Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Aluna: Juliana Capra Maia
Resenha do livro: GIDDENS,
Anthony. The politics of climate change.
Cambridge/UK,
Polity, 2009, 264 p., publicada na Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 46, n. 2, jul/dez, 2015, p. 293-300.
Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/index.php/revcienso/article/view/2928
Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/index.php/revcienso/article/view/2928
Sociólogo britânico nascido em
Edmonton norte de Londres, Anthony Giddens publicou mais de trinta livros a
respeito de díspares temáticas, tais como teoria sociológica clássica,
nacionalidade e nacionalismo, estrutura de classes, divisão do trabalho,
globalização, sexualidade e família. Educado na University of Hull e na London
School of Economics, Anthony Giddens atuou como assessor do Primeiro Ministro
britânico trabalhista, Tony Blair. Além disso, prestou consultoria para líderes
políticos australianos, asiáticos e latino-americanos.
O livro “The politics of climate change” foi publicado em inglês no ano de
2009 pela editora britânica Polity. A tradução para a língua portuguesa,
intitulada “A política da mudança climática, foi publicada em 2010, pela
editora Zahar. Trata-se de uma publicação revestida de atualidade e
pertinência, sobretudo se considerarmos a iminente realização da
Convenção-Quadro das Nações Unidas na cidade de Paris.
O objetivo do livro é
apresentar uma abordagem ampla e multissetorial acerca das políticas de
mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, problema que constitui um dos
principais eixos da agenda internacional do século XXI. E para além da questão
ambiental, Giddens chama a atenção para o papel do Estado, dos organismos
multilaterais, das organizações não governamentais e dos próprios indivíduos no
enfrentamento do aquecimento global.
O primeiro dos nove capítulos
em que o livro de Giddens está dividido intitula-se “Climate change: risk and danger”. Aqui, Giddens apresenta alguns
conceitos indispensáveis às reflexões acerca das mudanças climáticas: efeito
estufa, gases de efeito estufa (GEE), eventos geofísicos globais (GGEs),
sequestro de carbono. Igualmente, introduz o leitor nas discussões científicas
mais polêmicas a respeito das mudanças climáticas, dentre as quais a correlação
entre emissões de GEE e o aquecimento generalizado das temperaturas médias ao
redor de todo o globo terrestre e a correlação entre o aquecimento global e a
ocorrência de grandes catástrofes naturais, inclusive os GGEs (explosões
vulcânicas, tsunamis, terremotos, tufões, entre outras). Ainda no capítulo 01,
Giddens apresenta a manifestações dos – minoritários – céticos que, em síntese,
duvidam do aquecimento global e qualificam o último quarto de século como uma
nova era de superstições e messianismo, alimentada pelo Intergovernmental Panel
on Climate Change (IPCC).
No segundo capítulo,
intitulado “Running out, running down?”,
o autor apresenta uma das teses centrais que permeiam todo o livro, que é a
íntima relação entre as políticas de mudança climática e as políticas de
segurança energética. É que o uso intensivo dos combustíveis fósseis (carvão
mineral, gás natural e petróleo), intensificado desde a primeira fase da
revolução industrial na Grã-Bretanha, constitui o principal responsável pelas
emissões de GEE. Desse modo, não é mero acaso que os países mais bem-sucedidos
nas metas de redução de emissões de GEE são os mesmos que, atingidos pelos
choques do petróleo na década de 1970, diversificaram a sua matriz energética,
optando por fontes alternativas tais como os biocombustíveis, a energia nuclear
e a energia hidrelétrica.
Ainda no segundo capítulo,
Giddens discute as hipóteses mais aceitas a respeito da disponibilidade in natura dos combustíveis fósseis ao
redor do globo terrestre, em especial, a respeito da disponibilidade do
petróleo. Esclarece que, apesar da inexistência de consenso científico sobre a
indagação: “os estoques de petróleo estão
declinando?”, há que se ter clareza de que, como já demonstrou a OPEP em
história recente, a disponibilidade da commodity
no mercado internacional não depende somente dos estoques físicos. Aborda,
finalmente, algumas das implicações geopolíticas de uma economia mundial
dependente de petróleo: imperialismo, guerras e estabelecimento de autocracias
corruptas nos países produtores.
No terceiro capítulo, “The greens and after”, Giddens aborda o
movimento ambientalista, que tem se configurado como a maior fonte de reflexão
filosófica acerca das mudanças climáticas. Multifacetado, o ambientalismo não é
um, mas muitos. Contudo, alguns princípios fundamentais norteariam as suas
diversas vertentes: sabedoria ecológica; justiça social; democracia
participativa; pacifismo e, mais recentemente, sustentabilidade e respeito pela
diversidade. Explica Giddens que, assim concebido, é problemática a relação
entre ambientalismo e as políticas sobre mudanças climáticas, mesmo que os
“verdes” reconheçam a luta contra o aquecimento global como bandeira. Para o
autor, a desconfiança dos ambientalistas para com o conhecimento científico
criaria um obstáculo para as políticas relativas às mudanças climáticas. É que
o aquecimento global nos foi revelado pela ciência. É por meio da ciência que o
monitoramos e é na ciência (e na tecnologia) que investimos em busca de
soluções.
Também no terceiro capítulo
Giddens endossa a tese de que há uma desconexão entre a teoria ambientalista
dos valores (isto é, ao que os “verdes” atribuem significância) e a teoria
ambientalista da ação (isto é, como os “verdes” atuam para concretizar os
valores que compartilham). A defesa intransigente da democracia participativa,
a descentralização do poder e o comprometimento com meios não violentos de
solução de conflitos, por exemplo, seriam formas de agir desconectadas dos
principais valores ambientalistas: a sustentabilidade e o interesse das
gerações futuras.
O capítulo 04, “The track record so far”, apresenta o
estágio atual das batalhas contra as mudanças climáticas. Para tanto, elucida
quais aspectos favoreceram o relativo sucesso de Suécia, Alemanha, Dinamarca,
Noruega, Nova Zelândia, Costa Rica e Islândia na redução das suas respectivas
emissões. Giddens apresenta, ainda, os dilemas atualmente enfrentados pelo
Reino Unido para redução dos GEE. Como lições gerais dos casos trazidos no
capítulo 04, conclui o autor: (01)
Que à exceção de Alemanha e Dinamarca, as nações que se destacaram na redução
das suas emissões de GEE estão mais preocupadas com segurança energética do que
com a mudança climática propriamente dita. (02)
Que o acirramento político entre esquerda e direita afeta negativamente a
continuidade das políticas de segurança energética e das políticas de mudanças
climáticas. (03) Que as
administrações de centro-esquerda tendem a ser mais abertas às políticas de
mitigação das mudanças climáticas, ao passo que as de direita tendem a ser
dominadas por céticos. (04) Pela
eficácia dos tributos sobre o carbono, embora reconheça o seu potencial
inflacionário e regressivo. (05)
Pela indispensabilidade dos subsídios estatais para que as tecnologias de
energia renovável possam minimamente competir com os combustíveis fósseis. (06) Que, apesar das diversas objeções,
a energia nuclear deverá fazer parte da matriz energética de alguns Estados. (07) Que as políticas de mudanças
climáticas não fazem parte de um consenso, de modo que será difícil, aos
Estados, manter a coerência entre as diversas políticas públicas. (08) Que há risco de que as metas de
emissões de GEE das nações ocidentais esteja subavaliada, considerando o
processo de desindustrialização e, portanto, de exportação das emissões de GEE
para países como a China.
O capítulo 05, intitulado “A return to planning”, Giddens salienta
o papel do Estado e dos governos nas políticas acerca das mudanças climáticas.
Explica que, apesar de toda a relevância assumida pelas organizações não
governamentais, é principalmente do Estado – que ainda tem muito poder – a
atribuição de atuar na linha de frente das políticas do clima. Dada a
inescapável perspectiva de futuro embutida no problema do aquecimento global,
volta ao vocabulário da política e da economia o conceito de “planejamento
estatal”, relegado às sombras pelos neoliberais ao longo das décadas de 1970 e
1980. Giddens afirma que, apesar das limitações e das críticas, o planejamento
estatal se mostrou historicamente superior aos modelos desreguladores que
provocaram o sucateamento das instituições públicas e o descontrole sobre os
riscos societais, dada a atuação da iniciativa privada excessivamente
preocupada com resultados de curto prazo. Essa constatação seria
particularmente verdadeira no setor energético, cujo incremento demanda
vultosos investimentos, recuperáveis apenas no médio e no longo prazos.
Desse modo, caberia ao Estado
elaborar planejamento de médio e longo prazo, coordenando as políticas de
mudanças climáticas com as demais políticas públicas: a matéria seria muito
abrangente para permanecer confinada aos limites dos ministérios de meio
ambiente. Igualmente, caberia ao Estado a difícil tarefa de, a mesmo tempo,
manter no as regras do jogo democrático e, no longo prazo, a despeito das
mudanças de governo, as diretrizes das políticas de mudanças climáticas.
Finalmente, também caberia ao Estado o papel de manter as mudanças climáticas
na agenda cotidiana dos cidadãos, dada a ocorrência do que o autor denominou
“paradoxo de Giddens”.
O “paradoxo de Giddens” seria
uma característica típica do comportamento humano que inibe a ação. Estatui que,
entre seres humanos, há uma predisposição psicológica que atribui ao concreto e
ao presente maior nível de realidade, de tal modo que, diante de ameaças
futuras e abstratas, as pessoas não atuam para reduzi-las. Ocorre que se tais
ameaças se concretizarem, toda ação humana será inútil, por já ser tarde demais[2]. Isto é, simplesmente deixado
a cargo das pessoas comuns, a tendência é que os problemas relativos às
mudanças climáticas tendam a ser relegados para o segundo plano. Por sua vez, a
intervenção estatal por meio do estabelecimento de ecotaxas, do racionamento de
emissões e da criação de mercados de carbono traria as mudanças climáticas para
o cotidiano dos cidadãos comuns, evitando a ocorrência do “paradoxo de
Giddens”.
O capítulo 06 avalia as
tecnologias disponíveis para fazer frente às mudanças climáticas, salientando
que todas elas possuem críticos e entusiastas. Como fontes alternativas de
energia haveria o hidrogênio, o carvão descarbonizado, os ventos (energia
eólica), o sol (energia solar), a biomassa (biocombustíveis), o próprio calor
da Terra (energia geotérmica), além das mais testadas e aceitas, que são a
energia nuclear e a energia hidroelétrica. Do ponto de vista do custo, Giddens
ressalta que todas essas fontes de energia serão mais dispendiosas que os
combustíveis fósseis, até pela necessidade de refinar a tecnologia. Não
obstante, o autor entende que cabe ao Estado subsidiá-las, dada a perspectiva
de médio e de longo prazo, que deve estar voltada para a diminuição da dependência
dos combustíveis fósseis. Sob a ótica das políticas públicas, constituiriam
alternativas para os Estados a taxação e o racionamento do carbono, medidas
tributárias que estimulariam o desenvolvimento de modos de vida e de
tecnologias “low carbon”.
O capítulo 07 é dedicado às
políticas de adaptação. Relata Giddens que a discussão acerca da adaptação às
mudanças climáticas era espécie de tabu entre ambientalistas porque se
acreditava que, enfatizando-a, estaríamos deixando de lado as políticas de mitigação.
É verdade que as políticas de mitigação e de adaptação acabarão por competir
pelos mesmos recursos (materiais e humanos). As políticas de adaptação,
contudo, são indispensáveis para garantir certa qualidade de vida, certa
resiliência para as sociedades humanas afetadas pelas mudanças climáticas.
Giddens salienta que a palavra
“adaptação” tende a ser enganadora, dado que deixa a entender que aguardaremos
os resultados das mudanças climáticas para só então agirmos. Entretanto, as
políticas de adaptação devem ser prioritariamente preventivas e, sempre que
possível, casadas com as políticas de mitigação. A autonomização de edificações
constitui um bom exemplo de medida, ao mesmo tempo, mitigadora e
adaptativa.
Para desenvolver políticas de
adaptação, cada Estado deverá mapear detalhadamente os riscos a que a sua
população está submetida. Uma vez mapeados os riscos, o Estado deverá agir para
reduzir as vulnerabilidades da sua população, seja estimulando a inovação e a
criatividade, seja envolvendo os cidadãos, por meio de distribuição de direitos
e responsabilidades. Tanto para as políticas de mitigação quanto para as
políticas de adaptação às mudanças climáticas, convergência política e
econômica serão fundamentais. Lá e cá, o Estado planejador deverá assumir
posição central.
Por isso, chama especial
atenção a constatação de que aumentam a vulnerabilidade às mudanças climáticas circunstâncias
tais como a dependência de produtos tropicais de baixo preço internacional, o
espraiamento e a favelização das cidades, a fragilidade das comunicações e dos
meios de transporte. Essas circunstâncias tendem a ocorrer em países pobres,
onde o Estado possui poucos recursos – materiais e humanos – para assumir o
papel de grande planejador ou de grande articulador da política e da economia,
tal como sugerido por Giddens.
O capítulo 08, intitulado “International negotiations, the EU and
carbon markets” aborda o histórico das negociações internacionais
concernentes à redução de GEE. Giddens elucida que, na Rio/92, tratou-se do
aquecimento global e que os países membro chegaram ao consenso de que seria
necessário reduzir as emissões de GEE. Também se chegou ao consenso de que as
nações industrializadas são mais responsáveis pelo comprometimento das
condições naturais da atmosfera terrestre do que as nações em desenvolvimento,
motivo pelo qual houve reconhecimento do princípio das “responsabilidades
comuns, mas diferenciadas”. Não obstante, na ocasião, não foram estatuídas
metas de redução de emissões de GEE. Os países participantes se limitaram ao
compromisso de, anualmente, subsidiar o IPCC com as suas respectivas informações
concernentes à questão.
Cinco anos mais tarde, em
Kyoto, com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática,
tentou-se estabelecer metas cogentes de redução de emissões de GEE para os
países industrializados. À exceção da Austrália e dos EUA – que temiam a
concorrência com os produtos fabricados na China – todos os demais países
desenvolvidos subscreveram o protocolo de Kyoto. Grande parte dos países em
desenvolvimento também subscreveram o documento, comprometendo-se
voluntariamente com a redução das suas respectivas emissões de GEE. Como o
protocolo de Kyoto só obteve o número mínimo de assinaturas em 2005, muitos
signatários acabaram despendendo poucos esforços para alcançar as suas metas.
Demonstrando pouca esperança
nesse tipo de abordagem, Giddens afirma que a Bali Climate Conference, das
Nações Unidas, realizada em dezembro de 2007 falhou redondamente na obtenção de
compromissos em prol da redução nas emissões dos GEE. O autor aponta que o
principal fator que contribui para o fracasso dos acordos aos moldes de Kyoto é
o silêncio em matéria de segurança energética.
O capítulo 08 trata, ainda,
das tentativas levadas a efeito pela União Europeia para reduzir as emissões do
bloco, bem como dos mercados internacionais de carbono. Giddens descreve as
experiências de instituição do mercado na União Europeia e na Califórnia,
Estado dos EUA que se comprometeu com a redução de 80% nas suas emissões de
GEE, até o ano de 2050. Reconhece que os mercados internacionais de carbono já
fazem circular muito dinheiro e que podem favorecer o desenvolvimento de novas
tecnologias. Apesar disso, tomando suas muitas deficiências, ainda estariam “em
experimentação”.
O último capítulo, finalmente,
trata das questões geopolíticas associadas às mudanças climáticas. De acordo
com Giddens, o petróleo e o gás natural deram o formato da política
internacional no século XX: a história dos combustíveis fósseis é a história do
imperialismo. Observa o autor que o petróleo é inimigo da liberdade: tanto mais
alto o preço do barril, tanto mais autocráticos são os países produtores. Em
outros termos, a dependência mundial do petróleo tem um custo político e social
elevado. Desse modo, a redução da dependência mundial de combustíveis fósseis –
em especial, do petróleo – ironicamente tenderia a favorecer não somente os
países compradores, mas também os países exportadores dessa commodity.
Também no capítulo 09, Giddens
trata das perspectivas para a comunidade internacional. Em se tratando de uma
ameaça comum, era de se esperar que as mudanças climáticas fortalecessem os
laços entre nações. Para o autor, contudo, não é isso que se tem observado. O
degelo do Ártico tem provocado disputas por território supostamente abundante
em petróleo e gás natural; a China tem atuado agressivamente ao redor do globo
como prospectora de combustíveis fósseis; os EUA de George Bush deixaram claro
que enxergam o mundo sob a ótica da carestia de recursos pelos quais vale à
pena guerrear. E exatamente neste momento em que a coordenação entre os países
se mostra tão necessária, a ONU está agonizante, moribunda.
Apesar do cenário
desfavorável, Giddens não acredita que o multilateralismo chegou ao fim. O
caminho mais favorável para o multilateralismo seria o fortalecimento das
regiões, aos moldes do que ainda ocorre na OMC. E sob essa perspectiva, o
modelo não se esgotou, de modo que ainda existe um caminho para as negociações
internacionais a respeito das políticas de mitigação e de adaptação às mudanças
climáticas.
[1]
Juliana Capra Maia é
Socióloga da Companhia Imobiliária de Brasília/Terracap e Advogada. Tem
Mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília e cursa Pós-Graduação em
Direito no Centro Universitário de Brasília — Uniceub. Doutoranda em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – CDS/UnB. Endereço
residencial: SMPW Quadra 25 Conjunto 04 Lote 02 Casa F, Brasília/DF, CEP:
71.745-504. Telefone: (61) 8122-0105. E-mail: Juliana_maia@hotmail.com e Capra.juliana@gmail.com
[2] No jargão corporativo, o que o autor
denominou “paradoxo de Giddens” é um fenômeno amplamente conhecido pelo nome “síndrome”
ou “dilema do sapo cozido”.
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