Centro Universitário de Brasília - UniCeub
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Monografia Final
Leituras
Referência: KOERNER, Andrei. "Ordem política e sujeito de direito no debate sobre direitos humanos". Lua Nova, nº 57, 2002, pp. 87 a 111, disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n57/a05n57.pdf, acesso em 25/03/2013, às 14:31.
** Assunto: Direitos humanos nos anos 90
** Ponto de partida: blibliografia acerca da temática, dividida em dois grandes grupos:
a) Relação entre as ordens políticas interestatal e estatal
b) Relação entre os sujeitos e as normas
Transformações políticas e conceituais
** Década de 90:
-- Estados nacionais preocupados em ajustes macroeconômicos; Organização das Nações Unidas preocupada com os temas sociais.
-- Redefinição do papel dos Estados Nacionais na proteção e promoção dos direitos humanos. Se durante as décadas de 1940, 1950 e 1960 o Estado era sujeito central da proteção e promoção dos direitos humanos, na década de 1990 os organismos internacionais passaram a integrar o quadro dos defensores dos direitos humanos, inclusive quando essa proteção implicava a limitação da soberania (Conferência de Viena, 1993).
-- Documento de referência >>> Conferência de Viena, 1993 >>> "Reafirmou a universalidade, a indivisibilidade, a inter-relação e a interdependência dos direitos humanos, o direito ao desenvolvimento, assim como a relação necessária entre direitos humanos, democracia e desenvolvimento, do qual a pessoa humana é o sujeito central". PP. 88.
-- Criação ou instalação dos órgãos supra-nacionais de fiscalização e responsabilização por violações aos direitos humanos.
** Atentados de 11 de setembro de 2001 >>> Inflexão. Forte contraste com as previsões otimistas para o desenvolvimento dos direitos humanos.
Assim, no campo dos direitos humanos, ocorre um duplo processo durante a “longa década de noventa (de 1989 a 2001)”: por um lado, no plano da enunciação dos direitos, dá-se a maior permeabilidade entre as ordens políticas estatal e interestatal, bem como o deslocamento da efetivação dos direitos humanos do plano da titularidade formal de sujeitos individuais para a dimensão das práticas sociais e da realização de concepções individuais e coletivas de vida boa. [...]. Porém, por outro lado, a situação política internacional mostra como essas relações estão ainda indefinidas, dada a proteção internacional seletiva dos direitos humana, submetida aos interesses geopolíticos das principais potências, assim como as reações de suas lideranças e de grupos políticos fundamentalistas, nacionalistas e defensores de outros particularismos, que contestam mudanças mais profundas no campo dos direitos humanos. PP. 89
Os dois eixos de análise
** Ordem política: Refere-se à autoridade política que deve promover e proteger os direitos humanos mas que também pode atacá-los. Tensão central: Soberania.
-- Textos que atribuem papel predominante à ordem global.
-- Textos que atribuem papel predominante dos Estados nacionais. Maioria dos textos analisados.
** Sujeito e Norma: Relação entre normas jurídicas e comportamentos individuais. Tensões centrais: relativismo cultural.
-- Direito como sistema autônomo de normas, o qual tem uma relação mandatória com os sujeitos. Mais comum nos textos analisados.
-- Direito como um aspecto da normatividade social, a qual tem outras modalidades de relações com os sujeitos.
Quadro 01
Ordem Política
|
Interestatal
(I)
|
Estatal
(II)
|
Sujeito e Norma
|
Ordem
institucional
|
Normatividade
Social
|
Relação
mandatória (1)
|
Outras modalidades
(2)
|
** As combinações simples dos elementos resulta nas seguintes posições a respeito dos direitos humanos:
- Globalismo (I, 1) >>> Posição segundo a qual deve prevalecer a ordem global, a qual é vinculante em relação aos ordenamentos jurídicos dos Estados particularmente considerados.
- Estatalismo (II, 1) >>> Posição segundo a qual deve prevalecer a ordem jurídica estatal esta, sim, obrigatória. O direito internacional dos direitos humanos só deve ter efetividade jurídica caso tenha sido incorporado ao Ordenamento Jurídico nacional.
- Contextualismo (II, 2) >>> Deve predominar a ordem política estatal, a qual, por sua vez, deverá reconhecer e combinar as diferentes normatividades produzidas pelos grupos sociais.
- Trans-localismo (II, 1) >>> "Deve predominar a ordem internacional, cuja normatividade resulta da combinação das diversas normatividades do globo, a qual não se põe como ordem mandatória, mas como resultado de um processo de diálogo intercultural, que promove o reconhecimento das diferenças e, pois, consensos". Pp. 92.
As quatro posições
** Globalismo (internacionalismo ou interestatalismo):
-- Formação de uma ordem global, inaugurada ao final da Segunda Grande Guerra. Governança Global.
-- Articulação, democrazitação e aparelhamento dos organismos multilaterais.
-- Reforço do caráter mandatório do Direito Internacional dos Direitos Humanos >>> Essencial para a sua proteção contra as violações.
-- O Direito Internacional teria se transformado em uma espécie de "Direito Constitucional Global", do qual a Carta dos Direitos Humanos consistiria no rol de direitos fundamentais. "Seus enunciados seriam os princípios de organização política, das relações entre Estados e seus cidadãos, e dos objetivos a serem buscados pela sociedade internacional e pelos Estados". PP. 95.
-- Propõe a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, eliminando o poder de veto dos membros permanentes, a transformação da Assembléia Geral em uma espécie de Senado e a criação de uma Assembléia de Indivíduos ou dos Povos.
-- Fortalecimento dos limites contra possíveis violações aos direitos humanos. As instituições internacionais devem ser aparelhadas para defender os direitos fundamentais contra as graves violações, permitindo a punição dos culpados, a responsabilização dos Estados, a adoção de medidas preventivas, o monitoramento das situações de risco e o controle da implementação das medidas propostas pelos organismos internacionais. (PP. 93).
-- Principais temas: graves violações decorrentes de guerras civis, ditaduras, genocídios, perseguição contra opositores, fomes coletivas.
-- Privilegia os direitos civis e políticos. Outras abordagens mencionam a existência de um "núcleo duro" de direitos humanos que, além dos direitos civis e políticos, englobaria direitos sociais e econômicos.
Os direitos humanos seriam a manifestação de um consenso da sociedade internacional, que reputa ilegítimos atos que infligem sérios sofrimentos a outros seres humanos.
As instituições multilaterais fortalecidas teriam como vantagens principais a punição dos responsáveis pelas graves violações, maiores incentivos para que os Estados respeitem e promovam os direitos humanos, a criação de um terceiro imparcial para julgar os conflitos entre Estados e indivíduos, o reconhecimento internacional dos direitos das minorias e grupos de risco e a cooperação técnica para a promoção dos direitos humanos. Pp. 93.
-- Perspectiva otimista em relação à História.
-- Sujeitos dos Direitos Humanos: Seres Humanos, isto é, todos os seres na face da Terra portadores da nossa humanidade comum. Em alguns casos são mencionados grupos com características específicas.
-- Promoção dos direitos humanos <<<>>> Cooperação Internacional.
-- Fragilidades >>> Seletividade, efeitos não esperados da intervenção humanitária e o relativismo.
(a) Seletividade da intervenção humanitária >>> A ordem política internacional é muito desigual em termos de recursos militares, econômicos e políticos, o que evidentemente se manifesta nas instituições multilaterais. A pressão da opinião pública internacional contra graves violações é parte desse jogo político desigual. Essa seletividade mina a legitimidade das respostas dos organismos multilaterais às violações de direitos humanos.
(b) Efeitos não esperados da intervenção humanitária >>> Sanções econômicas agravam a penúria da população local; intervenções militares podem desencadear conflitos civis permanentes, além de ressentimentos não controláveis.
(c) Relativismo >>> Questiona a possibilidade de as diferenças culturais poderem ser reduzidas a um mínimo denominador comum.
-- Crítica dos trans-localistas >>> Os trans-localistas partilham com os universalistas a preocupação com a proteção dos direitos humanos. Contudo, colocam muitas vezes objeções a intervenções humanitárias cujos objetivos e métodos de ação consideram inadequados.
** Estatalismo (estatismo):
-- Interpretação mais restritiva em relação às mudanças no cenário internacional ao longo dos anos 90.
-- Apesar das mudanças na ordem internacional, os Estados ainda seriam os atores determinantes nas relações internacionais concernentes aos direitos humanos.
-- Direito Internacional >>> Direito Costumeiro.
-- Os Tratados e Pactos Internacionais só criariam obrigações imediatas dada a impossibilidade de as instituições multilaterais obrigarem 0s Estados-Parte.
-- Admite a existência de cooperação entre os Estados, derivada do interesse das partes. Ao longo do tempo, essa cooperação criaria certa estabilidade, certas práticas mutuamente aceitas.
Os regimes internacionais seriam esquemas de aliança impostos pelas principais potências. Os demais Estados receberiam diversos incentivos para participar dos regimes e procurariam defender seus interesses através da exploração dos espaços abertos por eles. Os regimes tenderiam a serem progressivamente estáveis, dados os ganhos que proporcionam para os Estados, como a redução da incerteza e dos custos de informação. A estabilidade proporcionaria o hábito de obediência às normas, as quais, com o tempo, adquiririam caráter obrigatório. Assim, as normas dos regimes internacionais desencadeiam processos relativamente autônomos em relação aos interesses imediatos dos Estados. Porém, seriam bastante limitadas as possibilidades de se excederem os limites dos regimes, definidos pelos Estados mais relevantes (Hurrell, 1993; Martin e Simon, 1998). Pp. 98.
-- Realistas >>> O Direito Internacional deveria restringir-se a fornecer subsídios morais para os Estados. A extensão dos poderes das agências multilaterais implica atingir os interesses estratégicos dos Estados.
-- Considera claramente demarcados os limites entre a ordem jurídica internacional e a dos Estados nacionais.
-- Direitos Humanos >>> Considerados recomendação moral ou quase-jurídica.
-- Noutra formulação, as normas de Direito Internacional funcionam como standards, como padrões internacional que expressam certo consenso civilizacional. Porém, caberia aos Estados a implementação das políticas de defesa dos direitos humanos. Aos organismos multilaterais caberia apenas cuidar do monitoramento.
-- A proteção dos direitos humanos seria tarefa do Estado Democrático de Direito. O Estado Democrático de Direito é visto como o arranjo político mais adequado para coibir os riscos de violações a direitos humanos aos quais estão submetidos os indivíduos. Também é visto como o arranjo mais adequado para mitigar os desequilíbrios econômicos e políticos gerados pela modernização e pelo mercado.
-- Problema >>> Os principais violadores dos direitos humanos são os Estados nacionais que, por meio de seus funcionários, atacam opositores políticos, ignoram pessoas mais pobres, oprimem minorias ou se omitem na implantação de políticas sociais.
-- Crítica >>> O estatismo é incapaz de compreender a profundidade das transformações internacionais, na qual se vê a emergência de atores transnacionais e de problemas sistêmicos globais (pandemias, migração em massa, etc), os quais não podem ser solucionados por um único Estado e nem mediante o recurso da guerra.
-- Crítica dos trans-localistas >>> Os trans-localistas argumentam que as omissões das instituições multilaterais têm efeitos sistêmicos, pois situações de guerra, deslocamento forçado e genocídios provocam violações em cadeia, que têm alcance regional e, mesmo, global.
** Contextualismo:
-- Crítica à abordagem institucional do Direito. O Direito Estatal seria apenas uma das expressões da normatividade social.
-- Variada coleção de correntes intelectuais que abordam o Direito (e os Direitos Humanos) a partir de suas relações com as práticas sociais, valores, identidades e ritos.
-- Crítica à abordagem individualista e contratualista, já que o Direito pressupõe comunidade. A coletividade é o ponto de partida, não a norma.
-- Ceticismo acerca das Declarações Universais de Direitos >>> Direitos Humanos >>> Produto de uma sociedade liberal, capitalista, individualista e ocidental, dificilmente transponíveis a outras sociedades, desprovidas das condições históricas do Ocidente Moderno.
-- O Direito Internacional só poderá ser forte se fixar limites externos às comunidades, só poderá ser forte se proteger as comunidades, inclusive contra o seu próprio Estado Nacional. Jamais para impor os Direitos Humanos universalmente válidos (expressão jurídica das nações hegemônicas).
-- Década de 90: Concentraram-se nos direitos dos povos indígenas e de comunidades subnacionais.
As concepções contextualistas dos direitos humanos tem sido objeto de muitas críticas dos que defendem a universalidade dos direitos humanos, que apontam para os efeitos negativos dessas concepções, como a indiferença e mesmo o cinismo, diante de violações e do sofrimento do outro. Há também a desqualificação de argumentos como os dos valores asiáticos, que seriam apenas pretextos invocados por governantes autoritários para justificar as suas práticas (Booth, 1999). Pp. 103.
-- Crítica: Aqui as culturas são vistas como blocos estanques, fechados. Ademais, objeções conceituais e políticas acerca dos direitos humanos não podem ter efeitos paralisantes diante da necessidade de proteção de populações sujeitas a violações em massa (pp. 104)
** Trans-localismo:
-- "Embora façam parte de sistemas culturais diferentes, normas e valores são comunicáveis e comparáveis e, assim, é possível fazer julgamentos interculturais, encontrar valores compartilhados e também questionar, argumentar e persuadir o outro acerca das suas normas culturais. Seria possível, pois, construir valores partilhados pelas diversas culturas". Pp. 103
-- Os Direitos Humanos carregariam um potencial de crítica à globalização e à modernização desigual e excludente, criando instrumentos para políticas participativas e democráticas em escala mundial.
Concepções do trans-localismo são algumas vezes associadas às dos globalistas e, noutras situações, aos contextualistas. O que os diferencia dos primeiros é o seu realismo quanto às relações de poder mundial, em termos econômicos e políticos, e o seu ceticismo quanto ao potencial democratizante das instituições multilaterais. Pensam que é possível e necessária a abertura democratizante, e participativa, dessas instituições, o que só ocorrerá com o apoio de movimentos sociais e políticos externos a elas (Falk, 1992; 1998; 2001). Se a pluralidade cultural é essencial para a formulação de projetos participativos e não alientantes, o seu reconhecimento não pode implicar a indiferença e irrredutibilidade de pontos de vista nem o desejo de uma ordem mandatória que obrigue o outro exótico a comportar-se como pensamos ser adequado. Ou seja, trata-se de criticar o universalismo abstrato cujo risco é o de uma nova versão do colonialismo, e o relativismo indiferente a violações. Pp. 104.
-- As ações das instituições multilaterais devem ser apoiadas e multiplicadas, com ampla participação democrática. Hoje, essas instituições são incapazes de enxergar as necessidades do outro e, portanto, de direcionar adequadamente as suas ações. Dessa forma, muito de seu esforço é inócuo.
-- O esvaziamento do diálogo sobre direitos humanos revelou os limites da abertura das instituições multilaterais. Quando a ONU se transformou em uma espécie de "esfera pública" global, as nações mais poderosas simplesmente se retiraram (com o seu financiamento) do debate. Pp. 105.
-- Há translocalistas que defendem a possibilidade de se encontrar um mínimo denominador comum entre as culturas (não somente entre os Estados), de modo a conceber um corpo básico de direitos humanos. Formulação de universais humanos alcançados por meio do diálogo. Outros, entendem que esse mínimo denominador comum é utópico.
Boaventura de Sousa Santos (1997) propõe que os direitos humanos sejam concebidos como uma política cultural contra-hegemônica e, para isso, a questão deve ser colocada a partir do processo contraditório de globalização. Assim, é necessário formular-se uma concepção multicultural, socialmente focada e que possa ser generalizada sem pretensões de universalidade. Essa concepção seria construída pelas redes contra-hegemônicas construídas pelas periferias e semiperiferias do sistema mundial. A fórmula seria o diálogo intercultural através da hermenêutica diatópica, que reconhece a diversidade de culturas, enriquece-as pela aceitação de sua incompletude respectiva, mas não resulta em indiferença, pois com o entrelaçamento das identidades afirmam-se também os limites do que lhes é reciprocamente aceitável ou intolerável. Pp. 107.
-- Risco >>> Diálogo intercultural vazio.
Considerações Finais
** As mudanças no Direito Internacional são profundas, embora a sua direção e o seu alcance ainda não possam ser vislumbrados. Os acontecimentos de 11 de setembro tornaram o seu futuro ainda mais incerto.
** "Direitos Humanos" não deve ser visto como um instituto. Trata-se de um processo.
Os direitos humanos compreendem um “nome”, disposições legais, instrumentos jurídico-processuais, recursos políticos e de discurso; constituem e perpassam instituições estatais e da sociedade civil, insuflam atitudes, valores e relações sociais. Ou seja, fazem parte de uma complexa construção intelectual e política, cuja dimensão histórica nos mostra que se trata de um processo extremamente conflituoso e, em grande medida interminável. Face a ele, definições e teorias têm aparecido sempre afirmações unilaterais e incompletas, de uso parcial e estratégico. Assim, como ressalta Boaventura, a construção dos direitos humanos está inserida no processo mesmo de diálogo e luta política, sem que possamos ou devamos esperar construções unitárias ao final. Pp. 108.
** A tensão entre soberania estatal e Direito Internacional não está superada. Embora tenha encontrado soluções jurídicas, não encontrou solução política: "O tema continuará a colocar problemas conceituais relevantes, em particular no debate político sobre a proteção internacional dos direitos humanos em casos de graves violações." (pp. 108).
** As tensões sobre os organismos multilaterais tendem a se agravar. Risco de perda de legitimidade derivada da "seletividade" das intervenções.
O direito internacional dos direitos humanos seria mais um campo de lutas do que uma ordem normativa à qual deveria ser fornecida uma justificação moral . PP. 109.
** Direitos humanos são uma criação política formulada em resposta aos trágicos acontecimentos da Segunda Grande Guerra. Eles enunciam proibições aos Estados, mas, para além disso, propõem um projeto mais igualitário de sociedade. O que serão os direitos humanos no futuro? Depende da ação política.
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