Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós Graduação
Doutorado
Disciplina: Oficina de Textos Científicos
Professores: José Augusto Drummond e Marcel Bursztyn
Discente: Juliana Capra Maia
Esquema de leitura
Referência: DRUMMOND, José Augusto L. Natureza rica, povos pobres? Questões conceituais e analíticas sobre o papel dos recursos naturais na prosperidade contemporânea. Ambiente e Sociedade (Campinas), Campinas, v. 5, n.9, p. 127-149, 2002.
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** O artigo se propõe a investigar a premissa de que riqueza natural e riqueza social andam (ou devem andar) juntas.
- Premissa que configura certo "pressuposto" não comprovado da literatura ou como uma postura normativa não verificada.
- Haveria um número apreciável de motivos para supor exatamente o oposto da premissa investigada, isto é, quanto mais dependente diretamente de recursos naturais, menos próspera será uma sociedade.
** Hipótese mais plausível (e incômoda) >>> A prosperidade e o bem estar social de determinado país ou região, em geral, não dependem da riqueza local de recursos naturais.
MÉTODO DE EXPOSIÇÃO E CONTEXTO CONCEITUAL E TEÓRICO
** Foco no papel desenvolvimentista das atividades e das regiões extrativistas, entendendo-se "regiões extrativistas" como os locais de ocorrência dos recursos naturais, sem manipulações reprodutivas ou processamento industrial (conceito que diferencia a pesca e a piscicultura; o extrativismo madeireiro e a silvicultura).
** Exemplos de atividades extrativistas >>>
- Corte de árvores nativas;
- Mineração (incluindo-se extração de petróleo e de gás natural);
- Coleta de bens vegetais;
- Caça;
- Pesca;
- Captação de água para diversos fins (energéticos, abastecimento, irrigação);
- Prospecção de espécimes da biodiversidade.
** Se riqueza natural se traduz em prosperidade social, as atividades extrativas, logicamente, deveriam ser desenvolver o papel de suportar essa prosperidade.
- Agricultura e pecuária, mesmo que dependam de recursos naturais, incorporam capital, tecnologia e trabalho em proporção maior que as atividades extrativistas.
- Atividades industriais e serviços são tratados como antípodas do extrativismo, dado que são atividades intensivas em capital, tecnologia e mão-de-obra.
** Raul Prebisch >>>
- Fundou, há de 50 anos, a perspectiva estruturalista ou cepalina da sociologia do desenvolvimento.
- Dissertou acerca do papel dos recursos naturais no desenvolvimento e no subdesenvolvimento.
- Preocupação: tendência histórica de "deterioração dos termos de troca" dos recursos naturais (bem como dos bens primários da agricultura e da pecuária) frente aos bens industrializados. Volumes cada vez maiores de recursos naturais seriam progressivamente necessários para adquirir volumes fixos ou decrescentes de bens industrializados.
- O setor primário (sobre o qual os países subdesenvolvidos normalmente apoiam as suas economias), desse modo, seria incapaz de propiciar processos autônomos de desenvolvimento. Em outros termos, desenvolvimento e prosperidade não brotariam a partir de bens primários, muito menos do extrativismo.
- Solução: substituição de importações. Proteção das indústrias nacionais por meio de tributos e interferência na política cambial.
- As hipóteses de Prebisch foram testadas e ratificadas por Diakosawas e Scandisso, que usaram uma ampla base de dados com os preços, entre 1900 e 1982, de 19 commodities.
** Albert O. Hirschman >>>
- Contemporâneo e antípoda da escola cepalina.
- Influenciou o conceito de "polos de desenvolvimento regional" na Amazônia e em outras regiões na década de 1970.
- Por um caminho diferente daquele trilhado por Prebisch, também atribuiu às atividades extrativistas papel limitado -- ou mesmo nulo -- no desenvolvimento dos países subdesenvolvidos.
- Argumento mais conhecido >>> Influência das conexões produtivas (intercâmbios) entre os diferentes setores da economia. Mede-se o número de conexões produtivas pelo consumo que um setor faz dos produtos inacabados de outros.
- Tanto maior o número de conexões entre setores econômicos, tanto maior o desenvolvimento (dado que as conexões geram mais demandas e ofertas para empreendimentos associados, multiplicando investimento, emprego e diversificando a produção).
- Desse modo, para Hirschman, as políticas públicas de aceleração do desenvolvimento deveriam favorecer atividades estratégicas, capazes de gerar maiores números de conexões, quais sejam: têxteis, produtos químicos, papel, celulose, derivados do petróleo, metalurgia.
Observação de Drummond >>> esses setores tipicamente: a) transformam recursos naturais; b) consomem grande quantidade de energia; c) são grandes geradores de resíduos poluentes ou tóxicos.
** Teoria da Dependência >>> Frank, Cardoso & Falletto. Duvida do papel dos recursos naturais no desenvolvimento dos países pobres contemporâneos ou simplesmente os excluem desse papel.
** Teoria dos Sistemas Mundiais >>> Wallerstein. Duvida do papel dos recursos naturais no desenvolvimento dos países pobres contemporâneos ou simplesmente os excluem desse papel.
BUNKER: O EXTRATIVISMO COMO MODO DE PRODUÇÃO SUBORDINADO
** Stephen Bunker, sociólogo americano, ocupa-se com as perspectivas desenvolvimentistas das regiões extrativistas no mundo contemporâneo.
- Trabalha com a da teoria dos sistemas mundiais de Wallerstein.
- Ocupa-se com as relações entre as empresas produtoras de recursos naturais e as nações subdesenvolvidas; bem como com as relações entre as nações e empresas industriais nos países desenvolvidos.
- Fez pesquisas originais sobre regiões extrativistas do Brasil, em especial, a Amazônia.
- Examina as relações entre abundância de recursos naturais e a pobreza.
** Constatações >>>
- A diversificação produtiva é típica de nações ou regiões desenvolvidas.
- Predominância do extrativismo >>> Indicador de subordinação de uma região ou de uma nação a outros, que possuem economia diversificada.
- Em oposição diametralmente oposta às defendidas por Hirschman e por Prebisch, as políticas desenvolvimentistas não são capazes de reverter as péssimas perspectivas para as regiões extrativistas. É o que Bunker teria constatado em pesquisas acerca da economia de países como a Venezuela, Jamaica, Suriname e Indonésia.
- As regiões extrativas fazem a simples "mineração" de recursos naturais brutos a serem processados em outros locais. Desse modo, essa atividade enriquece, em matéria e energia -- e, portanto, em valor --, o local de destino das mercadorias. Com o tempo, os insumos naturais tornam-se impossíveis ou mais difíceis de se obter e à região extrativista lega-se apenas o passivo ambiental.
Para Bunker, será sempre perdedor aquele que estiver na extremidade extrativa do intercâmbio entre insumos naturais e bens industrializados.
** Bunker decidiu estudar a Amazônia porque ela seria um exemplo vivo de como o extrativismo mantém marginais as regiões onde é praticado. Apesar de fornecer recursos naturais para centros industrializados há mais de 300 anos, a Amazônia continua a ser, nas palavras de Bunker, "uma das regiões mais pobres do mundo".
** Desvantagens da empresa extrativista >>>
- O mercado remunera magramente o trabalho desqualificado, típico das empresas extrativistas (converge com a teoria de Wallerstein).
- As economias extrativistas perdem duplamente:
a) Ficam na extremidade prejudicada dos intercâmbios comerciais;
b) Têm que lidar com os impactos sociais e biofísicos locais dos ciclos produtivos;
- A empresa extrativista não pode mudar de produto, de modo que grandes investimentos de capital em empreendimentos extrativistas ficam presos a único produto. Essa situação dificilmente pode ser mudada, a menos que, concomitantemente:
a) Outros produtos naturais ocorram no mesmo lugar;
b) Que esses novos produtos naturais sejam exploráveis mediante uso da mesma tecnologia;
c) Que esses novos produtos naturais tenham mercado.
O resultado líquido disso é o que Bunker chama de "subordinação de economias dependentes da produtividade natural àquelas economias capazes de manipular a produtividade social". As economias extrativistas ficam assim "particularmente sujeitas às características [naturais] do bem extraído" e a sua dinâmica mais pesada e inelástica cria-lhes desvantagens em relação às manipulações factíveis em empreendimentos industriais. Pp. 12.
- "O centro permanece, a periferia se muda" >>> As demandas por recursos naturais são contínuas e constantes. Com o esgotamento dos recursos naturais dos primeiros depósitos, a tendência é que ocorra a migração da atividade extrativista em direção a novos depósitos, situados em locais cada vez mais inconvenientes.
- O "momento certo" e o "local certo" para produzir ou utilizar recursos naturais escapa aos desígnios humanos.
- Custos com transportes mais altos, inclusive, que os custos de toda a empresa extrativista.
FREUDENBURG: ARQUIPÉLAGOS DE POBREZA EXTRATIVISTA NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
** A questão das relações entre desenvolvimento sócio-econômico e recursos naturais se aplica, também, aos próprios países desenvolvidos. É comum encontrar enclaves de pobreza -- ou de prosperidade menor -- entre regiões e populações dedicados à extração de recursos naturais.
Semelhança entre a economia das regiões extrativistas de países desenvolvidos e a economia de países subdesenvolvidos
** Freudenburg, sociólogo rural. Linhagem de estudos da sociologia rural norte-americana acerca da pobreza, prosperidade e emprego rurais.
- Literatura da sociologia rural norte-americana: deixou patente que as regiões extrativistas têm um desempenho ruim, mesmo quando comparadas com as regiões de agropecuária.
- Locais estudados >>>
a) Mineradoras de carvão da Virginia, de Ohio, da Pennsylvania.
b) Campos petrolíferos de Louisiana, Texas, Oklahoma e Arkansas.
c) Cidades pesqueiras do Maine, de Washington e do Alaska.
d) Extração de madeira no Alaska.
** Fatores da instabilidade econômica das populações dependentes de recursos naturais >>>
- Compressão de custos e preços, característica dos empreendimentos extrativistas. Os custos de produção dos recursos extrativistas tendem a subir constantemente devido ao esgotamento relativamente rápido dos recursos mais acessíveis. Por outro lado, os preços das commodities têm caído constantemente desde o início do século XX. Internacionalização e nivelamento "por baixo" dos preços das commodities.
Há décadas existem preços internacionais praticados para produtos extrativistas como o petróleo, os minérios de ferro, alumínio, estanho e manganês, a madeira em toras, etc., e para certos produtos agrícolas ou agro-industriais como trigo, milho, arroz, soja, café, açúcar, algodão, frutas cítricas, etc. É difícil ver uma região, um país ou uma empresa extrativa que consiga obter preços excepcionalmente mais elevados para os seus produtos extrativos, já que as características naturais dos mesmos variam em faixas já bem conhecidas pelos mercados e que nenhuma região extrativa pode recorrer a práticas de diferenciação dos seus produtos sem virar uma região industrial (o que exige longos prazos, grandes investimentos e tecnologias de natureza transformativa). Por consequência, qualquer produto extrativo sofre a competição direta dos similares produzidos em qualquer outro lugar do mundo, enquanto a busca de diferenciação de produtos para alcançar preços mais elevados requer investimentos adicionais em transformação. Pp. 16 e 17.
- Escassez relativa de novos capitais em países desenvolvidos. Até porque as atividades extrativas são pouco atrativas financeiramente: são pesadas, de longa maturação, exigem muito investimento e têm baixo retorno.
- Nos EUA, a maioria dos empregos e dos capitais se desconectou das atividades extrativistas há muitas décadas. Desse modo, registra-se menor peso econômico, populacional e eleitoral das populações dependentes de recursos naturais.
- Dificilmente o reinvestimento do lucro obtido com as atividades extrativistas ocorre no mesmo local de ocorrência dessa atividade. O nível inicial de investimento na atividade extrativista pode ser suficiente por décadas.
- Localização "aleatória" dos depósitos de recursos naturais. Tendência: localizar-se fora dos eixos dominantes das economias urbano-industriais. Critérios de localização das economias urbano-industriais: proximidade de clientes; fornecedores e empreendimentos correlatos; disponibilidade de energia, comunicações e transportes; concentração de trabalhadores qualificados; proximidade às sedes dos órgãos governamentais; acesso a subsídios e incentivos fiscais; disponibilidade de bons serviços governamentais de educação, segurança, saúde; qualidade de vida. As empresas extrativistas não podem se dar ao luxo de escolher a sua localização com base nesses critérios.
- Diferenciais de poder. As empresas extrativistas exercem grande poder sobre as comunidades dependentes de recursos naturais. Assim, é ilusório acreditar no controle comunitário sobre tais empreendimentos. A interação entre comunidades dependentes de recursos naturais e grandes empresas extrativistas é do tipo "one shotter X repeat player".
- Ciclo vicioso. Para atrair empresas extrativistas, os governos deferem incentivos fiscais, direitos trabalhistas flexíveis, serviços públicos subsidiados. Ocorre que, ao invés de trazer desenvolvimento, a situação excepcional inicial tende a ser perpetuar, prejudicando a comunidade dependente de recursos naturais. Quanto mais concessões, mais dependência. Esse é o drama das "company towns", cidades dependentes de uma ou poucas empresas.
- O fato de haver indústrias transformadoras ligadas às empresas extrativistas não garante o desenvolvimento da economia local. Para haver desenvolvimento, importaria menos a ocorrência de conexões produtivas que a natureza dessas conexões. Citação: "Mesmo uma prosperidade durável baseada em conexões dependentes de uma única commodity pode representar nada mais que um longo prólogo à depressão ou à decadência depois que esse bem sofrer abalos no mercado". Pp. 20.
FREUDENBURG & GRAMLING concluem, num tom acautelador, recomendando "...um ceticismo
prudente em relação a qualquer tendência de equacionar extração de recursos naturais
com prosperidade e desenvolvimento".
CONCLUSÃO
** Ao contrário do que é consagrado pelo senso comum, existem motivos para acreditar que a abundância de recursos naturais em uma localidade ou em um país se associa ao subdesenvolvimento ou a um nível mais baixo de prosperidade e de dinamismo.
** Uma base de recursos naturais é desejável para qualquer economia. Entretanto, atividades extrativistas ou agropastoris têm outputs limitados em comparação com os sistemas industriais, comerciais e de serviços.