Política não se faz com o fígado. Nem Justiça. E nesses tempos confusos, em que mídia e sociedade brasileiras estão mergulhadas em bile, corre-se grande risco de apedrejar inocentes. Na última semana, o tal risco fez-se fato. A inocente apredrejada da vez? Maria Thereza de Assis Moura, Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Desde a noite de 24/03/2017, quando deferiu liminar no Habeas Corpus 392.806/RJ em favor de Adriana de Lourdes Ancelmo, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura vem sendo enxovalhada na mídia impressa, televisiva e digital por toda sorte de pessoas: jornalistas, blogueiros, colunistas, cidadãos. Como sói acontecer, todos eles especialistas súbitos em direito processual penal. Acusam-na de ter privilegiado Adriana Ancelmo, ré na Ação Penal nº 0509503-57.2016.4.02.5101 que tramita na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, ao lhe converter a prisão preventiva em domiciliar.
Uma breve leitura dos documentos relativos à Ação Penal nº 0509503-57.2016.4.02.5101 e ao HC 392.806/RJ-STJ [i] já é suficiente para esclarecer que foi o Juiz Federal Marcelo da Costa Bretas, responsável pela instrução das ações criminais relacionadas à “Operação Calicute”, a autoridade que converteu em domiciliar a prisão preventiva outrora decretada contra a esposa de Sérgio Cabral. Repita-se: o mesmíssimo Juízo da 7ª Vara Federal Criminal decretou a prisão preventiva de Adriana Ancelmo em 06.12.2016 e, em 17.03.2017, de ofício, converteu essa prisão preventiva em domiciliar. O signatário dessas decisões não foi — e pela lógica do processo penal, nem poderia ter sido — a Ministra do STJ, Maria Thereza de Assis Moura.
Mas, afinal, o que deferiu a Ministra nos autos do HC 392.806/RJ-STJ?
O HC 392.806/RJ-STJ foi impetrado por um dos advogados de Adriana Ancelmo visando à impugnação de decisão liminar proferida por Desembargador Federal do TRF da 2ª Região, no Mandado de Segurança (MS) 0100072-07.2017.4.02.0000. Por meio de liminar requerida pelo Ministério Público Federal (MPF), o Desembargador Federal determinara que o Juízo da 7ª Vara Federal Criminal suspendesse os efeitos da decisão interlocutória adotada no dia 17.03.2017 (conversão da prisão preventiva em domiciliar), até o julgamento definitivo do MS. Noutras palavras, o TRF da 2ª Região determinou, ao magistrado de primeira instância, que Adriana Ancelmo não fosse colocada em prisão domiciliar, pelo menos até o julgamento do MS impetrado MPF.
E quais foram os argumentos utilizados pelos advogados de Adriana Ancelmo para impugnar essa liminar? Argumentos de natureza processual. A jurisprudência do STJ é clara no sentido de que não cabe MS com a finalidade de conferir efeito suspensivo a Recurso em Sentido Estrito (RSE) interposto contra decisão concessiva de liberdade. E por quê? Porque nesses casos, paradoxalmente, o órgão acusador utiliza, para a repressão social, uma garantia constitucional criada para proteger interesses individuais.
Tal era exatamente a hipótese contemplada nos autos do MS nº 0100072-07.2017.4.02.0000: interposição de MS pelo MPF para conceder efeito suspensivo a recurso em que se questiona a conversão de prisão preventiva em domiciliar. E se é assim, a decisão liminar proferida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura não destoou daquela que, nas mesmas circunstâncias, deveria ser adotada pelos seus pares no STJ. Desse modo, forçoso concluir que boa parte do que se publicou sobre este assunto é deturpação, sensacionalismo, exploração de “meias verdades”.
Os fundamentos jurídicos da concessão de liminar no HC 392.806/RJ-STJ, em favor de Adriana Ancelmo, foram esclarecidos em duas publicações recentes do site de informações jurídicas “Jota”: uma delas, inclusive, é uma entrevista com a Ministra[ii]. Como sempre, as publicações explicativas nem de longe receberam a atenção das publicações detratoras. Estrago feito, muda-se de assunto. Só o apedrejado não esquecerá o apedrejamento. E assim, como sociedade, seguimos perpetuando injustiças.
[i] Os referidos documentos estão disponíveis ao grande público na Internet por meio dos sites www.trf2.jus,br e www.stj.jus.br
[ii] As publicações estão disponíveis na Internet nos links https://jota.info/artigos/o-detalhe-omitido-da-decisao-do-stj-sobre-adriana-ancelmo-01042017 e https://jota.info/justica/maria-thereza-fala-ao-jota-sobre-caso-adriana-ancelmo-02042017.
Texto publicado em http://cliquebrasilia.com.br/index.php/2017/04/04/o-caso-adriana-ancelmo-e-o-apedrejamento-da-ministra/
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