Universidade de Brasília - UnB
Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS
Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Sustentável / Doutorado
Disciplina: Dimensão histórico-sociológica do constitucionalismo (DIR)
Professores: Cristiano Paixão e José Otávio Guimarães
Discente: Juliana Capra Maia
Esquema de Leitura.
Referências:
HARTOG, François. "Prefácio - Presentismo pleno ou parão?" e "Introdução - Ordens do tempo, regimes de historicidade", em Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. Pp. 09-16 e 17-41.
RODRIGUES, Henrique Estrada; NICOLAZZI, Fernando. "Entrevista com François Hartog: História, historiografia e tempo presente", em História da Historiografia, n. 10, Dez/2012, pp. 351-371.
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Prefácio - Presentismo pleno ou parão?
** O Capitalismo, desde a Itália do século XIII até os tempos atuais, sempre se caracterizou por sua incrível plasticidade. Está plenamente adequado ao presentismo (F. Braudel) -- busca do ganho imediato. As democracias, não.
** Crise econômica mundial de 2008. Raiz no capital especulativo. Novidade? De acordo com Marc Bloch, desde Atenas, o progresso econômico consiste uma sucessão de bancarrotas.
** Presentismo >>> Tirania do instante. Estagnação de um presente perpétuo.
-- Regime de historicidade.
-- "Presentismo" não equivale a "presente". O conceito foi construído a partir da noção de "futurismo", isto é, "o futuro no comando".
-- Vivenciado de forma diferente, de acordo com o local ocupado na sociedade. Pode ser, por um lado, o tempo dos fluxos instantâneos, da aceleração ad infinitum. Pode ser, por outro lado, um tempo em desaceleração, sem passado e sem futuro real, um tempo de precarização.
-- Conceito que ajuda a compreender os riscos e as consequências de um presente onipresente, onisciente, que se impõe como único horizonte possível e que valoriza apenas o que é imediato
-- Cicatriz do presentismo >>> Cidades genéricas, sem história, sem identidade, sem lugar.
-- Suspensão da produção do tempo histórico.
[..] é o tempo do instantâneo, do imediato, da circulação generalizada, da rapidez das trocas, da mobilidade, em todos os sentidos do termo, mas é também o tempo da desaceleração, é também o tempo de todas essas pessoas que estão na incapacidade de encontrar os meios da sua sobrevivência, todos os imigrantes, todos os desempregados, todos os jovens, particularmente na Europa, que não encontram trabalho, que vivem no que o sociólogo Robert Castel (1933-...) define como précariat. [...], passa-se de uma situação precária, que normalmente não dura muito, a uma situação chamada précariat, que é justamente alguma coisa na qual nós nos instalamos. A précariat tem por consequência imediata que todos os projetos são interditos. (RODRIGUES; NICOLAZZI, 2012, pp. 364).
** Problema: Seria o presentismo um modo inédito de relacionamento com o tempo e, pois, um novo regime de historicidade, sobretudo para o mundo Ocidental que, durante 2 séculos, caminhou e fez com que os outros caminhassem em direção ao futuro?
O presentismo pode, assim, ser um horizonte aberto ou fechado: aberto para cada vez mais aceleração e mobilidade, fechado para uma sobrevivência diária e um presente estagnante. A isso deve-se ainda acrescentar outra dimensão de nosso presente: a do futuro percebido não mais como promessa, mas como ameaça; sob a forma de catástrofes de um tempo de catástrofes que nós mesmos provocamos. (HARTOG, 2013, Pp. 15).
Introdução - Ordens do tempo, regimes de historicidade
** As relações que as sociedades estabelecem com o tempo são pouco discutíveis, pouco negociáveis. Naturalização das relações com o tempo.
-- Homero: a História ocorria entre a prática de uma injustiça até a sua reparação.
-- Santo Agostinho: 7 eras históricas, correspondentes aos 7 dias que Deus precisou para criar o mundo, conforme mencionado no Gênesis.
** História recente >>> Abalo da nossa relação com o tempo >>> Queda do Muro de Berlim, em 1989. Derrocada do Comunismo. Escalada de múltiplos fundamentalismos.
-- A ordem do tempo foi colocada em questão, seja no Oriente, seja no Ocidente.
-- Rompimento entre o hoje, o ontem e o anteontem.
** O tempo é tão natural para o historiador que ele o naturaliza. A historiografia tem colocado essa relação em perspectiva ("História do Tempo Presente", 1980, René Remond).
** Regime de Historicidade >>>
-- Como uma sociedade trata o seu passado e do seu passado.
-- Modalidade de consciência de si de uma sociedade humana.
-- Forma de experimentar o tempo.
-- Ferramenta heurística para apreender os momentos de crise do tempo, quando as articulações entre passado, presente e futuro se perderam. Hipótese formulada a partir da nossa contemporaneidade.
** Cronosofias >>> Profecias + Periodizações.
-- Voltaire, Hegel, Bousset, Marx, Comte, Spengler, Toynbee, Santo Agostinho.
-- Tentativas de relacionar passado e futuro.
-- Evolucionismo do século XIX, Arqueologia e Antropologia Física: Naturalização do tempo. A história da humanidade tem milhões de anos (primeiros hominídeos), não os singelos 6 mil anos do Gênesis.
** Dever de memória versus Esquecimento.
-- Berlim pós queda do muro >>> o tempo era um problema evidente. O que construir? O que demolir? O que reformar? O que conservar?
A memória como este movimento que se impôs praticamente em todo o mundo deve ser colocada em relação com os acontecimentos traumáticos do passado. E também com uma dúvida em relação à história, já que se considera que a história não é capaz de apreender este passado. Em seguida, a memória é presentista, pois ela é convocação do passado ou de certos momentos do passado no presente em função do presente, para responder às questões do presente.
Mas ela é também, o que torna complexa a coisa, este fenômeno que permite, em um certo sentido, escapar ao presentismo em razão de certa convocação do passado. (RODRIGUES; NICOLAZZI, 2012, pp. 367)
A memória é presentista. Mas também é uma forma de tentar escapar do presentismo. (RODRIGUES; NICOLAZZI, 2012).
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1. Questões suscitadas pelos alunos
** Regime de historicidade (Koselleck);
** Presentismo >>> Fratura do tempo, "ditadura do instante". Alarmismo? Resposta José Otávio: Não é alarmismo ou catastrofismo. O autor estuda o presente e as informações que o presente lhe traz.
** Categorias "passado", "presente" e "futuro" >>> Por que não abrir mão delas? Relativiza-se todo o resto, por que não essas três?
** Campo da experiência versus horizonte de expectativa.
** O futuro é tão opaco ou tão negativo, que preferimos nem pensar nele. Sem futuro, tudo o que nos resta é o presente, um tempo parado. E um presente que se arvora ao direito, inclusive, de modificar o passado.
2. Texto do F. Hartog
** Introdução e capítulo 01 foram escritos com distância de 11 anos um do outro.
** Presentismo pleno X presentismo padrão >>>
-- Presentismo padrão: Momento de pausa, de parada, que precederá um novo momento futurista (modernidade, hipermodernidade).
-- Presentismo pleno: Um presente vivido de forma particularmente diferente. Pós-modernidade?
** Diálogo forte de Hartog com Koselleck >>>
-- Todas as culturas humanas articulam passado-presente-futuro. Categorias essenciais do entendimento humano.
-- O presente é um resultado da tensão entre espaço de experiência e horizonte de expectativa.
-- O próprio conceito de regime de historicidade só é possível em contexto presentista.
** Marshall Sahlins. Ilhas de História.
-- Impossibilidade de compreensão mútua entre sociedade de ilhéus do pacífico e o capitão Cook, dada as diferentes formas de encarar o tempo.
-- O tempo histórico guia a nossa ação.
-- Relativização do tempo no espaço.
** Regime de historicidade >>>
-- É um mecanismo heurístico, bom para ler momentos de crise. Hartog é um pesnador das fronteiras (Homero, Chateaubriand).
-- Não é uma filosofia da História ou cronosofia (tal como Santo Agostinho, Spengler, Fukuyama, Marx).
-- Não propõe qualquer articulação fixa entre passado, presente e futuro.
-- Revel: o regime de historicidade é uma categoria frouxa, "mole" (o que não necessariamente é ruim em ciências humanas, vide "mentalidades").
-- Maneira de nos questionarmos sobre a nossa relação com o tempo.
-- Permite discutir memória e história.
** O tempo foi, por pelo menos 03 séculos, o impensado da História. Foi o recalque. O regime de historicidade se propõe ir para além disso.
** Modernidade: o futuro impera sobre o presente e sobre o passado.
** Antiguidade: o passado impera sobre o presente e sobre o futuro.
** O passado que está na memória está instável. Ele é fruto do trauma.
** O futuro, quer pelo pós-guerra, quer pelo meio ambiente, também está instável.
** Dificuldade de articular passado-presente-futuro. Se o futuro escapou, se o passado nada mais explica, enfoquemos o presente. Mundo pobre.
3. Entrevista com Hartog
** Discussão com os Annales (especialmente com a tradição de Ferdinand Braudel).
** Regime de historicidade do historiador versus regime de historicidade do objeto pesquisado.
** Aceleração ou desaceleração do tempo?
** Memória versus trauma de memória.
4. Texto do Revel
** Professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales.
** Hartog e Koselleck são historiadores de arquivos.
** Desde os seus primórdios, a École de Hautes Études en Sciences Sociales se foca no estudo do contemporâneo. Ruptura da separação entre historiadores e cientistas sociais (separação típica do positivismo).
** História é aquilo que eu vejo >> História Antiga >> Também a História do Século XX.
** Exercício de Marc Bloch: Olhar o presente e retroagir ao passado. O problema é quando o presente também se evapora, isto é, quando o próprio presente está ininteligível. Noção não estabilizada do presente.
** Tempo Histórico >> Produto da relação entre espaço de experiência (o que se considera ser o passado) versus horizonte de expectativa (projeto de futuro). Conceito abstrato, preenchido pelo historiador.
** Século XX >> Século da Catástrofe. Nascimento de um estilo literário, a narrativa do testemunho.
** 1789, Queda da Bastilha, que inaugura a um novo tempo. 200 anos depois, cai o Muro de Berlim. Em Berlim, havia duas experiências diferentes de tempo. Mas havia também dois projetos de futuro: o capitalismo e o socialismo. Com a queda do muro, ocorre a saída do futurismo para o presentismo.