de abertura; lei, em contraste, busca o controle, regula e divide essa força expansiva.
(2) A lei está orientada para o passado.
(3) Inovação versus conservação; mudança versus estabilidade; abertura versus fechamento; gerência do passado versus possibilidades do futuro.


A EMERGÊNCIA DA MULTIDÃO

** Poder constituinte >> a autoridade do governo repousa no consentimento do povo.

** Tensão entre liberdade e necessidade (virtu versus fortuna, de Maquiavel) >> Reconhecimento de um fosso entre governantes e governados, problema central da política ("a tragédia do poder constituinte").  

** Locke. Há um fosso entre governantes e governados. Mas deve ser construída uma ponte entre ambos, dado que o povo tem direito de sublevação. A manutenção da autoridade exige que os governantes atuem de acordo com a vontade da maioria.

** Rousseau. A construção de um povo requer a transformação de cada indivíduo solitário em uma pequena parte de uma grande totalidade; a multidão em um conjunto de cidadãos.
-- Para florescer, a democracia demanda certas habilidades, certas virtudes.
"Although social contract theorists place the idea of the people as the originating source of political power at the center of their analyses of government, they invariably deploy a range of devices to avoid having to address the question of the role of the multitude as an active political presence. Rousseau's innovation was to have shifted the focus of the question of political virtue, which in classical thought had been addressed solely to the governing élitem to that of the multitude". P. 105.

** Vontade geral >> mecanismo por meio do qual o poder constituinte entra no moderno discurso do direito público.


REVOLUÇÃO E CONSTITUIÇÃO

** Movimentos revolucionários dos séculos XVII e XVIII transformaram a importância do poder constituinte. Desafiaram a crença de que a autoridade era constituída "de cima para baixo". O "povo" passou a ser reconhecido como a origem do poder politico.

** Poder constituinte não é uma nêmesis da lei positiva. Ele se manifesta como um critério endógeno de eficácia da lei.

** Revolução Francesa. Concepção de poder constituinte fundado no princípio da democracia.


PODER CONSTITUINTE E CONSTITUCIONALISMO POSITIVO

** "O poder emana do povo" >> Força dinâmica e libertária, mas também perigosa e potencialmente destrutiva.
"Constituent power cannot be entirely absorbed into norms nor wholly reduced to fact. It emerges because of the unbridgeable gulf that exists between governors and governed, and it expresses a form of power that mediates between the three orders of the political. Constituent power is the power that gives constitutions their open, provisional and dynamic qualities, keeping them responsive to social change and reminding us that the norm rests ultimately on the exception. Constituent power expresses a belief that the independence of democracy and constitutionalism is a paradox, not a contradiction, and recognizes the  need for agencies of the state to work actively to maintain the allegiance of their citizens". P. 113

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