segunda-feira, 9 de maio de 2016

Resenha do livro "The politics of climate change", de Anthony Giddens.

Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
Doutorado
Aluna: Juliana Capra Maia
Resenha do livro: GIDDENS, Anthony. The politics of climate change. Cambridge/UK, Polity, 2009, 264 p., publicada na Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 46, n. 2, jul/dez, 2015, p. 293-300.
Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/index.php/revcienso/article/view/2928

  
Sociólogo britânico nascido em Edmonton norte de Londres, Anthony Giddens publicou mais de trinta livros a respeito de díspares temáticas, tais como teoria sociológica clássica, nacionalidade e nacionalismo, estrutura de classes, divisão do trabalho, globalização, sexualidade e família. Educado na University of Hull e na London School of Economics, Anthony Giddens atuou como assessor do Primeiro Ministro britânico trabalhista, Tony Blair. Além disso, prestou consultoria para líderes políticos australianos, asiáticos e latino-americanos.
O livro “The politics of climate change” foi publicado em inglês no ano de 2009 pela editora britânica Polity. A tradução para a língua portuguesa, intitulada “A política da mudança climática, foi publicada em 2010, pela editora Zahar. Trata-se de uma publicação revestida de atualidade e pertinência, sobretudo se considerarmos a iminente realização da Convenção-Quadro das Nações Unidas na cidade de Paris. 
O objetivo do livro é apresentar uma abordagem ampla e multissetorial acerca das políticas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, problema que constitui um dos principais eixos da agenda internacional do século XXI. E para além da questão ambiental, Giddens chama a atenção para o papel do Estado, dos organismos multilaterais, das organizações não governamentais e dos próprios indivíduos no enfrentamento do aquecimento global.
O primeiro dos nove capítulos em que o livro de Giddens está dividido intitula-se “Climate change: risk and danger”. Aqui, Giddens apresenta alguns conceitos indispensáveis às reflexões acerca das mudanças climáticas: efeito estufa, gases de efeito estufa (GEE), eventos geofísicos globais (GGEs), sequestro de carbono. Igualmente, introduz o leitor nas discussões científicas mais polêmicas a respeito das mudanças climáticas, dentre as quais a correlação entre emissões de GEE e o aquecimento generalizado das temperaturas médias ao redor de todo o globo terrestre e a correlação entre o aquecimento global e a ocorrência de grandes catástrofes naturais, inclusive os GGEs (explosões vulcânicas, tsunamis, terremotos, tufões, entre outras). Ainda no capítulo 01, Giddens apresenta a manifestações dos – minoritários – céticos que, em síntese, duvidam do aquecimento global e qualificam o último quarto de século como uma nova era de superstições e messianismo, alimentada pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
No segundo capítulo, intitulado “Running out, running down?”, o autor apresenta uma das teses centrais que permeiam todo o livro, que é a íntima relação entre as políticas de mudança climática e as políticas de segurança energética. É que o uso intensivo dos combustíveis fósseis (carvão mineral, gás natural e petróleo), intensificado desde a primeira fase da revolução industrial na Grã-Bretanha, constitui o principal responsável pelas emissões de GEE. Desse modo, não é mero acaso que os países mais bem-sucedidos nas metas de redução de emissões de GEE são os mesmos que, atingidos pelos choques do petróleo na década de 1970, diversificaram a sua matriz energética, optando por fontes alternativas tais como os biocombustíveis, a energia nuclear e a energia hidrelétrica.
Ainda no segundo capítulo, Giddens discute as hipóteses mais aceitas a respeito da disponibilidade in natura dos combustíveis fósseis ao redor do globo terrestre, em especial, a respeito da disponibilidade do petróleo. Esclarece que, apesar da inexistência de consenso científico sobre a indagação: “os estoques de petróleo estão declinando?”, há que se ter clareza de que, como já demonstrou a OPEP em história recente, a disponibilidade da commodity no mercado internacional não depende somente dos estoques físicos. Aborda, finalmente, algumas das implicações geopolíticas de uma economia mundial dependente de petróleo: imperialismo, guerras e estabelecimento de autocracias corruptas nos países produtores.   
No terceiro capítulo, “The greens and after”, Giddens aborda o movimento ambientalista, que tem se configurado como a maior fonte de reflexão filosófica acerca das mudanças climáticas. Multifacetado, o ambientalismo não é um, mas muitos. Contudo, alguns princípios fundamentais norteariam as suas diversas vertentes: sabedoria ecológica; justiça social; democracia participativa; pacifismo e, mais recentemente, sustentabilidade e respeito pela diversidade. Explica Giddens que, assim concebido, é problemática a relação entre ambientalismo e as políticas sobre mudanças climáticas, mesmo que os “verdes” reconheçam a luta contra o aquecimento global como bandeira. Para o autor, a desconfiança dos ambientalistas para com o conhecimento científico criaria um obstáculo para as políticas relativas às mudanças climáticas. É que o aquecimento global nos foi revelado pela ciência. É por meio da ciência que o monitoramos e é na ciência (e na tecnologia) que investimos em busca de soluções. 
Também no terceiro capítulo Giddens endossa a tese de que há uma desconexão entre a teoria ambientalista dos valores (isto é, ao que os “verdes” atribuem significância) e a teoria ambientalista da ação (isto é, como os “verdes” atuam para concretizar os valores que compartilham). A defesa intransigente da democracia participativa, a descentralização do poder e o comprometimento com meios não violentos de solução de conflitos, por exemplo, seriam formas de agir desconectadas dos principais valores ambientalistas: a sustentabilidade e o interesse das gerações futuras.
O capítulo 04, “The track record so far”, apresenta o estágio atual das batalhas contra as mudanças climáticas. Para tanto, elucida quais aspectos favoreceram o relativo sucesso de Suécia, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Nova Zelândia, Costa Rica e Islândia na redução das suas respectivas emissões. Giddens apresenta, ainda, os dilemas atualmente enfrentados pelo Reino Unido para redução dos GEE. Como lições gerais dos casos trazidos no capítulo 04, conclui o autor: (01) Que à exceção de Alemanha e Dinamarca, as nações que se destacaram na redução das suas emissões de GEE estão mais preocupadas com segurança energética do que com a mudança climática propriamente dita. (02) Que o acirramento político entre esquerda e direita afeta negativamente a continuidade das políticas de segurança energética e das políticas de mudanças climáticas. (03) Que as administrações de centro-esquerda tendem a ser mais abertas às políticas de mitigação das mudanças climáticas, ao passo que as de direita tendem a ser dominadas por céticos. (04) Pela eficácia dos tributos sobre o carbono, embora reconheça o seu potencial inflacionário e regressivo. (05) Pela indispensabilidade dos subsídios estatais para que as tecnologias de energia renovável possam minimamente competir com os combustíveis fósseis. (06) Que, apesar das diversas objeções, a energia nuclear deverá fazer parte da matriz energética de alguns Estados. (07) Que as políticas de mudanças climáticas não fazem parte de um consenso, de modo que será difícil, aos Estados, manter a coerência entre as diversas políticas públicas. (08) Que há risco de que as metas de emissões de GEE das nações ocidentais esteja subavaliada, considerando o processo de desindustrialização e, portanto, de exportação das emissões de GEE para países como a China.    
O capítulo 05, intitulado “A return to planning”, Giddens salienta o papel do Estado e dos governos nas políticas acerca das mudanças climáticas. Explica que, apesar de toda a relevância assumida pelas organizações não governamentais, é principalmente do Estado – que ainda tem muito poder – a atribuição de atuar na linha de frente das políticas do clima. Dada a inescapável perspectiva de futuro embutida no problema do aquecimento global, volta ao vocabulário da política e da economia o conceito de “planejamento estatal”, relegado às sombras pelos neoliberais ao longo das décadas de 1970 e 1980. Giddens afirma que, apesar das limitações e das críticas, o planejamento estatal se mostrou historicamente superior aos modelos desreguladores que provocaram o sucateamento das instituições públicas e o descontrole sobre os riscos societais, dada a atuação da iniciativa privada excessivamente preocupada com resultados de curto prazo. Essa constatação seria particularmente verdadeira no setor energético, cujo incremento demanda vultosos investimentos, recuperáveis apenas no médio e no longo prazos.   
Desse modo, caberia ao Estado elaborar planejamento de médio e longo prazo, coordenando as políticas de mudanças climáticas com as demais políticas públicas: a matéria seria muito abrangente para permanecer confinada aos limites dos ministérios de meio ambiente. Igualmente, caberia ao Estado a difícil tarefa de, a mesmo tempo, manter no as regras do jogo democrático e, no longo prazo, a despeito das mudanças de governo, as diretrizes das políticas de mudanças climáticas. Finalmente, também caberia ao Estado o papel de manter as mudanças climáticas na agenda cotidiana dos cidadãos, dada a ocorrência do que o autor denominou “paradoxo de Giddens”.    
O “paradoxo de Giddens” seria uma característica típica do comportamento humano que inibe a ação. Estatui que, entre seres humanos, há uma predisposição psicológica que atribui ao concreto e ao presente maior nível de realidade, de tal modo que, diante de ameaças futuras e abstratas, as pessoas não atuam para reduzi-las. Ocorre que se tais ameaças se concretizarem, toda ação humana será inútil, por já ser tarde demais[2]. Isto é, simplesmente deixado a cargo das pessoas comuns, a tendência é que os problemas relativos às mudanças climáticas tendam a ser relegados para o segundo plano. Por sua vez, a intervenção estatal por meio do estabelecimento de ecotaxas, do racionamento de emissões e da criação de mercados de carbono traria as mudanças climáticas para o cotidiano dos cidadãos comuns, evitando a ocorrência do “paradoxo de Giddens”.
O capítulo 06 avalia as tecnologias disponíveis para fazer frente às mudanças climáticas, salientando que todas elas possuem críticos e entusiastas. Como fontes alternativas de energia haveria o hidrogênio, o carvão descarbonizado, os ventos (energia eólica), o sol (energia solar), a biomassa (biocombustíveis), o próprio calor da Terra (energia geotérmica), além das mais testadas e aceitas, que são a energia nuclear e a energia hidroelétrica. Do ponto de vista do custo, Giddens ressalta que todas essas fontes de energia serão mais dispendiosas que os combustíveis fósseis, até pela necessidade de refinar a tecnologia. Não obstante, o autor entende que cabe ao Estado subsidiá-las, dada a perspectiva de médio e de longo prazo, que deve estar voltada para a diminuição da dependência dos combustíveis fósseis. Sob a ótica das políticas públicas, constituiriam alternativas para os Estados a taxação e o racionamento do carbono, medidas tributárias que estimulariam o desenvolvimento de modos de vida e de tecnologias “low carbon”.
O capítulo 07 é dedicado às políticas de adaptação. Relata Giddens que a discussão acerca da adaptação às mudanças climáticas era espécie de tabu entre ambientalistas porque se acreditava que, enfatizando-a, estaríamos deixando de lado as políticas de mitigação. É verdade que as políticas de mitigação e de adaptação acabarão por competir pelos mesmos recursos (materiais e humanos). As políticas de adaptação, contudo, são indispensáveis para garantir certa qualidade de vida, certa resiliência para as sociedades humanas afetadas pelas mudanças climáticas.  
Giddens salienta que a palavra “adaptação” tende a ser enganadora, dado que deixa a entender que aguardaremos os resultados das mudanças climáticas para só então agirmos. Entretanto, as políticas de adaptação devem ser prioritariamente preventivas e, sempre que possível, casadas com as políticas de mitigação. A autonomização de edificações constitui um bom exemplo de medida, ao mesmo tempo, mitigadora e adaptativa.   
Para desenvolver políticas de adaptação, cada Estado deverá mapear detalhadamente os riscos a que a sua população está submetida. Uma vez mapeados os riscos, o Estado deverá agir para reduzir as vulnerabilidades da sua população, seja estimulando a inovação e a criatividade, seja envolvendo os cidadãos, por meio de distribuição de direitos e responsabilidades. Tanto para as políticas de mitigação quanto para as políticas de adaptação às mudanças climáticas, convergência política e econômica serão fundamentais. Lá e cá, o Estado planejador deverá assumir posição central.  
Por isso, chama especial atenção a constatação de que aumentam a vulnerabilidade às mudanças climáticas circunstâncias tais como a dependência de produtos tropicais de baixo preço internacional, o espraiamento e a favelização das cidades, a fragilidade das comunicações e dos meios de transporte. Essas circunstâncias tendem a ocorrer em países pobres, onde o Estado possui poucos recursos – materiais e humanos – para assumir o papel de grande planejador ou de grande articulador da política e da economia, tal como sugerido por Giddens.
O capítulo 08, intitulado “International negotiations, the EU and carbon markets” aborda o histórico das negociações internacionais concernentes à redução de GEE. Giddens elucida que, na Rio/92, tratou-se do aquecimento global e que os países membro chegaram ao consenso de que seria necessário reduzir as emissões de GEE. Também se chegou ao consenso de que as nações industrializadas são mais responsáveis pelo comprometimento das condições naturais da atmosfera terrestre do que as nações em desenvolvimento, motivo pelo qual houve reconhecimento do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Não obstante, na ocasião, não foram estatuídas metas de redução de emissões de GEE. Os países participantes se limitaram ao compromisso de, anualmente, subsidiar o IPCC com as suas respectivas informações concernentes à questão.
Cinco anos mais tarde, em Kyoto, com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, tentou-se estabelecer metas cogentes de redução de emissões de GEE para os países industrializados. À exceção da Austrália e dos EUA – que temiam a concorrência com os produtos fabricados na China – todos os demais países desenvolvidos subscreveram o protocolo de Kyoto. Grande parte dos países em desenvolvimento também subscreveram o documento, comprometendo-se voluntariamente com a redução das suas respectivas emissões de GEE. Como o protocolo de Kyoto só obteve o número mínimo de assinaturas em 2005, muitos signatários acabaram despendendo poucos esforços para alcançar as suas metas.
Demonstrando pouca esperança nesse tipo de abordagem, Giddens afirma que a Bali Climate Conference, das Nações Unidas, realizada em dezembro de 2007 falhou redondamente na obtenção de compromissos em prol da redução nas emissões dos GEE. O autor aponta que o principal fator que contribui para o fracasso dos acordos aos moldes de Kyoto é o silêncio em matéria de segurança energética.
O capítulo 08 trata, ainda, das tentativas levadas a efeito pela União Europeia para reduzir as emissões do bloco, bem como dos mercados internacionais de carbono. Giddens descreve as experiências de instituição do mercado na União Europeia e na Califórnia, Estado dos EUA que se comprometeu com a redução de 80% nas suas emissões de GEE, até o ano de 2050. Reconhece que os mercados internacionais de carbono já fazem circular muito dinheiro e que podem favorecer o desenvolvimento de novas tecnologias. Apesar disso, tomando suas muitas deficiências, ainda estariam “em experimentação”.       
O último capítulo, finalmente, trata das questões geopolíticas associadas às mudanças climáticas. De acordo com Giddens, o petróleo e o gás natural deram o formato da política internacional no século XX: a história dos combustíveis fósseis é a história do imperialismo. Observa o autor que o petróleo é inimigo da liberdade: tanto mais alto o preço do barril, tanto mais autocráticos são os países produtores. Em outros termos, a dependência mundial do petróleo tem um custo político e social elevado. Desse modo, a redução da dependência mundial de combustíveis fósseis – em especial, do petróleo – ironicamente tenderia a favorecer não somente os países compradores, mas também os países exportadores dessa commodity.
Também no capítulo 09, Giddens trata das perspectivas para a comunidade internacional. Em se tratando de uma ameaça comum, era de se esperar que as mudanças climáticas fortalecessem os laços entre nações. Para o autor, contudo, não é isso que se tem observado. O degelo do Ártico tem provocado disputas por território supostamente abundante em petróleo e gás natural; a China tem atuado agressivamente ao redor do globo como prospectora de combustíveis fósseis; os EUA de George Bush deixaram claro que enxergam o mundo sob a ótica da carestia de recursos pelos quais vale à pena guerrear. E exatamente neste momento em que a coordenação entre os países se mostra tão necessária, a ONU está agonizante, moribunda.
Apesar do cenário desfavorável, Giddens não acredita que o multilateralismo chegou ao fim. O caminho mais favorável para o multilateralismo seria o fortalecimento das regiões, aos moldes do que ainda ocorre na OMC. E sob essa perspectiva, o modelo não se esgotou, de modo que ainda existe um caminho para as negociações internacionais a respeito das políticas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.
  





[1] Juliana Capra Maia é Socióloga da Companhia Imobiliária de Brasília/Terracap e Advogada. Tem Mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília e cursa Pós-Graduação em Direito no Centro Universitário de Brasília — Uniceub. Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – CDS/UnB. Endereço residencial: SMPW Quadra 25 Conjunto 04 Lote 02 Casa F, Brasília/DF, CEP: 71.745-504. Telefone: (61) 8122-0105. E-mail: Juliana_maia@hotmail.com e Capra.juliana@gmail.com
[2] No jargão corporativo, o que o autor denominou “paradoxo de Giddens” é um fenômeno amplamente conhecido pelo nome “síndrome” ou “dilema do sapo cozido”.  

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