Centro
Universitário de Brasília – Uniceub
Pós Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais,
Ambiental e do Consumidor
Professora Lilian Rose Rocha
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura:
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para uma
concepção multicultural dos Direitos Humanos”. Contexto internacional. Rio de Janeiro, volume 23, nº 01,
janeiro/junho 2001, pp. 07-34. Texto disponível no link http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Concepcao_multicultural_direitos_humanos_RCCS48.PDF.
Consulta em 03/10/2013, às 19:03 horas.
· Nos últimos anos, as
forças progressistas adotaram o discurso da defesa dos direitos humanos. Ao longo
de várias décadas, essas ideias eram suspeitas: as esquerdas preferiam a
linguagem do socialismo e da revolução à linguagem dos direitos humanos.
· Direitos humanos >>> Invocados para preencher o vazio
deixado pelo colapso do projeto socialista. Essa tarefa só poderá ser alcançada,
entretanto, se cumpridas algumas condições.
· Tensões dialéticas em
que os direitos humanos estão envolvidos, neste fim de século:
a)
Emancipação
versus regulação
b)
Estado
versus Sociedade Civil
c)
Estado-Nação
versus Globalização
Acerca das
globalizações
· Globalização >>>
A literatura privilegia o aspecto econômico para definir “globalização” como a
nova economia mundial que emergiu nas últimas duas décadas em consequência da intensificação
vertiginosa da transnacionalização da produção de bens e serviços.
· O autor, por sua vez,
entende que não há “uma globalização”, mas “globalizações”, isto é, feixes de relações
sociais complexos e transnacionais.
· Enquanto feixe de
relações sociais, as globalizações envolvem vencedores e vencidos. Os
vencedores são aqueles que estendem sua influência a todo o globo; os vencidos são
os locais, os exóticos, os particulares.
“[...]
perante as condições do sistema-mundo ocidental, não existe globalização
genuína; aquilo a que chamamos globalização é sempre a globalização bem-sucedida
de determinado localismo. Em outras palavras, não existe condição global para a
qual não consigamos encontrar uma raiz local, uma imersão cultural específica”.
Pp.
11.
· Aos globalismos correspondem os localismos.
São duas faces da mesma moeda.
a)
Localismo globalizado
>>> Processo por meio do qual uma
característica particular é globalizada. Exemplos: fast food, língua inglesa como língua franca, adoção mundial das
leis de propriedade intelectual norte-americanas.
b)
Globalismo localizado
>>> Impacto de práticas e imperativos
transnacionais na realidade local. Exemplos: zonas francas, uso turístico de
tesouros históricos, artísticos, ecológicos ou de cerimônias religiosas,
dumping ecológico (aquisição de lixo por países subdesenvolvidos).
“A divisão
internacional da produção da globalização assume o seguinte padrão: os países
centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países
periféricos cabe tão-somente a escolha dos globalismos localizados”. Pp.
13.
c)
Cosmopolitismo >>> Organização transnacional de classes,
Estados-Nação, regiões e grupos sociais subordinados, na defesa de interesses
percebidos como comuns. Exemplos: Federações Internacionais de Trabalhadores,
atividades filantrópicas internacionais Norte-Sul, redes internacionais de assistência
jurídica alternativa, organizações internacionais de direitos humanos, redes
internacionais de organizações ecológicas, entre outros.
d)
Preocupações com o patrimônio
comum da humanidade >>> Envolve temas que só
fazem sentido quando reportados ao Globo Terrestre, na sua totalidade: preservação
das florestas tropicais, integridade da Antártida, exploração do espaço
sideral, entre outros. Trata-se de recursos que devem ser geridos por
fideicomissos dos organismos internacionais em prol das gerações presentes e
futuras.
Globalização-de-cima-para-baixo
Globalização hegemônica
Localismo globalizado e globalismo localizado
Cosmopolitismo e preocupação com o patrimônio comum da humanidade
Os direitos humanos
enquanto guião emancipatório
· Os direitos humanos
podem ser concebidos, quer como globalização hegemônica (Localismo Globalizado),
quer como globalização contra hegemônica (Cosmopolitismo). Daí a sua
complexidade.
· Tese do autor >>>
a) Enquanto forem
concebidos como direitos humanos universais, tenderão a operar como localismo
globalizado, como globalização hegemônica, como arma do Ocidente contra o resto
do mundo (“The West against the rest”).
A sua abrangência universal será obtida ao custo da sua legitimidade local.
b) Para poderem atuar
como globalização contra hegemônica, isto é, como
globalização-de-baixo-para-cima, os direitos humanos têm de ser ressignificados
como multiculturais. O multiculturalismo seria uma instância intermediária, uma
precondição para uma relação equilibrada e mutuamente potencializadora entre a
competência global e a legitimidade local.
· O conceito de
direitos humanos é eminentemente ocidental, motivo pelo qual a discussão acerca
de sua universalidade é bastante vazia. Seus pressupostos são tipicamente
ocidentais, claramente distinguíveis de outras concepções de dignidade humana
de outras culturas.
· De acordo com os
pressupostos de fundação ou de reconhecimento dos direitos humanos:
a)
Existe
uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente;
b)
A
natureza humana é essencialmente diferente e superior à realidade restante;
c)
O
indivíduo possui uma dignidade essencial e irredutível que deve ser defendida
do Estado e da Sociedade;
d)
A
autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não-hierárquica,
como soma de indivíduos livres.
· História dos Direitos
Humanos após a Segunda Guerra Mundial >>> Os direitos humanos estiveram a
serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados capitalistas ocidentais
hegemônicos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948:
a)
Foi
elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo;
b)
Não
contemplou outros direitos além dos individuais (à exceção do direito à
autodeterminação dos povos, que foi claramente violado pelo colonialismo
europeu);
c)
Conferiu
prioridade absoluta dos direitos civis e políticos sobre os direitos sociais,
culturais e econômicos;
d)
Reconheceu
a propriedade privada como único direito econômico.
“[...].
Nesse domínio, a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo
consiste em transformar a conceitualização e prática dos direitos humanos de um
localismo globalizado em um projeto cosmopolita”. Pp. 18.
· Premissas da
transformação dos direitos humanos, de localismo globalizado em projeto
cosmopolita >>>
a)
Superação
do debate entre universalismo e relativismo cultural. Debate intrinsecamente falso,
cujas polaridades são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória
dos direitos humanos. Contra o universalismo, há que se propor diálogos
interculturais acerca de preocupações semelhantes. Contra o relativismo, há que
se desenvolver critérios para distinguir política progressista de política
conservadora; capacitação e desarme; emancipação e regulação.
b)
Superação
da noção de dignidade humana necessariamente atrelada à noção de direitos
humanos. Todas as culturas possuem alguma noção de dignidade humana, mas nem
todas adotam a ótica dos direitos para compreendê-la. Cabe, então, investigar
as preocupações comuns, escondidas sob denominações ou conceitos distintos.
c)
Superação
da ideia de que a nossa cultura tem mais informações que as demais acerca da dignidade
humana. Todas as culturas são incompletas e problemáticas no que toca à noção
de dignidade humana. Cabe aumentar a consciência acerca da incompletude dessa
noção de dignidade humana em sua própria cultura. Assim, há espaço para a concepção
multicultural de diretos humanos.
d)
As
culturas possuem noções diferentes do que vem a ser a dignidade humana, algumas
mais amplas do que outras.
e)
Todas
as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois
princípios competitivos de pertença hierárquica: o princípio da igualdade e o
princípio da diferença.
A hermenêutica
diatópica
· Diálogo intercultural
>>>
Troca de saberes, troca de culturas, troca de universos de sentido.
· Universos de sentido >>>
Constelação de topoi fortes, isto é,
de “lugares comuns”, premissas argumentativas, retóricas e abrangentes a partir
das quais se formam as “evidências” assumidas pelos indivíduos de determinada
cultura.
· Topoi fortes tornam-se vulneráveis quando deslocados para uma
cultura diferente. Compreender uma cultura a partir dos topoi de outra pode ser bastante difícil ou mesmo impossível.
“A
hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura,
por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que
pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez
que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objetivo
da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude — um objetivo
inatingível — e sim ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua
através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura
e outro, noutra”. Pp. 21.
· Exemplo de hermenêutica diatópica >>> A partir do topos do dharma, por exemplo, a noção de “direitos humanos” é muito restrita,
tendo em vista que só se centram nos direitos, uma consequência, ao invés de se
centrarem no imperativo primordial, segundo o qual os indivíduos devem procurar
seu lugar na ordem geral da sociedade e do cosmos. Por outro lado, visto sob o topos dos direitos humanos, o dharma também é incompleto, já que,
preocupado com a harmonia, acaba por ocultar ou por sufocar o conflito, que
poderia ser um caminho para uma harmonia mais rica.
“O
reconhecimento de incompletudes múltiplas é condição sine
qua non para um diálogo intercultural”.
Pp. 23.
· O caráter
emancipatório da hermenêutica diatópica não está garantido a priori e o multiculturalismo pode se revelar mais um rótulo da
política reacionária (exemplo: Primeiro Ministro da Malásia e Gerontocracia
Chinesa). Requisitos para prevenir essa perversão:
a)
Das
diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida a que representa o
círculo mais amplo de reciprocidade, a versão que vai mais longe no reconhecimento
do outro.
b)
Dado
que todas as culturas tendem a dividir as pessoas entre iguais e diferentes: as
pessoas e os grupos devem ter direito de ser iguais quando a diferença os
inferioriza; devem ter direito de ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza. Pp. 28.
Conclusão
· Compete à
hermenêutica diatópica transformar os direitos humanos em uma política
cosmopolita que conecte as aspirações locais por emancipação, tornando-as
mutuamente inteligíveis e traduzíveis.
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