Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Ficha de leitura: HERCULANO, Selene. Do desenvolvimento (in) suportável à sociedade feliz, in GOLDENBERG, MIRIAN (coord.). Ecologia, Ciência e Política, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1992, p. 9/48, disponível em http://www.professores.uff.br/seleneherculano/images/Do_desenvolvimento_insuportavel_v2_%C3%A0_sociedade_feliz.pdf
1. O surgimento da questão ambiental no mundo e suas diferentes correntes; a disseminação do pensamento ambiental no Brasil
** O pensamento ambientalista não é recente. Remontaria ao século XVIII quando, a partir de uma visão arcadiana, os autores românticos idealizavam a vida frugal do campo e criticavam o utilitarismo da emergente sociedade industrial. O século XVIII testemunhou o aparecimento de naturalistas como Von Linné (Suécia) e G. White (Inglaterra).
** Características básicas do ambientalismo >>
- Crítica ao método (mecanicismo) e às conquistas da ciência moderna, cujos principais representantes seriam Francis Bacon, Isaac Newton e René Descartes.
- Crítica à pretensão humana de subjugar a natureza.
Assim, tendo dessacralizado e profanado a natureza, a ciência moderna é percebida como a cunha que cinde, separa a cultura humana da natureza. Esta cisão é histórica, isto é, até uma dada etapa da história da raça humana teria havido uma harmonia entre o reino da cultura humana e o reino da natureza. P. 11
- Oposição à modernidade, que ultrapassou os limites até então conhecidos pelo homem, que criou o tempo abstrato, que substituiu a massa de sujeitos rurais pobres por uma massa de sujeitos urbanos pobres, que cindiu natureza e cultura.
Em 1945 os Estados Unidos explodiam as primeiras bombas atômicas. A primeira, experimentalmente, no deserto de Los Alamos; as demais, sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki, ao término da Segunda Guerra Mundial. Foi então que os habitantes do planeta deram-se conta de que o conhecimento humano acabava de atingir uma etapa pela qual se tornava capaz de destruir o mundo todo. A sensação de estar-se confinado numa nau dos insensatos – a nave Terra – tripulada por lunáticos destruidores causou intenso desconforto e o início de movimentos pacifistas e antinucleares que viriam a se transformar nos primeiros movimentos ambientalistas. P. 12.
- A crítica à ciência teria "recrudescido" com o lançamento de Primavera Silenciosa, em 1962. Minha observação: a saída proposta por Rachel Carson para o dilema dos pesticidas é a partir de dentro, não a partir de fora da ciência (entomologia)!
Esta obra soou como um alarme sobre os rumos e conseqüências inesperadas da tecnologia científica e veio engrossar o caudal daqueles que criticavam a irracionalidade da ciência moderna, até então enaltecida. P. 12
** Primeira vertente de ambientalistas (os alternativos) >>
- Movimento hippie e movimentos de contracultura, cuja origem foi diretamente influenciada pelo pacifismo antinuclear, pela crítica ao produtivismo e ao consumismo, pela irresignação frente a um Estado belicista e autoritário.
- Ênfase na vida comunitária e rural.
- Protestos contra a guerra do Vietnã.
- Lema: "paz e amor".
** Segunda vertente de ambientalistas (os neo-malthusianos) >>
- Defendem a necessidade de se limitar a população humana terrestre, a fim de evitar a degradação da qualidade de vida. As altas taxas demográficas surtiriam os mesmos efeitos de uma bomba.
- Autores: Garrett Hardin (tragédia dos comuns) e o casal Ehrlich (bomba populacional).
** Terceira vertente de ambientalistas (os zeristas) >>
- Clube de Roma.
- Relatório Meadows. Propõe uma moratória no crescimento econômico. A proposta foi duramente criticada durante a Conferência de Estocolmo, em especial pelo Brasil, que liderou a bancada dos países de Terceiro Mundo.
Zerar o crescimento econômico naquele momento era visto como uma injustiça e uma iniqüidade, pois os países ricos do Primeiro mundo só se lembravam da natureza depois de a terem degradado, assegurando um patamar de produção e de tecnologia que agora queriam negar aos “em desenvolvimento”. P. 14.
** Quarta vertente de ambientalistas (os socialistas) >>
- Ainda em 1972, foi publicado, em Londres, o Manifesto pela Sobrevivência. O manifesto atribuía ao consumismo desenfreado (que é um requisito do sistema capitalista) a causação da crise ambiental.
- Diversas críticas marxistas foram desferidas contra o capitalismo (ou contra o industrialismo?) a partir de então: Marcuse, Goldsmith, Michel Bosquet, Joe Weston, Gorz, David Pepper.
** Quinta vertente de ambientalistas (verdes) >>
- Também denominados "Ecologistas Sociais".
- Surgimento na Alemanha, como um "antipartido", na campanha eleitoral de 1983.
- Inspirado nos anarquistas: é um movimento humanista, individualista e antipositivista.
- Bandeiras: descentralização, desconcentração, autogestão, não-consumo, ativismo, pacifismo, "distribuição do trabalho além da distribuição das riquezas", ética (sustentabilidade e justiça social), economia voltada ao bem comum.
- Críticas ao Ocidente e ao Oriente, ao capitalismo e ao socialismo. Ambos teriam engendrado o industrialismo, o produtivismo economicista e o belicismo, ceifadores de vidas e degradadores da natureza.
- Expoentes: Rudolf Bahro, Petra Kelly, Jonathan Porritt, Felix Guattari (Europa), e Murray Bookchin (Estados Unidos)
Os verdes eram defensores de uma economia voltada para as necessidades, e não para o lucro. Lema: "need, not greed".
** Sexta vertente de ambientalistas (fundamentalistas) >>
- Partidários da "deep ecology". Propõem uma visão ecocêntrica, não-humanista e não-antropocêntrica da relação entre humanos e natureza. A vida humana não o valor cardeal. Compreensão de que o ser humano é um animal entre muitos outros.
- Foreman, mentor do movimento Earth. James Lovelock e a hipótese de Gaia.
Segundo seu crítico, o Verde Bookchin, “zoologização do ser humano é herança de um espiritualismo taoísta e budista e pode ter contornos sinistros que beiram o fascismo, uma vez que naturaliza as vicissitudes humanas, deixando de enxergar as raízes sociais evidentes na crise ambiental”. P. 15.
- Militantes radicais que chegam a se lançar em "cruzadas terroristas em defesa de árvores e animais" p. 16.
** Sétima vertente de ambientalistas (tecnocentristas ou eco-tecnicistas) >>
- Acreditam na superação da crise ambiental por meio do desenvolvimento da ciência e de novas técnicas.
- Dissolve a questão ambiental em problemas meramente técnicos (crítica de Edgar Morin).
Embora algumas das vertentes acima apontadas pretendam estar além da dicotomia direita-esquerda ou capitalismo-socialismo, podemos dizer que elas deslizam ao longo de quatro eixos, em diferentes combinações, dependendo de quem as professa: haveria, além dos dois eixos mencionados (direita/esquerda e capitalismo / socialismo), os eixos espiritualismo / materialismo e modernidade / pós-modernidade. Embora existam tendências e afinidades eletivas, nada impede, rigorosamente, um neomalthusianismo de esquerda, um eco-tecnicismo marxista ou um ecocapitalismo espiritualista, pois as idéias, enquanto formas vivas, são capturadas e reinterpretadas por diferentes indivíduos, de diferentes segmentos sociais e trajetórias de vida. Neste sentido, as reduções pelas quais passa o pensamento ambientalista (reducionismo tecnocrático, segundo E. Morin; reducionismo marxista, segundo Bookchin e também E. Morin) são não apenas inevitáveis quanto naturais e prova eloqüente do vigor e atualidade de suas idéias. P. 15 e 16.
** No Brasil o movimento ambientalista não é um movimento de massas, mas possui grande ressonância, dado que os seus integrantes, normalmente com alta escolaridade, são formadores de opinião e multiplicadores de informações.
- Fórum das ONGs, criado em junho de 1990, como preparação para a Rio-92.
- O perfil dos integrantes do Fórum das ONGs é plural e abriga entidades "críticas ao modelo atual de desenvolvimento". Inclui organizações de defesa dos direitos indígenas, de negros, de mulheres, entidades sindicais, grupos religiosos, associações de moradores, de jovens, institutos de assessoria a movimentos populares, além de ambientalistas propriamente ditos.
- As divergências internas têm sido encaradas como fator enriquecedor do Fórum das ONGs, não como fator enfraquecedor.
2. A construção do conceito de desenvolvimento nos anos 60 e a polêmica gerada
** De acordo com os autores, como reação ao sucesso da política e economia comunistas na URSS, a ONU dedicou a década de 1960 ao desenvolvimento.
- Pretensão de "modernizar" ou de "desenvolver" (os termos eram vistos como sinônimos) as sociedades atrasadas. Os EUA eram tomados como padrão de sociedade desenvolvida, padrão esse a ser alcançado por todas as demais sociedades.
"Desenvolvimento era isto: a transposição dos traços característicos da sociedade norte-americana para os países em atraso. Mais que tudo, desenvolvimento era industrialização e bons projetos de cooperação internacional". P. 18.
- Estratégia desenvolvida por técnicos do MIT, com a finalidade de construir uma economia global aberta, liderada pelos EUA (barrando, em consequência, a influência do bloco soviético).
- Abrir espaço para a expansão capitalista, agora em uma nova etapa.
- Referência: “Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não-comunista”, de Rostow. Outros autores: Eisenstadt, Millikan & Blackmer, Hoselitz, Levy.
As sociedades arcaicas ou tradicionais eram caracterizadas como sendo aquelas de “produção limitada, economia agrícola”, detentoras de uma “ciência e tecnologia pré-newtonianas”, de baixa renda per capita, altas taxas de fecundidade e de mortalidade, um povo sem instrução, sem classes médias etc... Em contraposição, sociedades modernas eram aquelas que empregavam fontes de energia de alto potencial, tinham predomínio de produção industrial e permanente invenção e absorção de inovações tecnológicas; eram urbanas, com baixas taxas de fecundidade e de mortalidade e eram democráticas. P. 18.
** Lambert argumentava que, no Brasil, haveria suposta tensão entre o arcaísmo e a modernidade. O arcaísmo era representado pelo mundo agrário, que resistia a mudanças impedindo a ascensão de um Brasil urbano, moderno e industrial.
- Em resposta, Stavenhagen dizia que não havia qualquer confronto de interesses, dado que a burguesia industrial e a oligarquia latifundiária seriam compostas pelas mesmas famílias.
** CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), criada pela ONU em 1948. Expoentes: Raul Prébisch e Celso Furtado.
- Os problemas econômicos dos países latino-americanos derivariam das trocas desvantajosas entre os países exportadores de matéria prima e os países exportadores de produtos industrializados.
- Haveria como sanar a deficiência por meio de um "desenvolvimento endógeno", isto é, de uma industrialização autóctone.
** Autores marxistas desferiram críticas radicais às teorias desenvolvimentistas.
- Referências: André Gunder Frank, C. Bettelheim, Theotonio dos Santos, Luiz Pereira.
- O subdesenvolvimento não seria uma etapa prévia ao desenvolvimento, mas uma realização histórica do capitalismo. Desenvolvimento e subdesenvolvimento seriam as duas faces da mesma moeda.
Para os teóricos da dependência, como esses autores ficaram conhecidos, haveria um sistema internacional capitalista, composto por países cêntricos, que drenavam para si as riquezas produzidas por países periféricos, de capitalismo dependente. Dessa forma, a relação dialética entre países ricos e pobres explicaria o desenvolvimento dos primeiros justamente pelo atraso dos segundos. Desenvolvimento e atraso seriam duas faces de uma mesma moeda, e a industrialização não alteraria tal quadro de dependência dessa etapa neocolonialista. P. 19.
- No Brasil teria ocorrido exclusivamente a modernização dos padrões de consumo.
- "Desenvolvimento" deveria ser redefinido. Deveria significar democracia substantiva, decisão coletiva sobre o destino dos excedentes, presença de amplas camadas da sociedade civil na esfera pública.
- Apesar de ser consensual que o "desenvolvimento" deveria implicar alterações qualitativas na estrutura social, o conceito que predomina ainda é o de crescimento, o de acumulação, inovação técnica, aumento da produtividade, enfim, desenvolvimento ainda é sinônimo de expansão das forças produtivas.
-- Fragilidade de indicadores como PIB e renda per capita.
-- IDH. Índice que passa a ser usado pelo PNUD em 1990. Combina poder aquisitivo com a expectativa de vida e o índice de escolaridade das pessoas.
- Desenvolvimento é a nova roupagem das ideias de progresso (iluminista) ou de evolução (biologia). Turgot, Condorcet e, depois, Comte.
O desenvolvimento capitalista supõe, em resumo, um processo linear de crescimento ascendente e infinito, natural e resignadamente desigual. P. 18
3. O “desenvolvimento sustentável”, segundo a retórica dos diferentes atores sociais: quem é a favor, quem é contra e por quê.
** A expressão "desenvolvimento sustentável" é polissêmica. Pode indicar uma mudança qualitativa na estrutura social ao mesmo tempo em que pode indicar "crescimento econômico", dentro dos padrões ora existentes.
- No Relatório Brundtland, adota-se uma abordagem eco-capitalista, "que se traduz na confiança no avanço tecnológico capaz de produzir uma industrialização limpa e controlar a fecundidade das mulheres do Terceiro Mundo. A causa primordial da deterioração ambiental é tida como sendo a pobreza, muito mais do que os dejetos tóxicos do Primeiro Mundo; portanto, o desenvolvimento sustentável proposto é algo que vai "aliviar" a pobreza, "reduzi-la", "mitigá-la", dar oportunidade de vida melhor dentro de "padrões mínimos de consumo". P. 23.
- O Relatório Brundtland sugere a cooperação internacional para superar as mazelas enfrentadas pelo Terceiro Mundo.
- "Desenvolvimento sustentável" é um conceito que foi incorporado no léxico das agências internacionais e da própria CEPAL.
Defendem ainda e incorporam o conceito de "desenvolvimento sustentável" as agências internacionais de fomento ao desenvolvimento do Terceiro Mundo e a CEPAL, que, em recente estudo já citado, vê os recursos naturais enquanto bens de capital, uma nova forma de capital tão importante quanto o capital financeiro, o capital humano, o capital físico e os acervos institucional e cultural. Para a CEPAL, desenvolvimento sustentável é entendido como progresso técnico em um sistema de competitividade internacional do qual o meio ambiente é um meio econômico para assegurar o alcance do objetivo último do desenvolvimento, que passa a ser a pessoa (essa pessoa, todavia, é ela, também, capital, "capital humano"). P. 23
** Deturpação do conceito de "desenvolvimento sustentável". Fraude. A sustentabilidade tornou-se um lema contra o crescimento econômico predatório. E atualmente, oferece-se o crescimento econômico predatório para solucionar o problema da sustentabilidade.
Quanto a "desenvolvimento sustentável", a expressão tem, a meu ver, dois significados subjacentes:
1º) Na sua primeira acepção, desenvolvimento sustentável é uma expressão que vem sendo usada como epígrafe de boa sociedade, senha e resumo da boa sociedade humana. Neste sentido, a expressão ganha foros de um substituto pragmático, seja da utopia socialista tornada ausente, seja da proposta de introdução de valores éticos na racionalidade capitalista meramente instrumental. Nesta acepção, desenvolvimento sustentável é um equívoco: desenvolvimento não é sinônimo de sociedade, nem desenvolvimento sustentável ou "novo estilo de desenvolvimento" são sinônimos de nova sociedade. O termo "desenvolvimento" prende o debate ao campo restrito da economia e reafirma sua hegemonia num momento em que o mais importante é reduzi-la àquilo que ela tão-somente é, um mero instrumental, que deve estar subordinado às questões éticas mais substantivas.
2º) Na sua segunda acepção, desenvolvimento sustentável é desglamurizado e desmistificado como sendo apenas aquilo que é: um conjunto de mecanismos de ajustamento que resgata a funcionalidade da sociedade capitalista, ora naturalizada como paradigma da sociedade moderna: nova contabilização dos processos produtivos, incorporando externalidades; políticas de financiamento mais brandas; novos indicadores de desenvolvimento, que incorporem o bem-estar humano e proteção ambiental; reciclagem industrial; controle de emissões; parcimônia no manejo dos recursos naturais; estímulo à produção de conhecimento ambiental e a programas de monitoramento; controle demográfico etc...Desenvolvimento sustentável neste segundo sentido é então visto não como nova sociedade, nova ordem econômica ou revolução ambiental, mas apenas como um conjunto de medidas paliativas, em prol do capitalismo verde. É um desenvolvimento suportável, medianamente bom, medianamente ruim, que dá para levar, que não resgata o ser humano da sua alienação diante de um sistema de produção formidável. Visto realisticamente, é um primeiro passo, no sentido de que talvez comecemos a escapar do insustentável, insuportável, em direção ao suportável e sofrível. Transformar o sofrível em bom, entretanto, é algo que foge ao escopo da economia. P. 26.
4. Eco-Capitalismo ou Eco-Socialismo? A dimensão ética da questão ambiental
** O ambientalismo seria um campo de lutas dentro do qual os ideários liberal (capitalismo verde) e socialista (eco-socialismo) continuariam a se digladiar.
- Dilema entre socialismo e capitalismo: a natureza e o papel da desigualdade.
[...] enquanto o pensamento liberal, proveniente de Locke, naturaliza a desigualdade social, vendo a diferença entre ricos e pobres como o resultado das diferenças inatas entre os seres humanos, o pensamento socialista, com sua matriz em Rousseau, encara a divisão social entre ricos e pobres como uma conseqüência espúria de uma apropriação da natureza, transformada em patrimônio protegido por cercas, e, através desta, da apropriação do esforço despendido pelo trabalho alheio. P. 27.
- O liberalismo não se problematiza a desigualdade e, portanto, não se preocupa com a "busca da justiça social". O liberalismo não constrói utopias, até porque não precisa delas.
- O socialismo é escatológico, isto é, acredita em uma redenção que deverá ocorrer ao final de um longo processo de lutas. Pressupõe uma utopia, até porque nega o presente estado de coisas.
>>> Minha observação: Há como construir um futuro sem utopias?
Em resumo: do ponto de vista dos Verdes ecologistas sociais ou ecopolíticos, o eco-capitalismo (que combina um eco-tecnicismo a um ecomalthusianismo, na tentativa de administrar os percalços que a poluição e a pobreza vêm causando à produtiva), estaria longe de solucionar os problemas de degradação ambiental e social, uma vez que estes seriam causados pela própria lógica produtiva capitalista, que tende à concentração, à exclusão c ao consumismo. Os defensores do eco-capitalismo, por outro lado, fazem coro a Fukuyama e Roberto Campos na defesa do liberalismo (leia-se capitalismo), argumentando que a deterioração do meio ambiente é causada pelas distorções protocapitalistas de um sistema terceiro-mundista selvagem e insuficientemente capitalista. P. 28
- Com o "desenvolvimento sustentável", os eco-capitalistas pretendem a diminuição da miséria. Os eco-socialistas, por sua vez, mais que eliminar a miséria, pretendem alcançar a felicidade de todos.
5. O desenvolvimento sustentável e a dimensão nacional
** A questão ambiental é eminentemente transnacional. Os problemas ambientais devem ser solucionado por meio de cooperação internacional.
- Fraternidade universal: pensamento comunista e anarquista.
- Os Estados nacionais eram vistos como fronteiras de poder de determinadas burguesias. A criação de uma sociedade justa e igualitária levaria à extinção dos Estados nacionais.
- O nacionalismo estava primariamente associado às ortodoxias. Com os movimentos de independência ocorridos no século XX, contudo, o nacionalismo foi abraçado pelas esquerdas como sinônimo de anti-colonialismo, como industrialização autóctone, como autodeterminação dos povos.
** No Brasil, a relação entre ambientalismo e nacionalismo é espinhenta. O ambientalismo foi acusado de ser um movimento fomentado pelas grandes potências para afrontar a soberania nacional.
- Resposta dos ambientalistas em nota pública: "lutam é pelo "cumprimento das leis brasileiras, inclusive a Constituição, e pela democratização da Amazônia a todos os seus níveis". Questionam as "falsas estratégias de ‘desenvolvimento` que concentram capitais e têm destruído a Amazônia e gerado miséria para todo o povo brasileiro". P. 33.
No contexto brasileiro, a questão nacional, articulada à questão ambiental, tem gerado certa confusão e acusações mútuas: os ambientalistas são acusados de serem impostores, hereges de um panteísmo anticristão, apóstolos da filosofia do "eco do passado", colaboradores de uma gendarmerie ecológica que quer internacionalizar a Amazônia. Por sob a pele de cordeiro do ambientalismo geral, acumpliciado pela inocência útil e/ou pelos interesses profissionais dos ambientalistas brasileiros, estaria a cupidez pelas jazidas minerais, lá descobertas recentemente, e pela sua biodiversidade, agora transformada em riqueza econômica, em "bancos genéticos", dado o avanço da biotecnologia. A proposta de terminar com as forças armadas nos países "em desenvolvimento", em prol de gastos com a educação e saúde, de autoria de Robert MacNamara, é interpretada como uma das formas de concretização do acesso internacional à Amazônia; defender as forças armadas passa a ser, segundo tal corrente, defender a soberania nacional. Da mesma forma, as redes ambientalistas internacionais são vistas como braços das oligarquias financeiras anglo-americanas, com suas propostas de conversão da dívida externa por projetos de preservação ambiental. P. 31.
- Diante da transnacionalidade dos problemas ambientais, os militantes brasileiros, previamente à Eco-92, sugeriram a reformulação e democratização da ONU, com a formação de um parlamento de cidadãos e o surgimento de uma cidadania supranacional, planetária.
- Para além das acusações entre os ambientalistas e os militares, o Brasil precisaria desenhar um novo projeto de nação. Os governos militares traçaram os PND I e II, cujo objetivo era "transformar o país em uma grande potência". Agora, o governo civil deve enfrentar o desafio.
- A autora considerava o Fórum das ONGs ambientalistas, potencialmente, como o ator coletivo que poderia se tornar o sujeito da construção de uma nova sociedade.
- Movimento ambientalista não se encaixa em dicotomias (nacionalismo X entreguismo; progresso X irracionalidade; ambientalismo X independência). Os ambientalistas tentam produzir um projeto próprio, plural, que tem por objetivo a felicidade.
6. Contraproposta ao desenvolvimento sustentável
** A questão ambiental é eminentemente transnacional. Os problemas ambientais devem ser solucionado por meio de cooperação internacional.
- O conceito de "desenvolvimento sustentável" é o principal mote do Relatório Brundtland, que norteou a Eco-92.
- Contudo, em "desenvolvimento sustentável" cabem todos os significados: sociedade racional do terceiro milênio, indústrias limpas, crescimento econômico, etc.
- Sugestão de expressões alternativas: "autogestão biocrática" e "eco-democracia". Fica subentendido que os proponentes enxergam no "desenvolvimento sustentável" um novo tipo de sociedade. Isso, para a autora, seria uma falácia.
Por outro lado, a idéia da construção de uma sociedade passada a limpo, igualitária e livre, justa e democrática, bonita e feliz, é algo muito mais amplo e não cabe dentro da expressão "desenvolvimento isso" ou "desenvolvimento aquilo", pois sai necessariamente do campo limitado da economia e entra no campo muito mais abrangente da filosofia. É sobretudo uma questão ética. P. 37.
- Defesa da visão integrada, holística. Crítica à separação entre "Estado" e "Sociedade Civil", entre "Economia" e "Política", entre "Ciência" e Ética". Para a autora, uma sociedade integrada será uma sociedade feliz.
Uma sociedade que busca a felicidade é uma sociedade que recupera esta visão integrada. A sociedade feliz será a sociedade ética, que promova a dignidade humana sobretudo, mas sem arrogâncias antropocêntricas que desrespeitem outras formas de vida; que saiba criar um convívio igualitário entre raças, sexos e nações, sabendo, ao mesmo tempo, preservar suas diversidades culturais; que crie espaços de decisão na sociedade civil, coexistentes, entretanto, com as instituições de um Estado democratizado e desprivatizado, pois este ainda não teve suas potencialidades esgotadas. Em tal sociedade feliz a ciência não precisa ser renegada, pois, liberta do positivismo, deixa de ser instrumento de dominação e se reaproxima da sabedoria filosófica. P. 37.
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