sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Esquema de leitura: As bases teóricas da história ambiental, Pádua.

Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós-Graduação
Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, volume 24 nº 68, São Paulo, 2010, páginas 81 a 101. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100009. Consulta realizada em 08/09/2016, às 16:49 horas.


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Vozes da rua e mudanças epistemológicas

** Como campo consciente de si mesmo, a História Ambiental começou a se estruturar na década de 1970: 
a) A American Society for Environmental Histoy (primeira entidade científica dedicada ao assunto) foi criada em 1977.
b) O primeiro curso de História Ambiental foi ministrado em 1972, na Universidade de Santa Bárbara, por Roderick Nash. Justificou o curso também como uma resposta ao clamor das ruas. 
** Apesar disso, análises histórico-ambientais já vinham sendo realizadas desde o século XIX.


A “voz das ruas” teve importância na formalização da história ambiental. P. 81.


** Ambientalismo como criador e criatura da globalização. A própria imagem do Planeta Terra, isto é, do globo para além das fronteiras nacionais, tem relação direta com o ambientalismo.

A emergência de um “ambientalismo complexo e multissetorial” a partir da década de 1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado como um movimento histórico, mais do que um movimento social, que repercutiu nos diferentes campos do saber (Viola & Leis, 1991, p.24). A ideia de “ecologia” rompeu os muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas em diferentes níveis de articulação, do local ao global. Mais ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura. O avanço da chamada globalização, com o crescimento qualitativo e quantitativo da produção científicotecnológica e da velocidade dos meios de comunicação, catalisou uma explosão de temas da vida e do ambiente na agenda política. A discussão ambiental se tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização. A própria imagem da globalidade planetária, em grande parte, é uma construção simbólica desse campo cultural complexo. P. 82.
** As preocupações dos homens com problemas ambientais não são novidade. Elas estiveram presentes na cultura erudita europeia pelo menos desde o século XVIII e ajudaram a cunhar o pensamento moderno. As últimas décadas do século XX se diferenciariam dos períodos anteriores, fundamentalmente, pela difusão dessas preocupações entre um grupo muito maior de seres humanos. 
  • A territorialização das sociedades humanas demanda que as pessoas adquiram conhecimento básico acerca do espaço que ocupam.
  • Glacken, estudando a história das concepções intelectuais acerca da natureza no mundo ocidental, desde a Antiguidade até o século XVIII, constatou:
a)  Os maiores pensadores tiveram que enfrentar o tema e o fizeram a partir de três indagações: "a natureza, tal qual ela se apresenta na Terra, dotada de sentido e propósito? Possui essa natureza, especialmente o lugar onde cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana? Foi a realidade da Terra, em sua condição primordial, modificada pela ação histórica do homem?" P. 83.
b) Os dois primeiros questionamentos, isto é, "a natureza, tal qual ela se apresenta na Terra, dotada de sentido e propósito?" e "Possui essa natureza, especialmente o lugar onde cada sociedade habita, uma influência sobre a vida humana?" dominaram a discussão filosófica e científica até o século XVIII. 
c) O tema da capacidade da ação humana para degradar / destruir a natureza é essencialmente moderno.

Estabeleceu-se um movimento de mão dupla, em que as produções científicas influenciaram e foram influenciadas pelas ações públicas. P. 82.


** Além do cenário político favorável, os historiadores também foram estimulados a investir na história ambiental pelas mudanças advindas do campo científico, em especial:
  • A ideia de que a ação humana pode provocar relevantes impactos no mundo natural, inclusive a ponto de provocar degradação ambiental.
  • A revolução nos marcos cronológicos. O tempo não é mais o tempo bíblico, mas o tempo geológico ou cósmico (medido em bilhões de anos).
  • A visão da natureza como construção e reconstrução ao longo do tempo. Ou seja, a natureza também é história.   
** Condições adequadas para o surgimento da preocupação ambiental na modernidade (entenda-se "preocupação ambiental" como "colapso", ou seja, com a ideia de que a relação com o ambiente natural coloca um problema radical e inescapável para a continuidade da vida humana):
  • Expansão colonial europeia, com a incorporação de vastas regiões do globo, ou seja, de uma grande variedade de territórios e ecossistemas.
  • Observação, nas colônias ultramarinas europeias, dos efeitos da devastação das florestas, do assoreamento de rios, da erosão dos solos, decorrentes de atividades como a monocultura e a mineração. 
  • Formação de uma economia-mundo sob a dominância europeia.
  • Institucionalização da ciência como um modo privilegiado de entendimento do mundo. Construção de um saber geográfico planetário. A ciência iluminista começa a utilizar a ideia de "sistema", de harmonia entre "parte" e "todo", a ideia de que as florestas eram importantes para manter a umidade e a saúde de determinado território (p. ex., Lineu).
  • Grande transformação urbano industrial sem precedentes até os séculos XIX e XX.
** Percepção de que a mudança ambiental teria sido provocada por ações antrópicas, no Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva (1815); Tomás Pompeu de Sousa Brasil (1860).


Natureza e humanidade como movimento e transformação

** "Natureza" é um conceito amplo, historicamente polissêmico, que reúne "desde o Big Bang até o gato da casa". Desde a Grécia Antiga (physis) até os dias atuais, "natureza" foi progressivamente incorporando mais e mais realidades.
De um lado, a ideia de natureza serve como uma espécie de eixo conceitual que dá sentido ao nosso entendimento do universo. Ela fundamenta a construção conceitual da experiência de que existe coerência ontológica no mundo em que vivemos. Por sua vez, a imagem de ser humano e de história humana se construiu em grande parte por oposição à natureza: arte versus natureza; ordem social versus natureza; técnica versus natureza; espírito versus natureza etc. Em outras palavras, um conjunto de oposições que procuram demarcar, por diferenciação ou por identificação, a especificidade do fenômeno humano em relação à natureza (seja afirmando uma oposição e ruptura radical entre ambos, seja entendendo o humano como uma qualificação especial no contexto do mundo natural). P. 87.
** A partir das descobertas da Geologia e da Astrofísica, a Terra passou a ser enxergada, progressivamente, "como uma realidade antiga, poderosa e diversificada, que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória. Por ele já passaram inúmeras formas de vida, das quais a espécie humana é uma das mais recentes (Christian, 2003)". P. 87.
  • Apesar disso, o tempo da História continua sendo o "tempo bíblico", de horizonte de cerca de 6 mil anos. 
  • A descoberta do tempo geológico e do tempo cósmico provocaram os historiadores. Ela os estimulou a procurarem metodologias que dêem conta de investigar a história humana a partir de marcos temporais mais extensos.
  • A arqueologia localiza o Homo sapiens desde 200 mil anos. O fenômeno humano pode retroceder até o surgimento do Homo habilis, na África Central, há 2 milhões de anos. O termo "pré-história" não dá mais conta de tantas transformações.
** Além da explosão cronológica, há outra mudança epistemológica, fundamental para o diálogo entre as ciências sociais e as ciências naturais: a mudança na forma de enxergar o que vem a ser "natureza". De cenário dado, a priori, a natureza vem sendo compreendida como algo em permanente construção e reconstrução ao longo do tempo. Não se trata de uma realidade pronta e acabada.
  • Cada vez mais a natureza é vista como uma configuração histórica momentânea, e não como uma realidade pronta e acabada.
  • As hard sciences estão cada vez mais soft.


A difusão da visão de mundo evolucionária faz convergirem as histórias cósmica, terrestre, biológica e humana. Todas são vistas como totalidade em permanente transformação. P. 89.


  • Para tanto, a tese de Darwin foi um passo fundamental e representou um verdadeiro turn over para as ciências: leitura histórica da formação dos seres vivos; animalidade do ser humano.
  • Século XX. Astrofísica: nem mesmo o universo é fixo. Ele também está em constante movimento. 
>>> Impacto direto no determinismo físico, geográfico, climático (que pressupunha a estabilidade do mundo natural).
  • Nova relação entre as ciências humanas e naturais. Conceitos de colapso, resiliência, coevolução, construção mútua de nichos. Caos e acaso ganham papel causal nas análises.


Natureza e cultura na experiência histórica: por uma visão menos dualista

** Surgimento da história ambiental >> resposta à ausência da dimensão biofísica em boa parte da historiografia contemporânea. Enfoque "flutuante", ou seja, "como se os seres humanos não fossem animais mamíferos e primatas, seres que respiram e que precisam cotidianamente se alimentar de elementos minerais e biológicos existentes na Terra". P. 91.
  • O enfoque "flutuante" foi uma espécie de reação dos cientistas sociais ao determinismo físico, climático e geográfico característico do século XIX. Esses determinismos, como sabido, levaram a teorias racistas. 
** Obras do século XX que não fazem história a partir do enfoque "flutuante": 
  • Nordeste, de Gilberto Freyre.
  • O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II, de Fernand Braudel.
  • The great plains, de Walter Prescott Webb.
  • Caminhos e fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda.
  • The grassland of North América, de James Malin. 
  • La Terre et l’évolution humaine, de Lucien Febvre.
  • Les caracteres originaux de l’histoire rurale française, de Marc Bloch.
  • Histoire du climat depuis l’An Mil, de Emmanuel Le Roy Ladurie.
** Os historiadores ambientais têm sentido necessidade de encontrar uma solução para fugir da dicotomia natureza X cultura.
  • É verdade que a percepção da natureza pelos seres humanos é mediada pela linguagem, ou seja, pela cultura. Nesse sentido, a valoração de determinados recursos naturais em detrimento de outros, bem como de determinadas paisagens em detrimento de outras, possui uma clara historicidade. Contudo, é necessário reconhecer que os recursos e as paisagens possuem existência material autônoma e sem a qual não seriam percebidos ou valorizados culturalmente.
  • A ecologia da auto-organização postula que a tese culturalista precisa ser ampliada: em primeiro lugar, os seres humanos modificam o mundo não somente com o seu pensamento, como também com o seu corpo; em segundo lugar, cada ser constrói o seu mundo e o mundo coletivo se constrói por meio de uma trama complexa de interações e interdependências. 

Por ultrapassar o culturalismo, a história ambiental deveria ser vista não como uma redução, mas como uma ampliação da história: ela suscita novas perspectivas para antigos problemas historiográficos.


** História ambiental >>> Articulação entre ecologia, relações econômicas e cognição humana. Não se trata de tarefa fácil. Há a tendência de focalizar um nível em detrimento dos outros.

  • Ecologia: natureza propriamente dita, orgânica e inorgânica, incluindo o organismo humano em sua relação com os diferentes ecossistemas. Atentar para a transformação do mundo biofísico, a fim de reconstruir os ambientes do passado. Fundamental manter uma perspectiva interdisciplinar.
  • Constituição socioeconômica das sociedades: A cultura material, os meios tecnológicos, a “segunda natureza” produzida pela ação humana inserem-se nesse nível de análise. Por influência de Marx, Worster mencionava "modo de produção". O'Connor, por sua vez, mencionava "condições de produção" (ultrapassa as formas de propriedade e das relações de produção, incluindo as contradições presentes no movimento de mercantilização imperfeita do trabalho, da terra e da natureza).
  • Cognição Humana: dimensões cognitivas, mentais e culturais da existência humana, incluindo cosmologias, ideologias e valores. O comportamento dos seres humanos em relação ao mundo natural, assim como a própria estruturação socioeconômica da vida coletiva, passa pelas visões de natureza e dos significados da vida humana. Cuidado com o anacronismo: não se deve projetar categorias ambientais e ecológicas do presente no passado.

A questão ambiental só vai aparecer em um momento bastante recente da trajetória humana. Mas as relações ambientais já estavam presentes, sendo percebidas (ou não) segundo os padrões culturais de cada período.


- Limitação da história ambiental: Abordar sempre o "homem devastador". 


O importante é permanecer atento e aberto em cada situação de pesquisa. Em certas situações os fatores biofísicos são decisivos. Em outras a tecnologia ou as visões de mundo podem ser decisivas. Em todas as situações, no entanto, o biofísico, o social e o cultural estão presentes. [...]. No sentido mais profundo, o desafio analítico é o de superar as divisões rígidas e dualistas entre natureza e sociedade, em favor de uma leitura dinâmica e integrativa, fundada na observação do mundo que se constrói no rio do tempo. P. 97. 

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