Centro Universitário de Brasília – Uniceub
Pós Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Professora Lilian Rose Rocha
Discente: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos humanos: coisa de polícia. Gráfica Editora Berthier, Passo Fundo/RS, 2003.
Introdução
· Nos últimos vinte anos, o Brasil se tornou uma democracia. Uma democracia ainda cheia de falhas, mas ainda assim muito melhor que a melhor das ditaduras.
· Tal como o Estado, a polícia brasileira passou e tem passado por diversas transformações. Ela é a polícia que busca proteger os direitos. Não obstante, ainda persistem os traços da polícia arbitrária herdada do período autoritário.
· Comunidade de direitos humanos >>> Denúncias de práticas arbitrárias da polícia. Essas denúncias não devem ser interpretadas como óbices, mas como apoio para o aperfeiçoamento da atividade policial. Mas essa não deve ser a única atribuição da comunidade defensora dos direitos humanos.
· Se a polícia tem legitimidade para eliminar vidas, também tem legitimidade para negociar vidas. Daí surge o mecanismo espúrio de associação entre a polícia e o crime organizado (Luiz Eduardo Soares).
· Só há como construir uma nova ordem democrática com a ativa participação, com o engajamento da polícia.
Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos
· Durante muitos anos“direitos humanos” era um tema visto como antagônico ao tema "segurança pública”. Seus militantes eram tratados como defensores de bandidos.
· Cisão entre sociedade e polícia (principalmente durante o período autoritário). A atividade policial passou a ser encarada como necessariamente violenta, necessariamente truculenta.
Os“Direitos Humanos” como militância, na outra ponta, passaram a ser visto como ideologicamente imbricados à esquerda, durante toda a vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real” eram vistos como uma arma retórica e organizacional do capitalismo). Pp. 21.
· Necessária rearticulação entre movimentos defensores de direitos humanos e instituições de segurança pública.
· Ponderações >>>
a) Cidadania, dimensão primeira > O policial é, antes de tudo, um cidadão. Irmana-se aos demais integrantes da sociedade em termos de direitos e deveres. Não há que se falar, portanto, em uma “sociedade civil” que se oponha à “sociedade policial”. A ideologia que sustenta essa cisão tem origem na Guerra Fria e nos Anos de Chumbo (combate ao “inimigo interno”).
b) Cidadão qualificado pelo serviço > O operador da segurança pública carrega a singular permissão para o uso da força e das armas do Estado, no âmbito da lei.
c) Pedagogo da cidadania> Exerce impacto sobre a vida de indivíduos e comunidades. Seus atos são observados pelos demais cidadãos. Seus exemplos são assimilados.
d) Importância da autoestima pessoal e institucional > O reconhecimento da função pedagógica das instituições de segurança pública é o caminho mais eficiente para recuperar a autoestima dos seus profissionais. “Sentido existencial”, ressignificação da importância social da polícia.
e) Polícia como“superego social”> A função pedagógica da polícia não a exime de intervir preventivamente, no quotidiano, e repressivamente, quando em momentos de crise. Tem a atribuição de conter a sociopatia, presente em qualquer sociedade, independentemente da ideologia que a governe. Atua, dessa forma, como espécie de grande superego social.
Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, por nossos direitos de irmos e virmos, de não sermos molestados, de não sermos saqueados, de termos respeitadas nossas integridades físicas e morais, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser garantidos à imensa maioria de cidadãos honestos e trabalhadores.
Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força, quando necessária.Pp. 26.
f) Rigor versus Violência > O uso legítimo da força não se confunde com truculência. “A fronteira entre a força e a truculência é delimitada, no campo formal, pela lei, no campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve reger o modus operandi de policiais e criminosos”. Pp. 27. A polícia pode ser violenta e, desde que necessário, até bastante violenta. Mas não o pode ser indiscriminadamente. 27.
g) Policial versus Criminoso: metodologias antagônicas > Mesmo quando reprime, mesmo quando usa a violência, a polícia está exercendo uma função pedagógica. É que seus métodos se diferenciam dos métodos dos criminosos. Para isso, o policial deve agir como o “mocinho” da história, com firmeza e moralidade retas.
Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais, hediondo com os que praticam atos hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para fazer o mesmo, à partir de seu inevitável patamar de visibilidade moral.
É preciso cuidar com os chamados “paradoxos pedagógicos”: não se ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para o valor da vida violando ou matando quem quer que seja.
Quem bate ensina que é permitido bater, quem sequestra ensina que é permitido sequestrar, quem tortura ensina que é permitido torturar, quem mata ensina que é permitido matar. Pp. 28.
h) A “visibilidade moral da polícia”: importância do exemplo > Dimensão testemunhal, pedagógica e inescusável carregada pelo policial. Intervenção em momentos críticos. Responsabilidade “paternal” sobre a comunidade (que não se confunde com responsabilidade “paternalista”).
Como dissemos acima, não há exceção ao tratamento de princípios, mesmo quando está em questão a prisão, guarda e condução de malfeitores.
Se o policial é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade com os maus procedimentos que combate. PP. 30.
A perspectiva não é a de que afastar policiais das práticas violentas labore em defesa dos bandidos, mas que em defesa da incolumidade moral dos próprios policiais.
i) Ética corporativa versus Ética cidadã > A consciência da relevância simbólica da polícia obriga o policial a abdicar qualquer lógica corporativista. Identificar-se com a polícia, amar o seu trabalho e as instituições a que pertence não se confunde com acobertar condutas criminosas perpetradas por outros colegas. Ao contrário, profissionais comprometidos com a sua instituição devem estar engajados no expurgo dos torturadores, dos corruptos e dos psicopatas infiltrados.
Ética da Corporação (corporativismo, nega qualquer possibilidade ética)
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Ética da Cidadania (voltada à missão da polícia, que deve estar comprometida com o destinatário final de seus serviços: o cidadão).
j) Critérios de seleção, permanência e acompanhamento > Preocupação constante, já que psicopatas preferem profissões de poder, que lhes permitem exercer poder sobre outros sem culpa (Forças Armadas, Comunicação Social, Medicina, Magistério, Polícia, Política Profissional e Direito). Os critérios de seleção devem estar sempre voltados à eliminação desse tipo de candidato. Da mesma forma, é imprescindível que se proceda ao acompanhamento psicológico de profissionais da ativa.
Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos, são as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm e pelo poder que representam. Pp. 32.
k) Direitos humanos dos policiais — humilhação versus hierarquia > Há que se fazer distinção clara entre hierarquia e submissão perversa. Policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre os cidadãos. Escolas e academias de polícia em todo o Brasil tratam os recém-ingressos como soldados a serem preparados para a guerra de guerrilhas. Contaminação das polícias pela ideologia militar. Submissão intencional a violento estresse psicológico para que o policial acabe por descontar sua “raiva” sobre o “inimigo” (o cidadão?). Hierarquia não pode se basear no medo e na humilhação dos comandados, mas na legitimidade dos líderes, o que demanda respeito às leis, admiração e respeito.
l) Necessidade de hierarquia> Inexistência de hierarquia também é um mal: desordem e descaso com o sistema policial. Lei Orgânica Nacional para a Polícia Civil.
m) Formação dos policiais > Deve privilegiar a formação de um senso moral, as humanidades e a tecnologia como contrapontos à força bruta. Revisão dos conteúdos relevantes. Intervenção das academias de polícia, seja junto aos recém-ingressos, seja junto aos policiais que já estão na ativa.
Da polícia comunitária ao sistema interativo de segurança pública: uma breve análise do quadro nacional, de seus limites e possibilidades.
· A sociedade brasileira tem demandado alternativas e ações do Poder Público para conter a onda de violência a que vem sendo submetida. Ampla discussão acerca do perfil desejado do policial.
· A CF/88 define cinco instituições policiais >>>Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Militar Estadual, Corpos de Bombeiros Militares, Polícias Civis Estaduais.
· Efetivo em 2001 >>>Quase 500 mil homens e mulheres integram as diversas polícias brasileiras.
· Condições de trabalho e salários aviltantes, salvo raras exceções. Miséria econômica, cultural e psíquica da base da categoria. Polícias divididas, rivais. Como solucionar esse problema?
a) Divisão das polícias. A divisão das polícias não é apenas funcional, mas cultural, corporativa e doutrinária. Não há diálogos entre elas. Sabotagens recíprocas. Unificar as polícias por decreto não funciona, ao contrário, corre-se o risco de criar subculturas ainda mais resistentes. Sugestão: cursos de formação e de aperfeiçoamento integrativos, proximidade das instalações físicas.
b) Fragmentação das polícias civis. A polícia civil constitui uma instituição de caráter fragmentário, descentralizado, de difícil controle, de difícil arregimentação e resistente à criação de foros institucionais que transcendam a sua personificação. Dificuldade em conformar um perfil unitário e institucional centrado em normas impessoais e justas de uma instituição democrática.
c) Pesada herança da polícia militar. A polícia militar tem forte presença institucional no Brasil, cadeia de comando bem definida e normas internas bastante claras (diferentemente do que ocorre com a polícia civil). Excessivamente impessoais, totemizam as regras e reproduzem a ideologia aprendida durante o período militar (a de que estamos em uma espécie de guerra não declarada e de que os policiais saem às ruas para enfrentar inimigos). Perniciosa confusão entre hierarquia e humilhação. Bloqueio da interatividade com os cidadãos. Proposta: desmilitarização da ideologia das PMs, com a assunção da doutrina do serviço público, com foco na proteção dos direitos dos cidadãos, e o consequente abandono da ideologia da guerra não declarada. Não é necessário abdicar da “estética” militar, eficaz quando se trata de uma polícia que atua de maneira ostensivo-preventiva.
d) Mudança ou transformação?Para Paulo Freire, “mudança” implica necessária correção de conjuntura, implica ajustes; “transformação”, por sua vez, implica novidade, nova realidade, novo conteúdo. As instituições policiais brasileiras demandam transformação, demandam a construção de uma nova cultura. Passo importante para essa transformação: modelo de polícia comunitária, que resgata a interatividade entre instituições policiais e cidadãos.
e) De que polícia comunitária estamos falando? Polícia comunitária não é sinônimo de “polícia sustentada pela comunidade”. Esse papel é do Estado, até porque “quem paga, manda”. O foco é a confiabilidade e a interatividade da sociedade com a polícia.
f) Interatividade com o público interno e com o público externo; com as demais corporações policiais; com as organizações governamentais e não governamentais não policiais, com as universidades >>>norte para a construção de um modelo democrático de polícia.
Qualificar o processo qualificando a pessoa: algumas contribuições às reflexões sobre capacitação de operadores policiais
· Queixa generalizada acerca da dificuldade em formar profissionais do sistema de segurança pública.
· Diante dos baixos salários e das más condições de trabalho, há na polícia >>>
a) Profissionais vocacionados. Ao longo do tempo, diante dos ataques do grupo dos “não vocacionados” e das dificuldades do quotidiano, esse grupo tende a “perder o fôlego”.
b) Profissionais não vocacionados, preocupados unicamente com a própria sobrevivência, com o próprio salário, mais suscetíveis à corrupção e às práticas inescrupulosas.
· Estratégias educativas >>>
a) Empatia. Formação de vínculos afetivos. As capacitações, em geral, focam-se no conteúdo, no tecnicismo, não nos profissionais.
b) Trabalhar com conteúdos e demandas imediatas e mediatas, do aluno como pessoa, não apenas como operador do sistema. Ao pensar-se, abrirá espaço para pensar o outro.
c) “Momentos fortes” de reflexão, intercalado de leituras, práticas, avaliações e reencontros.
d) Estratégia“top down”. Iniciar a formação pelos diretores e gerentes para, posteriormente, treinar a base. Assim, se angaria apoio institucional.
e) Evitar o “trabalho de massa”, tão caro aos governos que apreciam números. Mais importante é formar multiplicadores.
f) Metodologia participativa. O instrutor não pode ser um mero expositor.
g) Encadeamento dos conteúdos e das etapas.
h) As temáticas devem privilegiar o sujeito participante. Podem abordar questões de natureza psicológica, filosófico-existenciais, psicanalíticas, psicolinguísticas, psicossociais, axiológicas, sociológicas, técnico-científicas, sobre o cotidiano dos policiais, sobre os projetos de vida e projetos institucionais.
i) Promover eventos e dinâmicas para a integração dos participantes. Os momentos formativos não constituem apenas fortes momentos de aprofundamento temático, mas fortes momentos de convivência.
Violência urbana, direitos humanos e protagonismo policial.
· Não é suficiente apenas que a polícia respeite os direitos humanos, mas que ela também os promova.
· A polícia não é a única instituição que deve promover os direitos humanos, mas ela só tem controle sobre si mesma, sobre seus próprios princípios e atos.
· Organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos e instituições policiais não são necessariamente antagônicas. ONGs fazem denúncias. E elas precisam ser feitas, de modo a garantir a integridade democrática do sistema denunciado, in casu, o sistema de segurança pública.
· Além de denúncias, as ONGs devem ser chamadas a apresentar soluções.
· ONGs não são tolerantes com criminalidade e banditismo. Não devem ser confundidas com “defensoras de bandidos”. Sabem que impunidade gera caos social. Não obstante, isso não justifica que o Estado se comporte com os bandidos como se bandido fosse. O Estado deve ser exemplar.
Os países mais desenvolvidos são aqueles onde os cidadãos esperam menos pelo Estado, aqueles onde os cidadãos acreditam que, antes da força do Estado, (que, em geral, como vimos, é muito débil nas questões de real interesse social) esta a sua própria força realizadora. Ao resultado, ele chama “redes de engajamento cívico”. Pp. 92.
· O Brasil não é pobre. É injusto. E para que seja menos injusto, faz-se necessário que os cidadãos participem de sua estrutura, que se engajem. O comodismo do paternalismo estatal não consegue elevar os graus de desenvolvimento.
· Cidadania não se resume a voto. É indispensável que os brasileiros assumam as rédeas de suas vidas, que participem da vida pública. E essa participação deve ser incondicional, trata-se de não apenas uma obrigação cívica, mas uma necessidade existencial. Não há democracia sem voto. Mas também não há democracia sem participação.
· A transformação da sociedade brasileira passa pela educação. Mas educação não acontece apenas nas escolas. Professores são educadores. Mas também o são os médicos, os policiais, os políticos, os advogados, os magistrados, os jornalistas >>> Força do exemplo.
· A polícia é uma instituição criada pela sociedade para sua autodisciplina, para a autolimitação dos elementos caóticos que lhe são típicos. Trata-se de uma espécie de “superego social”. Em uma sociedade de massas, é impossível que o controle social e a garantia das liberdades individuais ocorram sem ela.
O policial é o defensor número um dos direitos humanos
· A ideologia das Forças Armadas não é compatível com a finalidade das polícias. Se as Forças Armadas existem para combater inimigos externos, as polícias existem para proteger os cidadãos. As polícias — inclusive a polícia militar — não estão submetidas verticalmente às Forças Armadas.
· Desmilitarização da polícia >>>Panaceia. A transformação da instituição não ocorrerá por simples decreto de unificação. Ademais, a ideologia da guerra interna contaminou todas as polícias (civil, militar, federal), não apenas as polícias militares.
· Violência policial >>>Reflexo da violência social. A sociedade nomeia os policiais como seus “carrascos”,exige que promovam vingança e, depois, se afasta desses “carrascos” diante de seu trabalho sujo e contaminante. Espera-se que o policial tenha um perfil antagônico ao do criminoso. Os seus métodos devem ser opostos.
· Ditadura militar >>> Arruinou a imagem das instituições policiais, já que permitiu que psicopatas tivessem acesso ao poder.
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