Centro Universitário de Brasília - Uniceub
Faculdade de Direito
Pós Graduação Lato Sensu em Direito Urbanístico e Regulação Ambiental
Monografia Final
Aluna: Juliana Capra Maia
Texto: BENJAMIN, Antônio Herman. "A natureza no Direito Brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso", in Nomos. Revista do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará. Volume 30.1, Fortaleza, Edições Universidade Federal do Ceará, Jan/Jun de 2011.
** Nos últimos 30 anos, o Direito Brasileiro revisitou e modificou profundamente o tratamento dispensado à natureza. Ao invés de o legislador tratá-la como conjunto de "bens" ou "coisas" condenadas à apropriação privada, atribuiu-lhe o status de "bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida".
O constituinte descoisificou o meio ambiente, atribuindo-lhe sentido relacional, caráter sistêmico e feição intangível.
** Histórico >>>
- Pelo menos desde a Revolução Francesa, a natureza e seus componentes têm sido categorizados como coisas ou bens ("commodities") da comunidade, de um particular ou de ninguém (res nullius). E coisas ou bens sujeitam-se à propriedade de alguém que pode utilizá-los ou até mesmo destruí-los.
- Os seres vivos (animais e vegetais) recebiam tratamento idêntico ao dispensado aos objetos inanimados: estavam submetidos ao poder do homo economicus.
** Discursos subjacentes à discussão >>>
- Discurso Filosófico sobre a natureza >>>
- Relação entre Direito Positivo e Ética.
- Os tratados clássicos de ética não abordam a "Ética da Natureza", o que revela que a filosofia clássica entendia que nem a natureza, nem a ação humana sobre o meio ambiente eram merecedoras de maiores considerações morais.
- Relações tomadas como axiologicamente neutras (crença de que "somente assuntos concernentes ao homem possuem dimensão moral", pp. 84).
- Natureza demonizada (platonismo), tomada como matéria-prima que deveria ser dominada e disciplinada pelo homem.
- Antropocentrismo X Não-antropocentrismo >>>
---> Antropocentrismo puro: O homem como medida de todas as coisas. Denomina-se antropocentrismo o conjunto de idéias segundo as quais existe uma demarcação clara e moralmente relevante entre o homem e os demais seres que compõem a natureza. De acordo com essa visão, a natureza está a serviço do homem. Locke. Bentham.
--> Antropocentrismo mitigado ou reformado: Temor pelo esgotamento dos recursos naturais, situação que pode depreciar significativamente a qualidade de vida das gerações futuras (ética da solidariedade). Também se manifesta por meio da sensibilidade e da preocupação em relação ao bem estar dos animais (principalmente os animais domésticos). À primeira forma, denomina-se "antropocentrismo intergeracional". À segunda, "antropocentrismo do bem estar dos animais". O antropocentrismo intergeracional é o fundamento da proteção ambiental na maior parte dos Estados Nacionais e predomina nos discursos dos organismos multilaterais. Confere grande peso à proteção ambiental e nos força a modificar os cálculos do custo-oportunidade da preservação das espécies no presente. Conduz-nos à conservação das opções de que dispomos; à conservação da qualidade e à conservação do acesso aos recursos ambientais para as gerações futuras. A solidariedade intergeracional é um dos pilares da noção de sustentabilidade. O antropocentrismo do bem estar dos animais, por sua vez, contenta-se com a separação clara entre "seres humanos" e "demais seres", mas apregoa um tratamento mais humanitário aos animais (especialmente animais domésticos e de estimação). Aceita-se, nesta corrente, que os animais sejam eliminados de acordo com os interesses do ser humano, desde que isso ocorra da forma menos dolorosa possível. Os animais são dotados de sensibilidade e de percepção. Mesmo assim, são considerados objetos, coisas suscetíveis de apropriação. Fala-se, ainda, no contexto do antropocentrismo reformado, em "antropocentrismo intrínseco" (utilitarista) e em "antropocentrismo extrínseco" (que admite conferir à natureza um estatuto de sujeito moral, mas nega-lhe valor intrínseco).
--> Não-antropocentrismo: Rejeição, por insuficiência, do antropocentrismo, em todas as suas formas. Nesta visão, o mundo é um rico sistema de circulação permanente entre o sujeito e o mundo objetivo, no qual fluem e confluem minerais, animais, vegetais em uma complexa interrelação ainda desconhecida pelos homens. Contesta terminantemente a separação bíblica entre anjo - homem - besta, entre homens e animais, entre seres animados e inanimados. Nesta corrente estão incluídos o biocentrismo e o ecocentrismo. Reconhece direitos a entes não humanos.
- Discurso Econômico sobre a natureza >>> Goste-se disso ou não, os bens naturais, tal como as mercadorias, possuem valor econômico. Essa dimensão deve ser considerada em todas as propostas acerca da preservação ou conservação do meio ambiente, sob pena de naufragarem peremptoriamente. São atribuídos à natureza diferentes valores, quantificáveis em sede de compensação ambiental:
- Valor de Uso Econômico Direto >>> Espécie do gênero "valor instrumental". Fundamental no discurso antropocêntrico tradicional. Consumo direto do recurso. Exemplo: uso da lenha, da madeira, da biomassa.
- Valor de Uso Indireto >>> Espécie do gênero "valor instrumental". Fundamental no discurso antropocêntrico tradicional. Manifesto meio de serviços, ao invés de produtos. Ex. serviços ecológico-recreativos e os serviços ecológicos prestados pela natureza.
- Valor de opção >>> Espécie do gênero "valor instrumental". Base do antropocentrismo intergeracional. "É a conservação da biodiversidade pensando na sua provável, embora ainda incerta, importância no amanhã, em particular no campo da medicina e agricultura, através do uso de informações genéticas ou bioquímicas em novas descobertas científicas". Funciona como uma espécie de seguro. Pp. 92.
- Valor Existencial >>> Base das correntes não-antropocêntricas. Mais que utilidade econômica ou recreativa, a natureza tem valor de per se, tem valor existencial. A sua mera existência é motivo suficiente para que os homens tenham que protegê-la, independentemente de qualquer outra contribuição -- direta ou indireta -- aos seres humanos. Proteger a biodiversidade, aqui, é uma questão ética, e não instrumental.
- Discurso Jurídico sobre a natureza >>> O Direito, Internacional e Nacional, cada vez mais tem se distanciado do antropocentrismo puro. O paradigma atualmente vigente é o do antropocentrismo intergeracional, com bolsões de não-antropocentrismo aqui e acolá.
- Antropocentrismo Puro ou Mitigado = Natureza é objeto de direito. Apóia-se em uma visão dicotômica: mundo natureza versus mundo da cultura.
- Não-antropocentrismo = Em regra ("em regra" porque há correntes não-antropocêntricas que não trabalham como essa abordagem), a natureza é tomada como sujeito de direito.
** Por que a natureza deve ter direitos?
- Quem são os titulares? A natureza como um todo? Os ecossistemas? As espécies? Os indivíduos? Os componentes bióticos e abióticos?
- Esses direitos seriam iguais ou se aceitaria certa gradação?
- OBS.: Aldo Leopold >> Ecossistemas como titulares de direitos.
Finalmente, é oportuno corrigir um mal-entendido que, com frequência, aparece na doutrina menos informada ou entre aqueles que querem liberdade plena para degradar o meio ambiente e submeter os animais a sacrifícios desnecessários. O reconhecimento de direitos aos animais – ou mesmo à natureza – não leva ao resultado absurdo de propor que seres humanos e animais tenham os mesmos ou equivalentes direitos. Nem Regan, nem outros teóricos de sua corrente, defendem direitos absolutos ou iguais para os animais. Os direitos de não-humanos não são menos flexíveis que os direitos humanos. O que eles propõem é uma mudança de paradigma na dogmática jurídica. Só isso; e já seria muito. Pp. 95.
** Conservação X Preservação >>> Atualmente, os ordenamentos jurídicos mesclam objetivos conservacionistas e preservacionistas. No Brasil, por exemplo, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação disciplina tanto a criação de Reservas Biológicas, Estações Ecológicas e Parques Nacionais (mais afinados aos objetivos de preservação) quanto a criação de APAs e ARIES (mais afinadas aos objetivos de conservação).
- Conservação = Uso inteligente dos recursos naturais, para que eles não venham a faltar.
- Preservação = Manutenção de espaços intocados ou minimamente tocados (como reservas biológicas e parques nacionais) para preservar a integridade dos habitats. Reverência em relação à natureza, que não foi criada pelo homem. Enfoque preferido dos adeptos do biocentrismo ou do ecocentrismo.