quinta-feira, 21 de julho de 2016

Esquema de Leitura: Ribeiro, Gustavo. Ambientalismo e Desenvolvimento Sustentado. Nova ideologia do desenvolvimento.

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós-Graduação em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de Leitura: RIBEIRO, Gustavo Lins. Ambientalismo e Desenvolvimento Sustentado. Nova Ideologia do Desenvolvimento. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, n.34, 1991, p.59-101. Texto disponível em http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/111253/109518.


INTRODUÇÃO

** Desenvolvimento >>> Uma das noções mais inclusivas existentes no senso comum e na literatura especializada. Espécie de religião secular. A abrangência desta noção recobre desde direitos individuais, crescimento econômico, índices de felicidade, etc.

** A noção de desenvolvimento assume certo "caráter de miragem". Todos almejam o desenvolvimento, mas não sabem dizer ao certo o que ele é.
-- Banco Mundial, Bretton Woods, 1946. Estabelecimento de critérios objetivos para medir “desenvolvimento”. PIB e PNB.
** Liberalismo e Socialismo >>> Projetos igualmente herdeiros do iluminismo. Ambos defendem a velha noção de “progresso”.
-- No final do século XX, o deixa de constituir um discurso capaz de fornecer uma alternativa de mundo.
“Ambientalismo e pós-modernismo são dois discursos que entraram nesta arena e ganham poder dada a retirada relativa, tanto simbólica quanto concreta, do marxismo e do “socialismo real” como uma alternativa a visões clássicas de sistemas capitalistas de vida”. P. 64.
** Tom antiutópico das discussões sobre pós-modernidade.
-- Pós-modernidade: o presente, e não o futuro, é o momento das mudanças.
** Mas o ambientalismo joga o problema (e as saídas possíveis) para o futuro. 
“Sintetizando: no momento em que se assiste à perda da eficácia relativa de algumas das principais ideologias/utopias ancoradas no século XIX, vemos a penetração, por um lado, do pós-modernismo, um discurso antiutópico e afenso a categorias, interpretações e propostas totalizantes, e, por outro, do ambientalismo, este com características utópicas e totalizantes. Ao mesmo tempo, a importância do ambientalismo se traduz na sua transformação em movimentos sociais e na sua visível penetração nos sistemas de decisão contemporâneos. É, hoje, um interlocutor aceito pelos principais participantes do campo da discussão sobre desenvolvimento (Estados, agências multilaterais e bilaterais, empresários, organizações não governamentais, movimentos sociais). Nesta direção, interessa-me uma interpretação focada no ambientalismo enquanto uma ideologia/utopia, o que imediatamente nos coloca no plano do entendimento do papel e eficácia das representações em determinados momentos históricos.” P. 65.


BREVES CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS

** Ideologia X Utopia. Diferenciação apenas por razões analíticas. A primeira é orientada para o passado; a segunda, para o futuro.
-- Os sistemas ideacionais, internamente aos quais todas as ideologias e utopias se localizam, são o universo onde se desenrola uma luta por hegemonia tanto em termos de ideologias quanto de utopias
** Tal como ocorre com as ideologias, também as utopias possuem poder mobilizador e orientam interpretações, iniciativas, ações individuais e coletivas, projetos.


DESENVOLVIMENTO ENQUANTO UTOPIA INTEGRATIVA

** Utilizar a palavra “desenvolvimento” ao invés de “acumulação” ou “expansão” evita invocar diferenças de poder entre as unidades do sistema em termos econômicos, políticos ou militares. 

“Desenvolvimento” é um rótulo neutro.


** Desenvolvimento é um conceito herdeiro do conceito de “progresso”, que remonta até à Grécia Antiga, como ideia-matriz civilizacional.
-- “Progresso” vem associado à ideia de “decadência”. Retrata a humanidade no dilema entre crescer ou perecer. Crença de que o futuro será melhor que o presente, dados os novos inventos e melhoramentos criados pela humanidade. 
-- Espinha dorsal do desenvolvimentismo enquanto ideologia e utopia >>> redenção da humanidade por meio do aprimoramento científico e tecnológico.
** Discurso liberal (o autor fala em "discurso capitalista") x discurso socialista acerca do desenvolvimento:
“O discurso capitalista sobre desenvolvimento está centrado nas forças do mercado, uma entidade de poderes corretivos e regularizadores da ação dos agentes econômicos e cujos trabalhos recompensarão os indivíduos mais capazes, permitindo que eles, e por extensão a sociedade como um todo, progridam. Desenvolvimento é um objetivo a ser alcançado com o menor grau de intervenção do Estado. Se se permite que as forças livres do mercado interajam, "mão invisível” organizará os fatores de produção, trazendo mais bem-estar para todos. Aqui poder e acesso diferenciado a recursos naturais e humanos não são levados em consideração. Por outro lado, estes últimos fatores são considerados questões fundamentais na vertente socialista. As sociedades se dividem em classes que têm acessos diferentes aos meios de produção. O livre mercado é uma ilusão. As forças do mercado devem ser reguladas pelo Estado para se atingir justiça social. O desenvolvimento só pode existir através de um arranjo orquestrado de poder político e econômico que leve em consideração um objetivo redistributivo.” P. 69.
** Apesar de suas diferenças, tanto o liberalismo quanto o socialismo apostam no industrialismo, no crescimento econômico como forma de redenção.

** Ambientalismo >>>
-- Não possui um corpo central de categorias interpretativas. 
-- Apresenta-se como ideologia cega às contradições de classe. A relação “homem-natureza” é menos polêmica (e, portanto, mais neutra) que a relação “homem-homem”. Sucesso do movimento. 
-- Políticos de todos os matizes investem no discurso ambientalista.
“De um ponto de vista organizacional, o ambientalismo talvez seja uma das formas mais contemporâneas de movimento social, constantemente articulando burocracias centrais (uma sede nacional ou internacional), conhecimento científico de diferentes campos (ecologia, antropologia, biologia, engenharia agronômica, civil, física, etc.), redes de informação (redes de computadores, mailing lists nacionais e internacionais), lobby intenso de instituições políticas e econômicas, iniciativas legais, criação de eventos na mídia eletrônica, recrutamento de superstars e demonstrações massivas e simultâneas em vários países como forma de enfrentar a internacionalização da questão ambiental. 
De um ponto de vista ideológico, o ambientalismo internacional não é tão contemporâneo e algumas de suas versões podem ser consideradas conservadoras. Para Anna Bramwell (1989), o movimento ecológico tem lutado por visibilidade política desde o último quartel do século XIX. Na sua história, manteve relações diferentes com distintos movimentos políticos e sociais. Bramwell (1989), baseada em muitas evidências historiográficas, dá um grande destaque à relação ecologia / cultura além de ao espinhoso assunto da íntima relação entre o nazismo alemão e as ideias ecologistas [...]. Mais no presente, no ambientalismo americano, por exemplo, atuam diferentes organizações, dentre as quais algumas abertamente progressistas [...]. No entanto, não é muito comum, por motivos táticos ou não, se ler folder ou relatório anual de uma ONG internacional que estabeleça, clara e criticamente, os elos entre destruição ambiental e interpretações que levam em conta contradições de classe, a expansão da economia capitalista e o imperialismo”. 70/71.
** Países onde o ambientalismo seria mais proeminente: Grã Bretanha, Alemanha e EUA. Todos os países em questão possuem cultura liberal e protestante, além de uma forte e educada classe média.

** O ambientalismo ainda seria marcado pelos ideais típicos do universo romântico e encontraria no milenarismo protestante a sua noção de tempo.

** Contradição entre o conceito de “soberania” e o conceito de “meio ambiente global”. Segmentos nacionalistas substituíram “perigo vermelho” pelo “perigo verde”. Em 1990, um documento da ESG definia o ambientalismo como ameaça à soberania nacional. Não se trata de discurso vazio. As discussões entre países centrais e periféricos é mesmo assimétrica. Por outro lado, também é verdade que as questões ambientais não reconhecem fronteiras nacionais.


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: NÚCLEO DURO DA REFORMA UTOPISTA AMBIENTAL

** “Desenvolvimento sustentável” é um conceito que começou a circular apenas no final da década de 80, sobretudo quando o Relatório Nosso Futuro Comum, ou Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, foi entregue à Assembleia Geral da ONU em 31 de dezembro de 1987.

** Ponto de maior destaque na Rio 1992. Nova visão sobre o desenvolvimento. Ponto médio entre o progresso puro e simples e o “crescimento zero”.

** Economia política da sustentabilidade: superficial e ingênua. Desconsidera as tensões entre países centrais x periféricos, entre culturas hegemônicas e culturas dominadas. Na história da expansão capitalista, não houve espaço para peculiaridades autóctones que não se encaixassem no mercado. A globalização tende a acirrar essa tendência.
“A economia política que subjaz à discussão sobre sustentabilidade de um novo modelo de desenvolvimento é – propositadamente ou não, estrategicamente ou não – muito pouco elaborada, para não dizer ingênua ou omissa”. P. 77.
** Historicamente, a compatibilização entre crescimento econômico e preservação ambiental não se sustenta.

** A noção de “desenvolvimento sustentável” pressupõe planejamento centralizado das ações dos mais diversos atores sociais, compatibilizando interesses tão divergentes tais como “a busca de lucro do empresário, a lógica do mercado, a preservação da natureza e, quem sabe, até justiça social, já que a miséria é uma das maiores causas da degradação ambiental”. P. 79. 

** Isabel C. M. Carvalho afirma que >>>
"[...] para entender melhor a que veio e a quem atende o conceito de desenvolvimento sustentável é preciso fazer sua genealogia, reconstituindo as relações de força que o produziram. Sua matriz é o projeto desenvolvimentista liberal aplicado ao meio ambiente. Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, ficou claro que a preocupação dos organismos internacionais quanto ao meio ambiente era produzir uma estratégia de gesto desse ambiente, em escala mundial, que entendesse a sua preservação dentro de um projeto desenvolvimentista. Dentro dessa perspectiva produtivista, o que se queria preservar de fato era um modelo de acumulação das riquezas onde o patrimônio natural passava a ser um bem. O apelo à humanidade e ao bem-estar dos povos era usado como álibi, sempre citado ao lado dos objetivos de crescimento econômico, emprestando uma preocupação humanista a intenções não tão nobres" (Carvalho, 1991: 11). P. 80.

** Prova disso é que, no Relatório Brundtland, “crescimento econômico” não é apresentando como raiz de problemas e de contradições, mas como uma solução para o “nosso futuro comum”.
"Em uma conjuntura de crise dos grandes metarrelatos, utopias e ideologias relacionados com o Iluminismo, o fato de se referir a um metarrelato utópico e totalizante proporciona uma alta eficácia ao ambientalismo em geral e lhe permite constituir-se em campo de negociação política. Em outras palavras, e reforçando, a crise dos metarrelatos da modernidade com suas categorias transcendentais interpretativas e normativas, abre espaço para o desdobramento do ambientalismo como metarrelato da contemporaneidade, que resgata os sonhos do Iluminismo, da razão prática, de racionalidade via adequação dos meios aos fins últimos (planejamento e tecnologias bem articuladas produzem desenvolvimento sustentável) e os funde, em maior ou menor grau, na sua variabilidade de formulações, com uma razão contemplativa, histórica, romântica, que apela para a natureza como modelo de harmonia e possibilidade utópica de sobrevivência. Em síntese, entendo desenvolvimento sustentado como a noção central que articula e neutraliza interesses divergentes internamente ao campo político (in)formado pelo grande metarrelato utópico ambientalista”. P. 83/84.


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, SUA RECEPÇÃO NO MUNDO EMPRESARIAL

** O ambientalismo já se traduzia em impactos econômicos palpáveis. Suspensão dos financiamentos internacionais para os projetos hidrelétricos na Amazônia.

** Absorção, pelos “capitalistas esclarecidos”, das preocupações ambientais.

** Não há mudança essencial. Permanece idêntica a relação entre quem financia e quem é financiado; quem guia e quem é guiado. A grande mudança significativa seria o aperfeiçoamento ou a otimização do uso de recursos naturais, com a redução dos custos sociais da atividade econômica.

** Como Isabel C. M. Carvalho notou: 
[...] "O desenvolvimento sustentável reafirma o atual modelo de desenvolvimento, aperfeiçoando-o, na medida em que propõe um melhor manejo de seus custos sociais e ambientais. O fato de advogar uma sociedade mais produtiva com um menor custo sócio-ambiental não implica necessariamente uma opção por uma ordem mais justa e participativa. Pode-se chegar a um alto nível de eficiência, com nova s e 'limpas' tecnologias, e até mesmo com uma diminuição dos índices de pobreza absoluta, sem que se altere significativamente o grau de participação política e a ética das relações sociais".


CONCLUSÃO

** Fim do século XX, período denominado por alguns como “pós-modernidade”. O novo ator da história é o conhecimento e o detentor do conhecimento.

** Intelectuais humanistas da pós-modernidade: imbuídos dessa nova ideologia ecológica que rechaça o domínio sobre a natureza e caracterizada por ser multicientífica (e que, pois, possibilita um amplo arco de alianças entre os vários tipos de intelligentsia técnica). 
"Além destas características levantadas por Gouldner e que dizem respeito a aspectos gerais do ambientalismo, cabe, para finalizar, ressaltar M características de utopia presentes na ideia de desenvolvimento sustentado e que se movimentam em parâmetros de racionalidade próximos, senão idênticos, aos do projeto Iluminista: manipulação do futuro; suspensão de conflitos e correção de deficiências através da implementação de uma solução ótima; apelo à possibilidade de estabelecer uma etapa mais avançada do que a anterior, se determinado modelo for estabelecido e seguido; conceber a humanidade como uma só e com o mesmo destino universal (organizando-a sob um mesmo eixo temporal como ocorre com a ideia de progresso – destino, aqui sendo uma categoria fundamental de futuro comum); recuperação de uma noção de totalidade centralizada na relação homem/natureza e na construção de uma visão holística da realidade; manutenção do planejamento como requisito fundamental, já que desenvolvimento sustentável requer uma nova e complexa síntese de planejamento nacional adequada às novas tecnologias e contratos sociais". P. 91.    

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