quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Esquema de leitura: "Para uma concepção multicultural dos direitos humanos", de Boaventura de Sousa Santos.

Centro Universitário de Brasília – Uniceub
Pós Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Professora Lilian Rose Rocha
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura:
SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para uma concepção multicultural dos Direitos Humanos”. Contexto internacional. Rio de Janeiro, volume 23, nº 01, janeiro/junho 2001, pp. 07-34. Texto disponível no link http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Concepcao_multicultural_direitos_humanos_RCCS48.PDF. Consulta em 03/10/2013, às 19:03 horas.
 
 
· Nos últimos anos, as forças progressistas adotaram o discurso da defesa dos direitos humanos. Ao longo de várias décadas, essas ideias eram suspeitas: as esquerdas preferiam a linguagem do socialismo e da revolução à linguagem dos direitos humanos.
· Direitos humanos >>> Invocados para preencher o vazio deixado pelo colapso do projeto socialista. Essa tarefa só poderá ser alcançada, entretanto, se cumpridas algumas condições.
· Tensões dialéticas em que os direitos humanos estão envolvidos, neste fim de século:
a)    Emancipação versus regulação
b)    Estado versus Sociedade Civil
c)    Estado-Nação versus Globalização
 
Acerca das globalizações
· Globalização >>> A literatura privilegia o aspecto econômico para definir “globalização” como a nova economia mundial que emergiu nas últimas duas décadas em consequência da intensificação vertiginosa da transnacionalização da produção de bens e serviços.
· O autor, por sua vez, entende que não há “uma globalização”, mas “globalizações”, isto é, feixes de relações sociais complexos e transnacionais.
· Enquanto feixe de relações sociais, as globalizações envolvem vencedores e vencidos. Os vencedores são aqueles que estendem sua influência a todo o globo; os vencidos são os locais, os exóticos, os particulares. 
“[...] perante as condições do sistema-mundo ocidental, não existe globalização genuína; aquilo a que chamamos globalização é sempre a globalização bem-sucedida de determinado localismo. Em outras palavras, não existe condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local, uma imersão cultural específica”. Pp. 11.
·  Aos globalismos correspondem os localismos. São duas faces da mesma moeda.
a)    Localismo globalizado >>> Processo por meio do qual uma característica particular é globalizada. Exemplos: fast food, língua inglesa como língua franca, adoção mundial das leis de propriedade intelectual norte-americanas.
b)    Globalismo localizado >>> Impacto de práticas e imperativos transnacionais na realidade local. Exemplos: zonas francas, uso turístico de tesouros históricos, artísticos, ecológicos ou de cerimônias religiosas, dumping ecológico (aquisição de lixo por países subdesenvolvidos). 
“A divisão internacional da produção da globalização assume o seguinte padrão: os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos cabe tão-somente a escolha dos globalismos localizados”. Pp. 13.
 
c)    Cosmopolitismo >>> Organização transnacional de classes, Estados-Nação, regiões e grupos sociais subordinados, na defesa de interesses percebidos como comuns. Exemplos: Federações Internacionais de Trabalhadores, atividades filantrópicas internacionais Norte-Sul, redes internacionais de assistência jurídica alternativa, organizações internacionais de direitos humanos, redes internacionais de organizações ecológicas, entre outros.
d)    Preocupações com o patrimônio comum da humanidade >>> Envolve temas que só fazem sentido quando reportados ao Globo Terrestre, na sua totalidade: preservação das florestas tropicais, integridade da Antártida, exploração do espaço sideral, entre outros. Trata-se de recursos que devem ser geridos por fideicomissos dos organismos internacionais em prol das gerações presentes e futuras. 
 
 
 
Globalização-de-cima-para-baixo
Globalização hegemônica
Localismo globalizado e globalismo localizado
 
 
X
 
 
Globalização-de-baixo-para-cima
 Globalização contra hegemônica
Cosmopolitismo e preocupação com o patrimônio comum da humanidade
 
 
 
Os direitos humanos enquanto guião emancipatório
· Os direitos humanos podem ser concebidos, quer como globalização hegemônica (Localismo Globalizado), quer como globalização contra hegemônica (Cosmopolitismo). Daí a sua complexidade.
· Tese do autor >>>
a)    Enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, tenderão a operar como localismo globalizado, como globalização hegemônica, como arma do Ocidente contra o resto do mundo (“The West against the rest”). A sua abrangência universal será obtida ao custo da sua legitimidade local.
b)   Para poderem atuar como globalização contra hegemônica, isto é, como globalização-de-baixo-para-cima, os direitos humanos têm de ser ressignificados como multiculturais. O multiculturalismo seria uma instância intermediária, uma precondição para uma relação equilibrada e mutuamente potencializadora entre a competência global e a legitimidade local.
· O conceito de direitos humanos é eminentemente ocidental, motivo pelo qual a discussão acerca de sua universalidade é bastante vazia. Seus pressupostos são tipicamente ocidentais, claramente distinguíveis de outras concepções de dignidade humana de outras culturas.
· De acordo com os pressupostos de fundação ou de reconhecimento dos direitos humanos:
a)    Existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente;
b)    A natureza humana é essencialmente diferente e superior à realidade restante;
c)    O indivíduo possui uma dignidade essencial e irredutível que deve ser defendida do Estado e da Sociedade;
d)    A autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não-hierárquica, como soma de indivíduos livres.
· História dos Direitos Humanos após a Segunda Guerra Mundial >>> Os direitos humanos estiveram a serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados capitalistas ocidentais hegemônicos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948:
a)    Foi elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo;
b)    Não contemplou outros direitos além dos individuais (à exceção do direito à autodeterminação dos povos, que foi claramente violado pelo colonialismo europeu);
c)    Conferiu prioridade absoluta dos direitos civis e políticos sobre os direitos sociais, culturais e econômicos;
d)    Reconheceu a propriedade privada como único direito econômico. 
“[...]. Nesse domínio, a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste em transformar a conceitualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado em um projeto cosmopolita”. Pp. 18.
· Premissas da transformação dos direitos humanos, de localismo globalizado em projeto cosmopolita >>>
a)    Superação do debate entre universalismo e relativismo cultural. Debate intrinsecamente falso, cujas polaridades são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória dos direitos humanos. Contra o universalismo, há que se propor diálogos interculturais acerca de preocupações semelhantes. Contra o relativismo, há que se desenvolver critérios para distinguir política progressista de política conservadora; capacitação e desarme; emancipação e regulação.
b)    Superação da noção de dignidade humana necessariamente atrelada à noção de direitos humanos. Todas as culturas possuem alguma noção de dignidade humana, mas nem todas adotam a ótica dos direitos para compreendê-la. Cabe, então, investigar as preocupações comuns, escondidas sob denominações ou conceitos distintos.
c)    Superação da ideia de que a nossa cultura tem mais informações que as demais acerca da dignidade humana. Todas as culturas são incompletas e problemáticas no que toca à noção de dignidade humana. Cabe aumentar a consciência acerca da incompletude dessa noção de dignidade humana em sua própria cultura. Assim, há espaço para a concepção multicultural de diretos humanos.
d)    As culturas possuem noções diferentes do que vem a ser a dignidade humana, algumas mais amplas do que outras.
e)    Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica: o princípio da igualdade e o princípio da diferença.
 
A hermenêutica diatópica
· Diálogo intercultural >>> Troca de saberes, troca de culturas, troca de universos de sentido.
· Universos de sentido >>> Constelação de topoi fortes, isto é, de “lugares comuns”, premissas argumentativas, retóricas e abrangentes a partir das quais se formam as “evidências” assumidas pelos indivíduos de determinada cultura.
· Topoi fortes tornam-se vulneráveis quando deslocados para uma cultura diferente. Compreender uma cultura a partir dos topoi de outra pode ser bastante difícil ou mesmo impossível.
“A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude — um objetivo inatingível — e sim ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra”. Pp. 21.
· Exemplo de hermenêutica diatópica >>> A partir do topos do dharma, por exemplo, a noção de “direitos humanos” é muito restrita, tendo em vista que só se centram nos direitos, uma consequência, ao invés de se centrarem no imperativo primordial, segundo o qual os indivíduos devem procurar seu lugar na ordem geral da sociedade e do cosmos. Por outro lado, visto sob o topos dos direitos humanos, o dharma também é incompleto, já que, preocupado com a harmonia, acaba por ocultar ou por sufocar o conflito, que poderia ser um caminho para uma harmonia mais rica.   
“O reconhecimento de incompletudes múltiplas é condição sine qua non para um diálogo intercultural”. Pp. 23.
· O caráter emancipatório da hermenêutica diatópica não está garantido a priori e o multiculturalismo pode se revelar mais um rótulo da política reacionária (exemplo: Primeiro Ministro da Malásia e Gerontocracia Chinesa). Requisitos para prevenir essa perversão:
a)    Das diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida a que representa o círculo mais amplo de reciprocidade, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro.
b)    Dado que todas as culturas tendem a dividir as pessoas entre iguais e diferentes: as pessoas e os grupos devem ter direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza; devem ter direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Pp. 28.
 
Conclusão
· Compete à hermenêutica diatópica transformar os direitos humanos em uma política cosmopolita que conecte as aspirações locais por emancipação, tornando-as mutuamente inteligíveis e traduzíveis.

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